Remédio mágico?
A hidroxicloroquina tem sido apontada como a luz no fim do túnel no combate à Covid-19. Mas o risco de efeitos colaterais e a falta de estudos sobre a eficácia ainda limitam sua adoção
Com a escalada global da Covid-19, também avança a urgência na busca por uma vacina capaz de prevenir o contágio ou um remédio eficaz no tratamento da doença. Até agora não se criou nenhuma droga nova para combater o coronavírus. Há vários estudos e experimentos em curso, que avaliam entre 10 e 20 medicamentos feitos a partir de remédios já conhecidos e usados para outras doenças.
É o caso da cloroquina e a da hidroxicloroquina, drogas de uso específico contra a malária e doenças autoimunes como lúpus e artrite reumatoide. As pesquisas para utilização dessas drogas contra a Covid-19 ainda estão em fase inicial. Há poucos testes em seres humanos e sua eficácia em grandes grupos e cenários fora do ambiente hospitalar ainda não foram comprovadas. A única certeza é que essas drogas podem produzir sérios efeitos colaterais. A hidroxicloroquina já vem sendo usada em casos extremos no País. Pelo menos quatro pacientes que estavam na UTI em estado grave no Hospital Igesp, em São Paulo, receberam alta após sete dias de uso de hidroxicloroquina combinada com outras drogas.
O Ministério da Saúde exige seu uso controlado: por apenas cinco dias, sob monitoração médica e para pacientes internados com quadros graves de insuficiência respiratória. Apesar do controle da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), a droga ganhou visibilidade pública e provocou uma corrida às farmácias. O desabastecimento prejudicou os usuários habituais do medicamento e levou o presidente Jair Bolsonaro a anunciar a expansão imediata na produção, com a ajuda dos laboratórios do Exército.
Apesar da empolgação, o medicamento está longe de ser unanimidade. A comunidade científica brasileira alerta para o perigo do uso de drogas não testadas amplamente, mesmo que tenham mostrado resultados preliminares positivos. “Não vejo estudos elaborados com robustez, para um medicamento, dando resultado em menos de seis meses. Para uma vacina levaria até mais, de um a dois anos”, diz o infectologista Victor de Castro Lima, da Faculdade de Medicina da USP. Para ele, a cloroquina é a “bola da vez” porque a droga já é bem conhecida da comunidade médica. “Já se tentou usá-la contra o HIV e influenza. Até existe a aplicabilidade da droga, mas uma solução farmacológica a curto prazo não existe.” No curto prazo, Lima recomenda “higiene, isolamento de casos, etiqueta respiratória e isolamento social”.
Risco de efeitos colaterais
Formado na Universidade do Estado do Amazonas, o médico Emanoel Costa conhece bem a realidade das populações acometidas por doenças tropicais como a malária, entre outras. Ele se diz surpreso com a reação do governo. “Sabemos que existe um anseio muito grande pela cura da Covid-19, mas seu uso é complicado porque não há estudos suficientes e não se pode desprezar o risco associado dos efeitos adversos.” Entre os efeitos colaterais ele lista lesões na retina, hepatite medicamentosa e hemólise (quebra de hemácias), que leva ao óbito. Outro problema, segundo Costa, é que a hidroxicloroquina vinha sendo comprada sem receita médica, o que agora é proibido. “É um perigo para quem não precisa, porque está se automedicando, e também para quem precisa, que vai perder o controle da doença, como no caso do lúpus”, explica.
Para Natan Chehter, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, o problema é que os remédios contra a malária ainda estão sendo testados contra a Covid-19. “O que existe é um protocolo de pesquisa, não existe recomendação. Como posso propor o uso para a população do mundo inteiro se só testamos em 50 pessoas?”, questiona. Outra dificuldade são os efeitos colaterais, estes já bem conhecidos. “Mas um tratamento que recomenda as pessoas a ficarem em casa, mesmo que tenha eficácia comprovada, não tem o mesmo glamour que um estudo com uma pílula mágica que vai trazer a cura sem muito esforço.”