Meio Ambiente passa a ser cartão de visitas do Brasil no exterior
O compromisso com a redução do desmatamento devolve ao Brasil o protagonismo perdido com Bolsonaro e enche o caixa do governo com recursos externos: o Fundo Amazônia já foi reativado e a Alemanha anunciou um repasse de R$ 1,1 bilhão para o País
Se o descaso com a Amazônia durante o governo passado relegou o Brasil à posição de pária internacional na questão ambiental, o País agora está de volta como liderança global nas discussões sobre mudanças climáticas. O compromisso da gestão de Lula com a redução do desmatamento, avalizado pela presença de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, não só recoloca o País no papel de protagonista, mas tem funcionado também como um excelente cartão de visitas para a atração de recursos financeiros dos países ricos e já começa a abrir caminho para importantes parcerias. Os resultados práticos não tardaram a aparecer: o governo da Alemanha anunciou a doação de um pacote de R$ 1,1 bilhão ao governo brasileiro, além de outros R$ 192 milhões para o Fundo Amazônia, que estava paralisado desde 2019.
R$ 1,1 BILHÃO Valor do pacote que o governo alemão pretende repassar ao Brasil
O anúncio do repasse foi feito por Svenja Schulze, ministra alemã da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento, com a anuência do chanceler Olaf Scholz, que esteve no Brasil na segunda-feira, 30, para um encontro com o presidente Lula. Na pauta da reunião do premier alemão o tema principal foi a proteção da Amazônia e a autorização para que parte dos recursos liberados seja usada no socorro aos yanomamis. Lula e Scholz discutiram também a conclusão do acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul. A visita confirma que o País voltou a ter relevância no cenário internacional: a última viagem de um chanceler alemão ao País havia ocorrido em 2015, quando Angela Merkel se reuniu com a então presidente Dilma Rousseff. Depois de Scholz, deve vir ao Brasil também o presidente da França, Emannuel Macron e, na próxima semana, Lula será recebido na Casa Branca, em Washington, pelo presidente americano Joe Biden. O combate às mudanças climáticas é o primeiro ponto da pauta dos encontros. Quando esteve em Davos, no Fórum Econômico Mundial, Marina lembrou que o Acordo de Paris estabelece que os países desenvolvidos devem investir até US$ 100 bilhões anuais nos países mais pobres e que o Brasil pode captar boa parte desse dinheiro.
“Tenho certeza de que essa decisão do governo alemão de direcionar recursos para projetos relacionados ao clima e ao meio ambiente no Brasil será seguida pelos demais países desenvolvidos”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. “Os problemas ambientais não respeitam fronteiras entre países, e o mundo inteiro ganha com a cooperação internacional nesse tema”, explica. “O Brasil tem de aproveitar suas vantagens comparativas e pode se tornar a primeira grande economia do mundo a capturar mais gases de efeito estufa do que emite, tornando-se um país negativo em carbono”. Sócio-fundador do Instituto Socioambiental, Márcio Santilli diz que a retomada das políticas socioambientais pelo governo Lula “renova a esperança” de que é possível evitar a devastação na Amazônia – e que isso contribui para destravar as negociações do Acordo entre a UE e o Mercosul, facilitando a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
R$ 192 milhões Valor do repasse dos alemães para o Fundo Amazônia
Cartão de visitas
“Sem dúvida, a credibilidade do atual governo na pauta ambiental, na pessoa da Marina Silva, é importante para atrair compromissos de investimentos”, diz Mario Monzoni, coordenador geral do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. “Saímos da narrativa dos últimos quatro anos de que o meio ambiente é obstáculo para o desenvolvimento. O Brasil agora passa ao mundo a mensagem de que é possível conciliar preservação ambiental com prosperidade econômica”, explica. “Tem só um mês de governo, a ver quanto esse cartão de visitas vai entregar. Mas o que se apresenta é uma política ambiental que já deu certo no passado, quando Marina esteve à frente da pasta do Meio Ambiente nos dois primeiros governos do presidente Lula”, completa Monzoni. O pesquisador lembra que, num cenário internacional em que a questão climática está no centro do debate, o Brasil tem compromissos internacionais com a redução da emissão de carbono. “A nossa maior emissão é do desmatamento”, diz. “A nossa grande contribuição, portanto, é a reduzir a derrubada das florestas”.
O líder indígena Beto Marubo também vê com naturalidade as contribuições de outros países para o combate ao desmatamento. “As questões ambientais e as mudanças climáticas afetam o mundo inteiro”, avalia. “Havendo um esforço internacional, isso beneficia não só o meio ambiente, mas também impacta em ações sociais correlatas, que envolvem indígenas, ribeirinhos e pequenos agricultores”. Marubo é líder na região do Vale do Javari, no Amazonas – região invadida por garimpeiros e madeireiros ilegais onde foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Sobre a crise humanitária dos yanomamis, ele destaca a importância das medidas emergenciais para mitigar o sofrimento dos indígenas – parte dos recursos do Fundo Amazônia será destinada para ações na região afetada. Mas ele lembra que é fundamental garantir a presença do estado nos territórios indígenas, por meio do fortalecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “No final disso tudo, quem vai ficar no território é a Funai, não só para a assistência aos povos indígenas mas também para a proteção ao meio ambiente”, ressalta.