Sérgio Moro foi engolido por seu próprio discurso

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Desde a cogitação de seu nome na montagem da equipe do atual governo para comandar aquele que recebeu a pomposa denominação de “superministério”, era nítido que Sérgio Moro não estava à altura do cargo.

À época temia-se e alertava-se para o fato de que era monotemático – só se pronunciava sobre corrupção, malgrado o tema seja dos mais complexos – e de que não se conhecia uma declaração ou um posicionamento mais atento seu a temáticas próprias de pasta da Justiça, como demarcação de terras indígenas, aderência a temas de direitos humanos na ordem global, convivência entre países vizinhos, articulações em prol de tratados multilaterais, plano de controle da situação carcerária nacional, relação com os demais Poderes e outros tantos.

Passado quase um ano, o que era então um temor é uma desoladora realidade. Imersos na sofrível e única constatação de que é preciso “mudar isso daí”, continuamos reféns de ideias que, ao fim e ao cabo, são “a favor” ou “contra” uma enorme operação que, dia a dia, se mostra mais midiática do que jurídica, de “combate” ao inimigo da vez.

O curioso desse contexto é que, alçado o juiz ao posto de ministro, ele próprio foi engolido pelo discurso que ajudou a gestar. E hoje, com constrangimento que, se internamente não é tão perceptível, seja pela guerra de informações na qual estamos mergulhados, seja pelo auxílio dos acólitos que ainda confundem a atribuição da pasta com disputa ideológica, externamente escancara o amesquinhamento do papel de ministro que tanto nos envergonha.

Ou seria uma postura esperada de um ministro da Justiça negar quando lhe convém, ou mesmo agir com desdém diante de tantas evidências divulgadas a propósito de sua atuação irregular como juiz? Seria admissível por parte de um ministro da Justiça o estímulo à destruição de provas em investigação que deveria ser das mais comuns, e na qual, aliás, ele jamais poderia exercer qualquer influência? A mera situação de um ministro de Estado da Justiça ir ao Congresso para ter de explicar o que fez ou deixou de fazer, quando juiz, é das mais esdrúxulas.

Não que a antecipação da promessa de ingresso na vida pública, contaminando a atuação do juiz, fosse insuficiente – e não é – para expor o vexame, mas estarrece ainda mais perceber o protagonismo da personagem que ainda olha para tudo como se as questões da pasta se resumissem à Operação Lava Jato.

Justifica-se, como ministro, por atropelos cometidos quando era juiz. Traz consigo os fantasmas da condução pouco cuidadosa do ponto de vista das garantias individuais, quando as julgava. Pronuncia-se sobre importantes projetos de lei, como a lei de abuso de autoridade, como se tudo se resumisse ao combate à corrupção e à suposta tentativa de enfraquecimento da famigerada Lava Jato. Foge do debate sobre a necessidade ou não de controle de atos do Estado e se esconde, na sua própria defesa, abusando da autoridade de orientar vetos.

Aventura-se em projeto de lei que quebra a espinha dorsal dos sistemas penal e processual penal brasileiros, e mais funciona como catapulta à explosão do número de prisões prévias a julgamentos. E, nesse torvelinho, nega-se a debater suas propostas com a sociedade, sujeitando-se a novo vexame de ver mutilado seu plano ante as moedas de troca travadas na arena política. 

Tivemos, em tempos recentes, como ministros da Justiça José Carlos Dias e Miguel Reale Junior, para citar dois que, alheios ao tosco discurso de ódio que nos envolve atualmente, souberam ver mais longe. Respeitaram e estimularam a prevalência dos direitos humanos nas relações dentro e fora do País, cuidaram do amplo debate institucional que uma pasta com o nome de Justiça merece. Cada um honrou o cargo e nenhum deles se apequenou para se comportar como guarda da esquina, nem se encastelou num discurso único. Nem um nem o outro, é bom lembrar, era ou é petista.

Hoje, o que temos é um ministro da Justiça armamentista, que coaduna com a criminógena política de incentivo à lassidão de registro e porte de armas de fogo e, assim, estimula a violência. Convive com a escandalosa interferência de seu chefe nas atribuições do Departamento da Polícia Federal. Cala-se ante acintosa interferência na autonomia do Ministério Público da União, investidas policialescas em universidades públicas, atos de censura e até massacres em presídios. É silêncio para lá de eloquente do ministro da Justiça em assuntos que passam debaixo de seu nariz.    

Seria de se esperar mais, muito mais, em termos de comprometimento com outras pautas, como, por exemplo, o combate à tortura dentro e fora do País. Em vez disso, o ministro da Justiça do mais famoso apologista e revisionista do período da ditadura civil-militar, outra vez, se cala.

Não temos um ministro da Justiça. O silêncio conveniente e conivente, seu engajamento com uma só causa e o discurso evasivo em defesa própria enganam a quem imaginaria que caminhávamos rumo ao fortalecimento dos direitos humanos e da seriedade que o cargo exige. Mas o que esperar desse estranho porta-voz “de tudo que está aí”?

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Fonte cartacapital
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