Entenda as diferenças entre o monoetilenoglicol e o dietilenoglicol, encontrados em cervejas de Belo Horizonte
Ambas as substância são tóxicas e podem ser usadas como anticongelante na indústria, mas o dietilenoglicol é mais perigoso. Em diferentes proporções, elas podem provocar intoxicação com sintomas como insuficiência renal e problemas neurológicos.
As investigações da Polícia Civil de Minas Gerais na fábrica da cervejaria Backer, de Belo Horizonte, identificaram contaminação de cervejas com duas substâncias químicas, o monoetilenoglicol e o dietilenoglicol.
Suspeita-se que o consumo dessas cervejas esteja relacionado a casos da chamada “síndrome nefroneural”, que atingiu diversas pessoas que consumiram a bebida. Os sintomas incluem náusea, vômito e dor abdominal, que evoluem para insuficiência renal e alterações neurológicas.
A Polícia Civil confirmou, nesta quinta-feira (16), quatro mortes por suspeita de síndrome nefroneural em Belo Horizonte. E o Ministério da Agricultura identificou dietilenoglicol e monoetilenoglicol em oito rótulos produzidos pela cervejaria Backer.
Embora ambas sejam tóxicas para os seres humanos, o dietilenoglicol é ainda mais nocivo para a saúde humana. Abaixo, entenda as diferenças.
O que são o monoetilenoglicol e o dietilenoglicol?
São substâncias parecidas, resultantes de um mesmo processo químico e bastante usados na indústria como anticongelantes. Sua temperatura de ebulição é acima de 190ºC e a de fusão, abaixo de -10ºC.
Eles são usados como arrefecedores de radiadores de carros e também em fluidos hidráulicos e solventes de tintas.
São substâncias de cor clara, viscosa, não têm cheiro e têm um gosto adocicado. Ambos são tóxicos e presentes em vários produtos químicos.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o dietilenoglicol é um solvente orgânico altamente tóxico que causa insuficiência renal e hepática, podendo inclusive levar a morte quando ingerido.
De acordo com o professor do departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cláudio Luis Donnici, o dietilenoglicol pode ser um subproduto do monoetilenoglicol.
“O mesmo processo de produção pode ser usado para obtenção de ambos. Variando-se as condições reacionais, pode-se obter um ou outro, conforme a preferência. Assim, um deles pode ser vendido, e o outro derivado é considerado um subproduto”, explica.
Quais são as diferenças?
A principal diferença é o nível de toxicidade. O dietilenoglicol é mais tóxico para os seres humanos. Ou seja, se uma pessoa consome a mesma quantidade das duas substâncias, o dietilenoglicol causará mais problemas do que o monoetilenoglicol.
Ambos são metabolizados no fígado.
Segundo Donnici, uma pessoa de 80 kg teria que ingerir 8 gramas de dietilenoglicol para morrer, em média. “A quantidade é muito alta”, avalia. “Há um caso de 1985 em Viena, na Áustria, de produção de vinho contaminada com altas doses de dietilenoglicol e que levou a retirar milhões de garrafa de vinho do comércio”, recorda.
Já os custos de um e de outro também podem variar, mas tendem a ser parecidos. O valor vai depender do nível de pureza do produto. Em geral, o dietilenoglicol tende a ser um pouco mais barato.
Como eles são usados pela indústria de cerveja?
Na fabricação de cervejas, as substâncias podem ser usadas no processo de resfriamento da bebida. Elas podem ser misturadas na água e colocadas dentro das “serpentinas”, que são os tubos gelados ao redor dos tanques de cerveja.
A refrigeração dos tanques de cerveja é feita por meio de um circuito fechado. A mistura dentro dos tubos, a rigor, não tem contato direto com a cerveja.
Segundo Carlo Lapolli, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), o uso dessas substâncias não é comum em cervejarias. “Os produtos têm uma toxicidade diferente, mas ambos são tóxicos. Penso que os dois têm que ser banidos [da indústria cervejeira]”, comenta.
Lapolli acrescenta que a substância mais utilizada na produção de cerveja é o propilenoglicol, que pode ser consumido por seres humanos.
“Também é usado misturado com água. Para a cerveja chegar perto da temperatura zero, precisamos que a serpentina esteja a -5ºC ou -6ºC. Com a água pura, ela congelaria. Por isso, colocamos algum tipo de aditivo, um anticongelante”, conta.