Novo orçamento impositivo é uma aberração
Se não conseguir negociar com o Congresso para derrubar novas regras, Bolsonaro será co-autor de uma revolução que tira poderes do Executivo
Jair Bolsonaro pode entrar para a história nesta terça-feira como co-autor de uma das maiores transformações na maneira como o Brasil é governado. Mas não se trata do tipo de mudança que Bolsonaro e seus seguidores linha dura gostariam de ver concretizada. Em vez de fortalecer, ela enfraquece o presidente e seus ministros. Passa a ser do Congresso o poder de decidir como uma fatia bem gorda do orçamento vai ser gasta.
Trata-se da votação dos vetos de Bolsonaro às novas regras de orçamento impositivo, que vem alimentando há semanas a tensão entre o Executivo e o Legislativo. Há boas chances de o assunto ser apreciado amanhã pelo Congresso. A tendência é que os vetos sejam derrubados. Sobra menos de um dia para que o Planalto convença os parlamentares a fazer o contrário – e não esvaziar de tinta a caneta presidencial.
Mas por que Bolsonaro seria “co-autor” dessa revolução gloriosa? Para usar a palavra do general Heleno, ele não seria vítima de um Congresso chantagista?
Não dá para contar a história desse jeito. O esforço do Congresso para ganhar maior controle sobre o dinheiro público não vem de hoje. A primeira regra nessa direção foi aprovada em 2015, com apoio do então deputado federal Jair Bolsonaro: ela tornava obrigatória a execução das emendas de cada parlamentar ao Orçamento.
Se a tendência estava dada há tanto tempo, cabia ao governo agir. Mas, na sua aversão figadal a negociar o que quer que seja, o Planalto nada fez no ano passado, quando deputados e senadores decidiram dar mais um pulinho adiante, tornando impositivas também as emendas de bancadas e comissões parlamentares, e delegando a tarefa de definir o ritmo e a prioridade no gasto desses recursos ao relator do Orçamento – o deputado cearense Domingos Neto, agora apelidado de “homem de 30 bilhões de reais”.
Depois de levar bola nas costas, Bolsonaro vetou as novas regras. É bem possível que perca o jogo. Não pode reclamar de ter entrado em desvantagem para o segundo tempo.
Mas o governo reclama, e como. Nos seus melhores momentos, age como o menino mimado que não tem suas vontades atendidas. Nos piores, arreganha os dentes e tenta insuflar seus seguidores contra as instituições. Está na hora de tentar outro caminho. Se não suporta a expressão “fazer política”, que tente então “negociar”. É algo que se aprende em escolas de negócio, não de Ciência Política. Empresários bolsonaristas como Luciano Hang, da Havan, certamente sabem do que se trata.
Diz a lenda que emissários de Bolsonaro vão fazer todo o possível para chegar a um acordo com o Congresso entre hoje e amanhã. Esperamos que levem para casa uma vitória. O novo orçamento impositivo vai longe demais. Sobretudo a ideia de transformar o deputado relator em uma espécie de uber-ministro (uma vez que o título de superministro já é de Paulo Guedes) é uma aberração.
Não é apenas por uma questão semântica que executar o orçamento cabe ao… Executivo. Há uma série de questões técnicas envolvidas nesse gasto de dinheiro: projetos, licitações, fiscalização de contratos e obras, e assim por diante. Há também o fato de que o mundo é cheio de contigências: por razões infinitas, pode ser preciso substituir o projeto A pelo projeto B. O Executivo, ao menos na teoria, tem as informações e o corpo técnico para tomar essas decisões com agilidade. O Congresso pretende interiorizar as competências necessárias para fazer esse trabalho?
Também não faz sentido concentrar tanto poder nas mãos do Congresso. O argumento de que os 513 deputados e os 81 senadores estão aptos a fazer uma distribuição mais “democrática” dos recursos não pára de pé. Os parlamentares brasileiros operam segundo duas lógicas: a geográfica, atendendo aos seus Estados e redutos eleitorais, e a corporativa, atendendo a grupos especiais, como funcionários públicos, ruralistas, policiais etc.
Já o presidente é escolhido pela maioria dos brasileiros e por isso tem incentivo para fazer escolhas com um recorte mais amplo. É verdade que o governo Bolsonaro está mais preocupado em cortar do que fazer gastos, no que tem toda razão, dada a situação calamitosa das contas públicas. É verdade também que ao gastar em 2019, ele seguiu uma lógica corporativa, privilegiando as Forças Armadas. Mas isso não invalida o princípio: no Brasil, é importante que haja um maior equilíbrio entre Executivo e Legislativo na operação do orçamento.