FHC diz apoiar Doria, mas vai de Lula se PT for ao 2º turno contra Bolsonaro

Ex-presidente fala que João Doria tem mais chances que Eduardo Leite, mas vê espaço para apoiar PT em 2022

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é o nome com mais chances de “encarnar” a 3ª via em 2022. Eis os motivos citados: é de São Paulo, tem proximidade com o Nordeste e mostrou que consegue vencer eleições “contra tudo e contra todos“.

O PSDB marcou prévias para novembro. O principal rival de Doria é o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Para o ex-presidente, Eduardo teria mais dificuldades para entrar no jogo político nacional e construir uma candidatura competitiva.

“Acho que o Doria tem mais chances porque São Paulo é mais cêntrico. O Doria também tem uma ligação com a Bahia, seus pais são baianos. Isso conta simbolicamente“, disse FHC.

Assista à entrevista concedida na 5ª feira (5.ago.2021):

No dia 31 de julho, o ex-presidente já havia sinalizado apoio ao governador paulista. “Eu vou falar 1º uma coisa: ele [João Doria] é candidato a presidente e tem o meu voto“, disse na reabertura do Museu de Língua Portuguesa. Agora, FHC detalhou um pouco mais suas razões para colocar Doria adiante do seu adversário no partido.

“Acho que ele é um pouco fora do jogo do país. O Rio Grande do Sul está muito longe. É uma dificuldade, mas pode chegar lá“, afirmou.

Fernando Henrique Cardoso tem 90 anos e foi presidente duas vezes, de 1995 a 2002. Antes, quando ministro da Fazenda, liderou a equipe que criou o Plano Real. Em 2003, passou a faixa presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que era oposição. Dentro do PSDB, é uma das vozes mais respeitadas.

Na entrevista, o ex-presidente disse que não será fácil montar uma candidatura que fure a polarização entre o ex-presidente Lula, hoje líder nas pesquisas, e Jair Bolsonaro. E voltou a falar sobre um possível apoio ao petista. E disse que, caso eleito, Lula continuaria fazendo reformas.

“Suas reformas não seriam as que eu ou o meu partido faríamos, mas ele não é contra reformas. Enfim, quem não tem cão caça com gato. Se não vier cão com o gato, eu fico com o gato“, disse.

FHC e Lula recentemente posaram para uma foto juntos. O gesto, nunca de todo explicado, foi entendido como possível apoio ao petista. Agora, FHC matiza o encontro e diz que a preferência é por uma opção interna no PSDB.

FHC estabeleceu diferenças entre Lula e o atual presidente. Disse que, no Palácio do Planalto, Lula nunca atentou contra a democracia. E o descreveu como um “negociador“, sempre disposto a conversar.

Ao falar de Bolsonaro, FHC disse que é preciso atenção aos seus movimentos contra a democracia. Ele definiu o presidente como “tosco“, mas não bobo. Disse não acreditar que tente um golpe, já que em sua avaliação não há apoio político para isso.

“Depende de nós fazer valer as instituições. Não sei como são os impulsos psicológicos dele, mas na prática não consegue [agir contra a democracia]“, disse.

Leia trechos da entrevista:

 

 

Antes de ser presidente, o senhor foi ministro da Fazenda e liderou o Plano Real. Quais os desafios econômicos para o Brasil voltar a crescer?
O meu papel naquele momento foi explicar o rumo do país. O que está faltando é você sentir que o Brasil tem caminho. Não é só uma questão de equilíbrio econômico. Talvez hoje até tenha mais do que naquela época. Falta a crença de que a gente está indo bem. Tem que misturar os sentimentos da população com o mercado e o Estado brasileiro. Sentir que quem governa, governa para você.

Mas o Brasil ainda precisa de reformas ou eventuais privatizações, como as que o senhor fez no seu governo?
Isso é necessário. Nós começamos no meu governo, mas não foi fácil. Meu pai foi militar, chegou a general na época do “petróleo é nosso”. Custou que eu entendesse que precisava ter competição, mercado. Hoje, isso está aceito. E precisa avançar. Mas tem que melhorar a condição de vida das pessoas. Não adianta pensar só no mercado ou no Estado. Como é que as pessoas vão se situar? Sentem que sua família, filho, amigos vão se dar bem? É claro que isso pressupõe medidas econômicas. Mas precisa dar a sensação de “estamos juntos nessa”. Tem que mostrar que o Brasil é viável.

A polarização impede que isso aconteça?
Em princípio, a polarização é negativa. Vou lembrar um fato simples. Eu fui almoçar com o general [Ernesto] Geisel lá no Rio de Janeiro, no palácio presidencial. Ele começou a abertura. Fui excluído da universidade, exilado, mas fui lá demonstrar que não ia ser conduzido pelas raivas do passado. Mas pelo presente. Quando você dá força à polarização, você não caminha. Há pessoas que pensam de um jeito ou de outro. Mas são todos brasileiros. Hoje parece que o outro lado é porcaria. Não dá.

E qual a solução?
A eleição. Eleger alguém que seja capaz de ter sentimento mais amplo. Cada um fará a sua aposta e talvez seja cedo. A solução virá da substitução dessa visão totalitária de que meu lado é bom e o seu lado é mau por outra de que somos um conjunto. A polarização pode e tem levado ao ódio. Isso depende muito do discurso presidencial. Os líderes têm peso e têm que assumir suas responsabilidades. O líder expressa um sentimento. Quando expressa ideias sem aceitação, tem que impor. E impor não é democrático.

Hoje Lula lidera as pesquisas de intenção de votos. Ele teria a capacidade de construir essa união?
Conheço o Lula há muito tempo. Ele é muito personalista, acredita que tem a solução, a chave. Mas ele viveu. E quando esteve na Presidência da República, não destruiu a ordem democrática. Não acho que o Lula seja o terror vermelho. Ele é um líder competente que sabe falar e tocar as pessoas. Prefiro pessoas de outras tendências, mas não acho ele um mal em si. Se houver Lula contra Bolsonaro, a polarização fica feia. Se isso ocorrer, vou ficar ao lado do Lula, fazer o quê? O que o Lula diz não é propriamente o que ele faz. Lula sempre foi uma pessoa de negociação. Se você deixar, ele te convence que tem razão e você vai junto dele. É uma característica boa para ele e perigosa para o Brasil se ele for por um caminho errado. Mas não acho que haja risco de ele ir para um caminho errado. Mas repito: prefiro um candidato do meu partido, que não seja do PT.

Lula tem dito que voltaria atrás em reformas e eventuais privatizações. Do ponto de vista econômico, seria um retrocesso?
O Lula nunca foi contrário a reformas. Ele vai fazer. A reforma que as pessoas mais temem é a da propriedade. Não creio que o Lula fará isso. Não é essa a cabeça dele. Ele vai fazer reformas na medida que elas forem aceitas. Não vai contra o sentimento das pessoas. Sabe que perde nesses casos. Suas reformas não seriam as que eu ou o meu partido faríamos, mas ele não é contra reformas. Enfim, quem não tem cão caça com gato. Se não vier cão com o gato, eu fico com o gato.

O presidente Bolsonaro insinuou, após ser incluído no inquérito das Fake News, no STF, que poderia agir fora da Constituição. A democracia corre risco?
Não acho que o Bolsonaro agiria contra a lei. Não é bobo. Mas não o conheço bem. Meu pai era general e meu avô marechal. Conheço bem a cabeça deles. Bolsonaro não tem mentalidade de coronel, general. Ele é capitão, dá ordem. E no modo de expressar, é duro. Ele não é afeito à vida política. Fui senador, ministro, presidente. Nunca vi o Bolsonaro. Erro meu, não percebi que havia uma força que podia se expandir. Era uma pessoa tosca. Isso em si não é um defeito, é uma qualificação. Agora, ele é militar. Terá de respeitar as regras. Depende de nós fazer valer as instituições. Não sei como são os impulsos psicológicos dele, mas na prática não consegue [agir contra a democracia]. E quando não conseguir, o lado psicológico vale menos que o político. Qual é a força que o sustenta? O que fica é que você nunca pode perder o contato com o outro lado. Hoje é outro lado, no momento seguinte não é. Não se deve transformar adversário em inimigo. Esse é o risco do Brasil.

A urna eletrônica foi lançada em seu governo. Bolsonaro insiste que, sem impressão dos votos, pode haver fraudes. Há realmente esse risco?
Não creio. Ouço falar de fraude a vida toda. Mas nunca na urna eletrônica. Esse discurso é preparativo para um clima contrário à derrota eventual dele. Se vai perder, não sei. Ele foi eleito. Foi fraudada a eleição dele? Eu não votei nele nem votarei, mas não quer dizer que não vou reconhecer que ele ganhou, que tem legitimidade. Na democracia, o voto dá legitimidade por um tempo. Fraude houve na república antiga.

Com a polarização, há espaço para a 3ª via?
Eu preferiria que sim. Política não é só partido, instituições. A pessoa tem que encarnar um caminho. Porque o povo não vota em ideias. Vota em pessoas que têm ideias. Quem é capaz de encarnar um movimento que recuse a A e a B, essa é a questão da 3ª via. Tem candidato? Tem. O Doria é um. O governador do Rio Grande do Sul é outro. Vão se jogar? Vão queimar velas, sair dos governos estaduais para ganhar presença nacional? Se fizerem isso, pode ser que ganhem. E terão meu apoio.

Doria e Eduardo disputarão prévias. O senhor tem preferência?
Acho importante ter prévias. É uma maneira de ficar mais conhecido. Lula não teve e Bolsonaro não precisa. No caso do PSDB, que quer apresentar candidato, tem que se jogar. Está disposto a fazer tudo para ser candidato? Não quer dizer fazer porcaria, mas se comprometer com ideias, valores, mudanças, alianças. Quem fizer isso tem alguma chance. É preciso reconhecer a força dos que estão no cargo, como Bolsonaro. E de quem tem um partido tão enraizado que acredita ser o salvador da pátria, como o PT. Juntar ao redor de alguém objetivos que não sejam esses 2 pode ter força. Mas tem que se jogar.

Qual a agenda do PSDB?
Qual o problema do Brasil? O povo não está bem. O PSDB tem dificuldade de mostrar que está de fato com a maioria. Segundo: defesa da democracia. Terceiro, proposta para a economia continuar crescendo. Gerar emprego, segurança. O difícil não é a agenda, mas quem encarne com sinceridade e perceba que há diferença entre os Estados. Nós, de São Paulo, temos que reconhecer essas diferenças e mostrar que não somos fechados. Senão será repelido. Um terceiro candidato tem que mostrar-se capaz de fazer tudo mais rápido que os candidatos postos. E se fazer sentir no bolso e na alma dos que precisam. Uma 3ª via muito lá de cima, não pega.

Contra quem a 3ª via concorre para chegar ao 2º turno: Lula ou Bolsonaro?
Para começar, o povo não entende 3ª via. Isso é palavra de intelectual. É preciso falar e ser ouvido. Seja em rádio, TV, comício. Tem que conhecer a situação real. Tem quem conhece porque viveu ou aprendeu. Lula e Bolsonaro conhecem e tocam as pessoas.Nosso candidato precisa fazer as pessoas sentirem que poderá levá-las ao céu.

Eu insisto na pergunta. Doria, Eduardo ou Ciro vão concorrer diretamente pela vaga de Lula ou Bolsonaro no 2º turno?
Se você pegar o Doria, ele ganhou São Paulo. Quando concorreu, eu disse: não vai ganhar. Ganhou. A Prefeitura e o Estado. Conhece o caminho das pedras. Pode repetir o feito. Vai repetir? Não sei. O rapaz do Rio Grande do Sul, o Eduardo Leite, ganhou o Estado. Acho que ele é um pouco fora do jogo do país. O Rio Grande do Sul está muito longe. É uma dificuldade, mas pode chegar lá. Acho que o Doria tem mais chances porque São Paulo é mais cêntrico. O Doria também tem uma ligação com a Bahia, seus pais são baianos. Isso conta simbolicamente. O Ciro me parece mais difícil. Foi candidato, tem experiência, é inteligente, rápido no raciocínio. Mas não sinto convicção. Dá a impressão de ser fake. Não é, mas passa a impressão. Se for pela minha ligação, a maior é com Doria. Mas o que vai pesar é a capacidade dele de ganhar do Bolsonaro. Vai juntar forças ou não? Se juntar, terá meu apoio.

Em 2018 o seu amigo e filósofo Arthur Gianotti, que morreu há poucos dias, disse que o PSDB tinha morrido. O senhor concorda?
O Gianotti sempre foi um pouco explosivo contra o que estava instituído. Não acho que o PSDB tenha morrido. Precisa ter alguém que volte a simbolizar um caminho. Se comparar com a estruturação do PT, eles têm mais estrutura. O que pode ser um peso em um país dinâmico. Depois do Lula, o PT não ganhou.

Como sociólogo, quem o senhor considera o pior presidente do Brasil?
O Jânio. Tinha muitas qualidades e jogou fora. Foi mal. Ele era amigo do meu pai. Conheci ele. Era muito talentoso e jogou tudo fora. Collor também, mas tinha menos capacidade que Jânio. Quem tem possibilidade e joga fora, é bobagem. Pega o Lula. Não jogou fora. Bolsonaro não sei. Ciro se mantém há muito tempo, tem alguma liderança. O Doria também. Mas não adianta ser bom só na teoria. Se for, escreve um livro. Política é uma ideia, um sentimento.

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Fonte poder360
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