Vacinação de enfermeira vira disputa jurídica entre governo federal e o de SP
Minutos após o fim da reunião da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que liberou o uso emergencial das vacinas de Oxford/AstraZeneca e da Coronavac, a enfermeira Mônica Calazans se tornou a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid-19 no Brasil. O marco histórico, porém, se tornou alvo de polêmica, e foi considerado “em desacordo com a lei” pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Segundo Pazuello, uma medida provisória do governo federal determinou que cabe ao Ministério da Saúde coordenar nacionalmente a imunização contra o novo coronavírus, o que tornaria a imunização feita em São Paulo neste domingo (17) ilegal.
O governo de São Paulo alega que parte das vacinas do Butantan sempre permanece no Estado para a vacinação da população, e que foi combinado com o Ministério da Saúde que a mesma prática seria realizada com as vacinas contra a Covid-19.
Determinação da Anvisa
Para passar a valer o uso emergencial, a Anvisa determinou que o Butantan assinasse um termo de compromisso, publicado em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). O termo estabelece obrigações da agência e do instituto, “visando a execução do estudo de avaliação da resposta imunogênica de participantes do estudo clínico defase 3 da vacina Coronavac que desenvolveram a doença e um subgrupo de 10% dos participantes que não desenvolveram a doença nos períodos pré-vacinação, duas semanas e quatro semanas após a vacinação”.
Assinado por representantes de ambas as instituições, o termo tem vigência “a contar da data de assinatura até 31/03/2021, prorrogável uma única vez, mediante justificativa aceita pela Anvisa”.
Antes de cumprir o rito exigido pela Anvisa, porém, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez uma cerimônia para mostrar a vacinação no estado. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a escolhida.
O ato, tido como uma demonstração de vitória de Doria sobre a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) no processo de imunização da população, irritou o ministro Pazuello, que, durante coletiva de imprensa minutos após o ato em São Paulo, classificou a vacinação da enfermeira como uma “jogada de marketing” e uma ação “em desacordo com a lei”.
Em postura mais cautelosa, a diretora da Anvisa Meiruze Freitas, que foi relatora da análise dos pedidos de uso emergencial das vacinas, evitou avaliar se o governo paulista errou ao aplicar as primeiras doses já neste domingo.
“Não tem como dizer o que aconteceu em São Paulo. Pode ter sido caso específico, dentro da pesquisa. Muito complicado falar do que não se conhece”, disse Meiruze.
Durante a entrevista de Meiruze Freitas, que se encerrou por volta das 17h, a agência ainda não tinha recebido o termo assinado pelo Butantan.
Governo paulista refuta acusações
Ao ser questionada por uma jornalista se a vacinação em São Paulo da enfermeira constituiria quebra da norma legal, a procuradora-geral do Estado de São Paulo, Lia Porto, disse que o “Estado entende que houve cumprimento da legislação e das regras postas.”
Para o governo paulista, a enfermeira pôde ser vacinada antes da assinatura do termo porque ela já era voluntária dos estudos da Coronavac no país. Mônica, porém, havia recebido o placebo.
Ao comentar as críticas feitas pelo ministro da Saúde à “politização” da vacina, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, foi aplaudido durante coletiva de imprensa ao dizer que “o general Pazuello, com todo respeito, foi treinado para guerrear, para matar”.
“A função da Saúde é mitigar logo no primeiro momento”, afirmou Covas.
A CNN procurou a Advocacia-Geral da União (AGU) para comentar a disputa, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
(*Com informações do Estadão Conteúdo e da Reuters)