Entidade de servidores públicos se queixa de Guedes ao Comitê de Ética da Presidência
Depois de ministro ter chamado servidores de ‘parasitas’, governo avalia desistir de enviar reforma administrativa ao Congresso e apresentar apenas sugestões.
Quatro dias após o ministro da Economia, Paulo Guedes, comparar os servidores públicos a “parasitas”, o Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) apresentou uma queixa contra ele na Comissão de Ética da Presidência da República. A entidade alega “ofensa moral” e pede a instauração de uma processo para apurar violações ao código de conduta da administração federal e ao código de ética do servidor público federal.
Na última sexta-feira (7), ao defender a reforma administrativa, o ministro disparou contra os servidores. “O governo está quebrado. Gasta 90% da receita toda com salário e é obrigado a dar aumento de salário. O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo, o hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita, o dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático, não dá mais”, disse.
Para o Fonacate, “essas afirmações configuram desrespeito gratuito e desmedido a 12 milhões de servidores públicos, que buscam diuturnamente prestar serviço de qualidade à população brasileira, além de não condizerem com o decoro do chefe de pasta que hoje congrega funções pertinentes à organização dos quadros de pessoal da Administração Pública”.
Na queixa apresentada à Comissão de Ética, o fórum acrescenta que o ministro fez “uma autodeclaração de desvalor à função que ele próprio exerce”. Para a entidade, Guedes, como “representante máximo” da pasta “tem o dever-poder institucional de enaltecer e incrementar o funcionalismo público de alta qualidade, abstendo-se – como deveria ser óbvio – de toda manifestação de desapreço às atribuições e responsabilidades das pessoas que servem o Estado brasileiro, dentre as quais ele próprio se inclui”.
“Se a própria autoridade pública desabona seus servidores, a população em geral certamente não dará o devido crédito ao bom trabalho desempenhado. Trata-se de um assédio institucional inaceitável, tanto sob o ponto de vista da dignidade ou do decoro do cargo quanto sob a perspectiva deontológica”, complementa no documento.
Se a própria autoridade pública desabona seus servidores, a população em geral certamente não dará o devido crédito ao bom trabalho desempenhado.Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado
Reforma administrativa em risco
Após a repercussão negativa da declaração de Guedes, o governo passou a estudar apresentar apenas sugestões sobre a reforma administrativa ao Congresso Nacional, em vez de enviar uma proposta de emenda à Constituição.
A estratégia é semelhante ao que o Executivo fez com a reforma tributária, quando se decidiu, no fim do ano passado, enviar sugestões para anexar em uma PEC já em tramitação.
Representantes do funcionalismo reagiram e o governo teme, nos bastidores, que a declaração possa ser usada como “gatilho” para aumentar a pressão contra a reforma, que já conta com forte lobby contrário dos servidores.
Embora o martelo ainda não tenha sido batido, a equipe econômica e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), avaliam em qual PEC que já tramita na Câmara as sugestões deverão ser anexadas.
Semana passada, o presidente Jair Bolsonaro havia dito que o governo estava na “iminência” de enviar o texto. Essa não é, porém, a primeira vez que o envio da proposta é adiado. Desde o ano passado, a reforma na administração pública está na fila, mas vem sendo adiada, a espera “do melhor momento”.
Desculpas não convencem
O ministro se desculpou pela fala nesta segunda. “Me expressei muito mal, e peço desculpas não só a meus queridos familiares e amigos, mas a todos os exemplares funcionários públicos a quem descuidadamente eu possa ter ofendido. Eu não falava de pessoas e sim do risco de termos um estado parasitário, aparelhado politicamente, financeiramente inviável”, escreveu em mensagem enviada a jornalistas e amigos.
Na sexta, porém, em nota via assessoria de imprensa do Ministério da Economia, o discurso era de que a fala havia sido “retirada de contexto”. “O ministro lamenta profundamente que sua fala tenha sido retirada de contexto pela imprensa, desviando o foco do que é realmente importante no momento: transformar o Estado brasileiro para prestar melhores serviços ao cidadão.”
Outras associações de servidores públicos rebateram a declaração do ministro. Em nota, a Unafisco Nacional (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) manifestou “repúdio” e disse que o chefe da Economia faltou com “elegância” e com “patriotismo”. “Se partilhássemos da descompostura do Ministro, poderíamos compará-lo a um serviçal do mercado, que promove a falência do Estado em detrimento do povo brasileiro”, destacou a entidade. “O assédio institucional que vem sendo praticado pelo sr. Paulo Guedes em relação aos servidores públicos já ultrapassa os limites legais e merece reação à altura”, completou.
O Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) classificou, também em nota, a alegação de que os cortes de jornada e salários que o governo pretendem para o funcionalismo público como “um engodo evidente”. “Os servidores públicos dignos e sérios – que são a esmagadora maioria do funcionalismo – merecem ser tratados com dignidade. Sem esse pressuposto básico, não há como avançar um milímetro na construção de uma democracia forte, próspera e estável.”
Chamando o discurso do ministro de “tendencioso, recheado de inverdades e vazio de fundamentos”, o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central destacou, em nota, que Guedes “quer induzir a sociedade a acreditar, entre outras barbaridades, que o servidor recebe reajuste salarial automático”.