Psicóloga hospitalar revela desafios no trabalho durante pandemia

Laryssa Pitanga conta como se adaptou para continuar dando suporte aos pacientes no hospital onde trabalha e como mantem sua mente saudável em meio à realidade de seus pacientes

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Laryssa Pitanga atua como psicóloga no Hospital Santa Izabel, que faz parte da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador. Ela viu sua rotina tomar outro rumo com o alastramento do coronavírus. Segundo os dados mais recentes divulgados pela Secretaria de Saúde da Bahia, a capital baiana registrou 4.622 casos confirmados, quase 61% dos casos totais do estado.

Com a pandemia, a psicóloga teve que adaptar não somente a maneira de realizar os atendimentos dentro do hospital, como também adequar alguns hábitos de assepsia ao chegar em casa para evitar contaminações. Laryssa contou à Marie Claire que também recebeu reforço do hospital onde trabalha para cuidar da sua saúde mental, uma vez que lidar com o luto do outro se tornou mais recorrente no dia a dia. Confira a entrevista:

Marie Claire O que mudou com a pandemia? Como tem sido o seu dia a dia?
Laryssa Pitanga Antes da pandemia, todos os nossos atendimentos no hospital, tanto ao paciente quanto à família, eram presenciais. Agora, o suporte psicológico acompanhou todas as mudanças desse momento, e também se adaptou. O atendimento ao paciente internado por diagnósticos gerais continua sendo presencial. A mudança que já aparece aí, é que agora evitamos o “toque”, que costuma ser uma grande expressão de empatia e acolhimento.

Os atendimentos aos pacientes internados por Covid-19 são realizados por ligação, na maioria dos casos, através de ramais instalados nos quartos/enfermarias, ou aparelhos celulares disponibilizados pelo hospital, já que entramos nestas unidades apenas em situações específicas. Esse formato é novo e diferente, já que as expressões faciais e corporais dos pacientes costumam fornecer informações que contribuem na leitura técnica e manejo das demandas.

Outra ferramenta muito interessante que surgiu com a pandemia foi as visitas virtuais. Como agora há uma restrição muito significativa de visitas, nós mediamos o contato do paciente em UTI’s por meio de chamadas de vídeo com celulares corporativos. O resultado tem sido incrível e emocionante, os pacientes e familiares se emocionam, se aliviam.

Uma parte da nossa identidade visual está disfarçada por toucas e máscaras, que antes usávamos apenas em ocasiões específicas, e agora usamos durante todo o tempo. Com isso, nos concentramos ainda mais nos nomes, nos olhos, na voz e seu tom quando estamos atendendo.

MC Como é para você ouvir tantas pessoas que estão sofrendo neste momento?
LP É uma misturinha de satisfação com cansaço. Acho que nós, profissionais das áreas de saúde, que já trabalhamos muito, nunca trabalhamos tanto quanto agora. Isso traz uma sensação maravilhosa de perceber quantos pacientes e familiares estamos ajudando. E, naturalmente, o cansaço com as grandes e diferentes demandas.

MC Como faz para não se envolver com a situação?
LP A verdade é que não tem como estar completamente neutra em um momento como esse. Estar ali enquanto profissional leva junto o ser humano que sou, e o equilíbrio disso é conseguir ser empática aos meus pacientes e suas famílias. Pacientes com Covid-19 tendem a ficar internados por semanas, o que faz com que o contato com o enfermo e suas famílias seja prolongado, promovendo um vínculo que é importante nesse trabalho. O que procuro fazer para não absorver tudo que vivencio nesse ambiente é manter um exercício mental sobre aquilo como minha profissão. Discuto casos e compartilho repercussões emocionais que surgem com a equipe que está comigo. Trocamos acolhimento. Também busco  me desconectar quando saio do hospital com atividades relaxantes.

MC Você está em contato com o sofrimento das pessoas. Você recebe algum tipo de tratamento psicológico para aguentar a rotina?
LP O mais indicado é que psicólogos façam terapia para elaborar melhor os sentimentos ativados em nós durante a atuação, e com isso ter um manejo que não se misture ao pessoal na nossa prática psicológica. Com isso, já faço acompanhamento ao longo da vida profissional. Agora nesse período de pandemia há uma oferta muito legal de psicólogos que se disponibilizaram voluntariamente a dar suporte psicológico a profissionais da saúde.

MC Quais têm sido seus maiores desafios?
LP Infelizmente tem acontecido muito de pessoas da mesma família se internarem na mesma instituição com diagnóstico de Covid-19. Um grande desafio ao atender um paciente que recebeu notícia de óbito do familiar que também estava internado é ouvir o sofrimento de quem começa a viver o luto da forma mais difícil possível: dentro de um hospital, com o mesmo diagnóstico que levou à morte alguém muito próximo.

MC Você tem medo de se contaminar? Como faz ao chegar em casa?
LP Por usar equipamentos de proteção e também por ter o privilégio de não morar com ninguém que se encontra na zona de risco, não tenho medo de me contaminar. Posso dizer que tenho receio. Por isso, tenho todo o cuidado: ao chegar em casa, tiro o sapato na entrada; após entrar, já direciono a roupa para a higienização, com todos os produtos indicados; lavo as mãos; higienizo aparelho celular; e aí sim tomo banho, lavo o cabelo, com toda a atenção. Higienizo os óculos de grau sempre, e evito ir para o hospital usando brincos e aliança, para reduzir possíveis superfícies de transmissão.

MC Você é casada? Como seu parceiro/a seu trabalho?
LP Sou casada e não tenho filhos, então moro apenas com meu marido. Como ele é empresário, ele está completamente de quarentena, a única fonte de exposição dele sou eu. Mas ele apoia bastante, principalmente por ver a importância que esse trabalho tem em um momento tão difícil. Ele toma os devidos cuidados, evita um contato direto quando chego do hospital. E se há alguma desconfiança de que eu tive contato com o vírus (como já ocorreu), nós fazemos isolamento social até dentro de casa.

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Fonte revistamarieclaire
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