Jejum intermitente previne problemas cardíacos, metabólicos e cognitivos, diz estudo
Entenda como funciona o 'interruptor metabólico', que ocorre quando concentramos um período de alimentação em poucas horas do dia
SÃO PAULO — Um estudo revisando a literatura médica recente indica que muitos benefícios à saúde podem ser atingidos com a adoção do chamado jejum intermitente, as dietas que concentram o período de alimentação em poucas horas do dia ou poucos dias da semana.
“Estudos pré-clínicos e testes clínicos mostraram que o jejum intermitente tem benefícios de amplo espectro para muitos problemas de saúde, como obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, câncer e transtornos neurológicos”, escrevem Mark Mattson e Rafael de Cabo, médicos da Universidade Johns Hopkins, de Baltimore (EUA), no artigo de revisão publicado no prestigioso periódico acadêmico “New England Journal of Medicine”.
Para chegar à conclusão, a dupla de cientistas analisou mais de 80 trabalhos relacionados ao tema e compilou suas conclusões. Os benefícios eram em geral extraídos de estudos que consideravam períodos de alimentação diários de 6 horas alternados com jejuns de 18 horas. Outro tipo de dieta intermitente, apelidada de 5 por 2, alterna alimentação normal em 5 dias da semana com 2 dias de jejum ou restrição calórica intensa.
Para quem está acima do peso, claro, diminuir a ingestão de calorias em si é importante, mas o período de alimentação em si parece ter um efeito independente. Dois dos estudos analisados mostraram que mulheres obesas adotando a dieta 5 por 2 perderam peso com a mesma eficácia que restringiram calorias, mas tiveram melhor desempenho em perda de gordura abdominal e em medidas de insulina.
Outros quatro estudos, feitos tanto em humanos quanto animais, também viram benefício na pressão arterial, nos níveis de lipídios e no batimento cardíaco. E um estudo realizado no Canadá neste ano com 220 adultos não obesos mostrou melhoras em testes de memória e cognição também.
Interruptor metabólico
Cientistas não sabem ainda explicar em muitos detalhes a razão pela qual o jejum intermitente parece ser eficaz, mas sabem que está relacionado a um mecanismo conhecido como “interruptor metabólico”. Quando o corpo está ingerindo muitas calorias, em geral o modo de produção de energia se concentra na quebra de açúcares que estão facilmente disponível no organismo. Se a ingestão de alimento cessa, após algumas horas o corpo alterna seu modo de consumo de energia para a conversão de gordura em energia.
“Em contraste com pessoas hoje, nossos ancestrais humanos não consumiam três grandes refeições em espaços regulares, não beliscavam coisas entre elas e não tinham vida sedentária”, explicam Mattson e Cabo. “Elas estavam ocupadas em adquirir comida em nichos ecológicos nos quais as fontes de alimento estavam distribuídas esparsamente.”
O próprio Mattson diz ser hoje um adepto do jejum intermitente, e diz que esse modelo de dieta reproduz o padrão de alimentação para o qual o organismo humano se adaptou ao longo de centenas de milhares de anos de evolução.
Seu estudo que defende a adoção dessa forma de alimentação, porém, realça também o grau de incerteza que existe, porque a maioria dos estudos existentes foi feita com adultos obesos, e suas conclusões não podem ser automaticamente transferidas para outros grupos.
Baixa adesão
Além das incertezas que ainda existem sobre os benefícios, os cientistas ressaltam que não está claro ainda o quão difícil será convencer as pessoas a adotarem o jejum intermitente. “A dieta de três refeições diárias intercaladas com lanchinhos todo dia está tão entranhada na nossa cultura que uma mudança nesse padrão de alimentação raramente é contemplada por médicos e pacientes”, afirmam.
Eles notam que testes clínicos com esse tipo de dieta costumam ter alta taxa de desistência, em parte porque muitas pessoas experimentam fome, irritabilidade e dificuldade de concentração nos períodos de jejum. “Esses efeitos colaterais, porém, normalmente desaparecem em um mês, e pacientes precisam ser aconselhados sobre esse fato”, afirmam.