Julgamento do STF sobre fator previdenciário livra União de “rombo” de R$ 480 bi
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quinta-feira (21) sobre o fator previdenciário impactou outro julgamento, sobre a “revisão da vida toda” do INSS, e livrou a União de um “rombo” estimado em R$ 480 bilhões, segundo cálculos do próprio governo federal – advogados, no entanto, questionam esse valor (e como ele é calculado).
Por 7 votos a 4, os ministros do Supremo entenderam que o julgamento de hoje, sobre o fator previdenciário, prejudicou outro, o da chamada “revisão da vida toda” do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A tese que vencedora partiu do ministro Cristiano Zanin e contou com o voto de Flávio Dino, ambos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O ministro Alexandre de Moraes, um dos que divergiu da decisão e ficou vencido, defendeu ser possível conciliar as duas regras: o fator previdenciário, índice criado em 1999 que considera vários critérios para definir o valor das aposentadorias, e a “revisão da vida toda”, que permite a aposentados usarem toda a sua “vida contributiva” para calcular o valor do seu benefício, não apenas os salários após julho de 1994.
A estimativa dos R$ 480 bilhões de impacto da “revisão da vida toda” consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. O montante é, de longe, a ação judicial de “risco provável” que poderia causar o maior rombo nas contas públicas. É mais que o dobro da perda de R$ 236,8 bilhões estimada com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins (julgamento que o governo perdeu em 2021 e ficou conhecido como a “tese do século”), segundo o documento.
O valor fez com que a estimativa de impacto das ações judiciais de risco provável, dos órgãos da Advocacia-Geral da União (AGU), saltasse de R$ 515,2 bilhões no orçamento de 2023 para mais de R$ 1 trilhão na peça deste ano. O cálculo considera processos que envolvem as três Procuradorias-Gerais: Federal (PGF), da União (PGU) e da Fazenda Nacional (PGFN) − esta última vinculada ao próprio Ministério da Fazenda.
Mas advogados consultados pelo InfoMoney questionam o cálculo do governo. Fernando Zaccaro, especialista em direito previdenciário, diz que “a discussão em torno do impacto fiscal da ‘revisão da vida toda’ tem evidenciado um notável embate entre as projeções do governo e as análises de entidades defensoras assegurados”. Ele lembra que, inicialmente, o governo havia projetado um impacto de R$ 46 bilhões, mas esse número escalou para R$ 360 bilhões e, agora, chegou aos R$ 480 bilhões.
O advogado chama as projeções de “inflacionadas” e diz que o crescimento do valor “é claramente uma estratégia para influenciar tanto a opinião pública quanto a decisão dos ministros do Supremo”. “É imprescindível questionar a base das suposições apresentadas pelo INSS e pelo governo, pois a análise sobre impacto fiscal da ‘revisão da vida toda’ demanda um tratamento criterioso, justo e transparente”, disse Zaccaro antes do julgamento. “Só por meio de um debate equilibrado e fundamentado será possível assegurar o respeito aos direitos aposentados sem comprometer a estabilidade fiscal do país”.
R$ 480 bilhões ou R$ 1,5 bilhão?
Recentemente, dois membros do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) divulgaram estudo em que estimam em R$ 1,5 bilhão o impacto nas contas públicas, não R$ 480 bilhões como diz o governo. Procurado pela reportagem, o IBDP disse que o estudo não é da entidade, mas enviou informações sobre a metodologia usada por Fábio Zambitte Ibrahim, que é diretor e conselheiro, Carlos Vinicius Ferreira, que é membro da diretoria científica, e ponderou que o INSS já errou para mais em outras ações revisionais, como a do artigo 29.
Na LDO, o governo diz que o valor leva em consideração o “reconhecimento aos segurados que ingressaram na Previdência Social, até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99, o direito de opção, na apuração do seu salário-de-benefício, entre a regra ‘de transição’ estabelecida no artigo 3º”. Afirma também que o montante “revela a expectativa da repercussão econômica em caso de decisão judicial desfavorável, seja pela criação de despesa ou pela redução de receita”.
“Quando não especificado de forma contrária, os custos estimados computam não só as despesas iniciais com o pagamento de atrasados, mas, também, o impacto futuro nas contas públicas. Assim, os impactos referidos podem ser diluídos ao longo do tempo, não sendo necessariamente realizados em um único exercício fiscal”, afirma trecho dos anexos da LDO.
A reportagem questionou o governo federal sobre a diferença de valores entre a sua estimativa (R$ 480 bilhões) e a do IBPT (R$ 1,5 bilhão). Em nota, a AGU afirmou que o valor exato do impacto “só será conhecido depois da conclusão definitiva do julgamento”, “uma vez que ainda são discutidos aspectos da decisão que terão impacto em fatores como quantidade de beneficiados, valor de benefícios e período de cálculo considerado” e que o estudo dos diretores do IBPT “erro de premissa” e outros problemas.
Entenda a decisão de hoje
O processo do fator previdenciário impactou o da “revisão da vida toda” porque, dentro da lei que instituiu o fator previdenciário, também está a regra de transição que estabeleceu que apenas as contribuições após julho de 1994 seriam contabilizadas no benefício do INSS.
No julgamento da “revisão da vida toda”, em 2022, os ministros entenderam, por 6 votos a 5, que essa regra de transição era opcional e os segurados tinham o direito de escolher a regra geral, caso fosse mais favorável. Mas, segundo o novo entendimento da Corte, uma liminar proferida pelo Supremo há 24 anos já havia reconhecido a constitucionalidade da regra de transição.
Por esse novo entendimento, o julgamento da “revisão da vida toda” nem sequer poderia ter permitido que os segurados optassem pela regra geral. Esta foi a tese vencedora de Zanin nesta quinta, que foi seguida pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Kássio Nunes Marques. Ficaram vencidos André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Em nota divulgada após o julgamento, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que a decisão é “paradigmática para o Estado brasileiro”. “Ela garante a integridade das contas públicas e o equilíbrio financeiro da Previdência Social” e também “evita a instalação de um cenário de caos judicial e administrativo que o INSS iria, inevitavelmente, enfrentar caso tivesse que implementar a chamada tese da ‘revisão da vida toda’”, diz o documento assinado pelo advogado-geral da União, ministro Jorge Messias.
(Com Estadão Conteúdo)