‘Governo não será capturado pela agenda do terrorismo’, diz Randolfe Rodrigues
Escalado por Lula para a liderança do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que o Senado precisa fazer uma análise de “conveniência” sobre a instalação da CPI dos Atos Antidemocráticos, porque as investigações a respeito do Capitólio brasileiro, que correm sob a batuta do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal, avançaram rapidamente, com a identificação de executores, financiadores e mentores da tentativa de golpe de Estado. O senador acrescenta que o Palácio do Planalto pretende deixar a crise para trás e se debruçar sobre planos emergenciais para a reconstrução do país. “O governo não será capturado pela agenda do terrorismo”, pontua. Randolfe assegura que a desmilitarização do Executivo não tem contornos de uma “sanha persecutória”, mas, em um coro ao presidente da República, frisa que fardados que participaram dos atos de 8 de janeiro precisam ser punidos, descartando uma anistia em troca da pacificação com as Forças Armadas. “O artigo 5º da Constituição estabelece que todos são iguais perante a lei, sejam civis ou militares, estejam eles portando broche parlamentar, toga de juiz, farda ou roupas de cidadãos comuns”, emenda. O senador ainda defende um estado de permanente vigilância a fim de que novos atentados sejam evitados. “Há alguns fantasmas que foram libertados de suas prisões de 2016 para cá. Cabe-nos o cuidado necessário de colocar esses fantasmas de volta nos locais de onde não deveriam ter saído”, diz em entrevista à ISTOÉ. A seguir, os principais trechos.
O Brasil já conhece os nomes de parte dos executores e dos financiadores do atentado de 8 de dezembro. Crê em uma célere identificação dos mentores?
As suspeitas sobre os mentores recaem sobre vários nomes. No caso do ex-ministro Anderson Torres, todos os elementos levam a crer que ele esteja no grupo desses que articularam a ação do 8 de janeiro. O ex-presidente Jair Bolsonaro atenta contra a democracia há muito. Durante os quatro anos do mandato, ele buscou uma ruptura e não há como separar a tentativa de golpe do ambiente que ele criou. O bolsonarismo como um movimento de ódio à cultura, à política, à democracia e às instituições é uma criação dele e foi retroalimentado por ele. Existem provas cabais. Ele próprio divulgou um vídeo horas depois do ocorrido, incentivando mais uma vez o golpismo. O dia 8 não é uma data solta de um conjunto. É uma data que se encaixa num processo que se inaugurou em 30 de outubro e desencadeou um conjunto de fatos. Diria até que o primeiro ato antidemocrático desse conjunto foi a ação da Polícia Rodoviária Federal, que tentou impedir que eleitores participassem do segundo turno. A partir dali, o caso se desenvolveu com bloqueios de estradas, acampamentos na frente dos quartéis e os atos terroristas de 12 de dezembro [quando extremistas incendiaram as imediações da sede da Polícia Federal, ônibus e carros no centro de Brasília].
A “minuta do golpe”, encontrada na casa de Anderson Torres, reforça a suspeita de que o governo Bolsonaro arquitetou algumas formas de barbárie, antes e depois da posse?
Minha hipótese sobre Anderson Torres é que ele sabia dos atos do dia 8 e, justamente por isso, buscou refúgio em Miami. É de conhecimento geral que Torres estava em um restaurante em 12 de dezembro, teve conhecimento dos eventos que ocorriam nas proximidades do hotel em que estava o presidente eleito e nada fez. Então, pela sequência de eventos, classifico como um dos mentores do movimento golpista e não descarto a autoria dele na situação da minuta.
André Mendonça e Kassio Marques votaram contra medidas duras de Alexandre de Moraes, como o afastamento de Ibaneis e a prisão de André Mendonça. A postura surpreende em um momento nos quais os Três Poderes se uniram para frear o golpismo?
Faz parte da lógica da democracia governos progressistas indicarem ministros progressistas e governos conservadores indicarem ministros conservadores. Kassio e Mendonça, indicados por Bolsonaro, passaram pelas regras constitucionais, com a sabatina do Senado e o aval da casa. Quero acreditar que, em última análise, eles vão compreender que a única regra possível é a de dentro do ambiente do Estado Democrático de Direito. Não acredito que eles tenham aprovado a situação de escombros a que o prédio do STF foi lançado. Precisamos de uma análise pormenorizada. No caso de Ibaneis, não creio que eles tenham sido cúmplices do golpismo por se colocarem contra uma posição [afastamento do mandato] que, na própria doutrina, não tem unanimidade, embora, particularmente, eu considere a posição de Moraes corretíssima. Insisto em acreditar que eles vão encampar a punição dos responsáveis pela tentativa de golpe.
Ainda existem bolsonaristas mobilizados. Há risco de novos atentados?
Nunca a máxima de Thomas Jefferson foi tão atual: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Nos últimos anos, houve uma semente da maldade plantada no coração do Brasil. Essa semente quer disseminar o ódio, destruir as instituições democráticas e, em última análise, destruir a própria democracia. Existe uma semente de golpismo até no setor institucional do Brasil. Há alguns fantasmas que foram libertados de suas prisões de 2016 para cá. Cabe-nos o cuidado necessário de colocar esses fantasmas de volta nos locais de onde não deveriam ter saído. Essa é uma das responsabilidades históricas do governo Lula.
Depois da identificação de fardados nos atos terroristas, Lula promoveu uma verdadeira desmilitarização no governo. Não há risco de agravamento da crise?
Não há nenhuma sanha persecutória no governo com a desmilitarização. Não existe disposição de veto a militares desempenhando suas funções dentro dos objetivos republicanos. Desbolsonarizar, por outro lado, é algo necessário, porque o bolsonarismo, como surgiu no Brasil, é sinônimo de extrema-direita golpista. Vou ser mais claro: o bolsonarismo, como movimento social, é nossa experiência fascista
Crê que a punição a integrantes das Forças Armadas será tão dura quanto a aplicada a civis?
Para eventuais crimes cometidos por militares, há uma dinâmica própria. Inquéritos já estão em curso. Não pode haver anistia para crime. O artigo 5º da Constituição estabelece que todos são iguais perante a lei, sejam civis ou militares, estejam eles portando broche parlamentar, toga de juiz, farda ou roupas de cidadão.
O Congresso tem um plano de reação aos parlamentares engajados na retórica golpista? Há possibilidade real, por exemplo, de cassação dos mandatos?
Cabe a direta responsabilização. Defendo — e Rodrigo Pacheco comunga da minha ideia — que uma das primeiras instituições a serem instaladas no Senado após o recesso parlamentar seja o Conselho de Ética do Senado.
E como será o diálogo com os senadores da extrema-direita?
Na condição de líder do governo no Congresso, terei toda a disposição de diálogo com a oposição democrática que reconhece o resultado das eleições, que quer chegar ao Poder pelas vias democráticas em quatro anos. A oposição democrática encontrará portas abertas para a conversa. Com quem pregar golpe de Estado, passar pano para golpe de Estado ou incentivar golpe de Estado, não pode haver tolerância nas ruas, no Congresso ou nos quartéis. O tempo da tolerância passou. Aconteceu quando um governo estava no poder pelas vias democráticas incentivando o golpismo. Agora, com forças democráticas no governo, é nosso dever não ser tolerante. Faço meu o paradoxo de Karl Popper: não podemos ser, com os intolerantes, tolerantes.
O Congresso estuda instalar uma CPI dos Atos Antidemocráticos. Apesar de ser válida, a comissão pode atrapalhar a discussão sobre a agenda econômica, defendida como prioridade pelo governo?
O governo não será paralisado pelos atos do dia 8 de janeiro. O presidente já buscou dar uma dinâmica da agenda que é necessária para o país, tanto que, na mesma semana do atentado, o ministro Fernando Haddad apresentou um plano de voo e houve o encaminhamento de medida provisória com repercussão fiscal ao parlamento. O governo não aceitará ser capturado pela agenda do terrorismo. O terrorismo estará na mira somente de um departamento: o da Polícia Federal. Na outra ponta, o parlamento tem que tomar as providências necessárias para que os responsáveis sejam penalizados. O primeiro passo foi a apresentação de representação, por Rodrigo Pacheco, dos invasores do Senado. A segunda é a possibilidade de instalação de uma Comissão Externa para acompanhar o desenrolar das investigações. Não há embargo para a instalação de uma CPI que cumpra os três requisitos legais: número certo de assinaturas, fato determinado e prazo determinado.
E de que forma a CPI poderia avançar, já que correm inquéritos com o idêntico objeto de investigação no STF?
Essa é uma reflexão que o parlamento terá de fazer logo depois do recesso. Acho que as providências tomadas pelas polícias dos Três Poderes estão bem adiantas e cabe a nós realizar um juízo de conveniência.
As redes foram tomadas por uma guerra de narrativas, na qual até mesmo o governo federal está sendo responsabilizado pelo atentado. A esquerda falha no embate digital?
No campo da comunicação, estamos perdendo batalhas pelo menos desde 2016. Não é a esquerda que perde, mas o campo democrático. O extremismo fascista se demonstrou muito mais eficiente do que a gente. Eles se adaptaram. Não esqueçamos que, em 2018, o Brasil serviu de laboratório para este movimento que se alastra em escala planetária. Fomos um laboratório de Steve Bannon. Estamos atrás e precisamos avançar para reverter a disseminação de mentiras.
Além de envolto em uma crise, o governo começa 2023 com dificuldades na articulação. O sr. mesmo já cogitou a ruptura no União Brasil, que integra a base, e aventou ao menos um contingente mínimo de votos que a sigla teria de entregar. Como aparar as arestas?
Gostaria de retificar minha posição. Quem sou eu para criticar qualquer um dos nossos partidos aliados. Seria um péssimo líder do governo no Congresso se o fizesse. A costura para a vinda do União Brasil para a base foi presidida pelo próprio Lula. Seria um desatino questionar uma condução feita pelo presidente da República. Sou um dos que, diante da realidade dada, trabalhei pela construção de uma frente ampla em favor da eleição de Lula. Se defendo isso e pratico isso, seria um contrassenso criticar aliados. O que cheguei a dizer é que não tinha dúvidas que os partidos que compõem a base serão leais no curso da execução do governo. Não dá para fazer um pré-julgamento de nenhuma sigla da base.
Conta, então, com apoio de nomes publicamente críticos a Lula, como Sergio Moro e Kim Kataguiri?
Essa é uma questão interna do União Brasil. Assim como eu não gostaria que alguém fizesse um julgamento como de que forma se portará algum correligionário meu, seria uma intromissão indevida de minha parte se eu fizesse um pré-julgamento sobre como os membros do União se portarão.
Quais os prazos para o andamento da agenda econômica?
Há um acordo para que, até maio, entreguemos a proposta de âncora fiscal. Posso assegurar que Haddad está dedicado a isso. Na segunda semana de governo, a Fazenda apresentou um conjunto de medidas fiscais que representam ações concretas para a redução do enorme déficit público de quase R$300 bilhões, legado do governo Bolsonaro. Uma dessas medidas já está no Congresso e logo deve ser apreciada: o retorno do voto de minerva do Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais], que pode trazer para os cofres da União R$1,2 trilhão. Em relação à reforma tributária, havia um consenso anterior de inaugurar pelo Senado. Advogo que esta seja a tese. Mas isso será objeto de conversa entre Pacheco e Arthur Lira. Temos a expectativa de aprovar a reforma até junho ou julho ou, em um cenário pessimista, até o final de 2023.
O sr. exercerá mesmo a liderança do governo pela Rede?
Por enquanto, estou na Rede. Devo muito à Rede. Devo minha reeleição ao Senado à Rede. Ao contrário do que dizem, tenho profundo respeito pela liderança de Marina Silva. Considero Marina um ícone central dos grandes ambientalistas do planeta. O presidente não poderia ter escolhido melhor. Não há, ao contrário do que se especula, de minha parte, qualquer tipo de divergência com Marina. Vou inaugurar a legislatura pela Rede. Fico honrado pelo desígnio para a liderança de governo em um partido pequeno e frágil como a Rede. A Rede é um partido que, a essa altura, com Marina no ministério, tem um deputado e um senador. Ter a liderança no Congresso é, para o partido, mais do que merecemos. E o presidente não fez qualquer exigência de mudança partidária. Isso não está, por ora, em meus planos.