Entenda a estratégia da mídia de acuar, mas não derrubar Bolsonaro, por Luis Nassif
Seria bom que os jornais se cercassem de analistas mais sofisticados para entender os desdobramentos da tática utilizada, para eles próprios
No domingo, já havia alertado para a estratégia da mídia no post “A conspiração para acuar Bolsonaro e entronizar Guedes”. A estratégia consiste em acuar Bolsonaro, “acelerar o carro e, depois, recuar, com ele à beira do abismo”, mantendo “Bolsonaro acuado, enfraquecido, mas no poder. E fortalecer a ideia de Paulo Guedes e de suas reformas como âncora do governo”, dizia.
Em artigos anteriores, notei a mudança de cobertura da mídia em relação à economia, passando a destacar pequenos pontos positivos visando criar um sentimento de otimismo nos seus leitores.
Era só conferir a primeira página do Valor, do Estadão, de O Globo e, especialmente, da Folha, cuja estratégia editorial consiste em se candidatar a ser o braço do novo-velho mercado, de legitimá-lo com pautas morais modernas, defesa da retórica do politicamente correto, enquanto tenta legitimar, na outra ponta, o desmonte final das políticas sociais.
As últimas de Paulo Guedes são:
- Desvinculação dos gastos sociais tanto na União quanto em estados e municípios.
- Antes disso, inclusão de inativos nos gastos obrigatórios de saúde e educação.
Nos dois casos, significará reduzir sensivelmente o orçamento da saúde e educação que, antes das medidas, já se mostram insuficientes para o atendimento básico da população.
O editorial de hoje da Folha, de apoio a Guedes, rasga a fantasia.
Por trás dessas estratégias, há um personagem pouquíssimo analisado, ou analisado apenas de maneira genérica, mas que se constitui, hoje em dia, na maior força de influência da mídia: os banqueiros de investimento.
Os novos tempos, de Internet, novas tecnologias, competição com redes sociais e outros veículos de mídia, passaram a exigir injeções maciças de capital nos grupos de mídia.
O modelo seguido pelos grupos brasileiro foi do australiano Rupert Murdoch que saiu de seu país, captou dinheiro no mercado, e passou a comprar toda sorte de veículos em várias partes do mundo, montando redes sociais, adquirindo de tabloides ingleses até o vetusto The Wall Street Journal.
É nesse ambiente que sobressaem as figuras de dois banqueiros polêmicos, Daniel Dantas, do Opportunity, e André Esteves, do Pactual. Foi só ganhar expressão econômica, para o XP caminhar na mesma direção.
Nas disputas das telefônicas, Dantas acenou com parcerias com a Abril e o Estadão, chegou a integrar o conselho consultivo de ambos, mas não abriu as burras.
Esteves foi mais eficiente. Com o BTG-Pactual, antes dele o Pactual, se tornando líder do mercado de lançamento de ações, foi banqueiro essencial para a capitalização da UOL, em uma das manobras mais ousadas do período. Com a operação, conseguiu poder de vida e de morte sobre jornalistas críticos, obtendo a demissão de alguns deles. Hoje em dia, também mantém influência total sobre a Veja.
É a história mais significativa para se entender o paradigma do poder financeiro no país, e que será contada em algum momento.
A UOL se transformou na operação mais bem sucedida dentre todos os jornais, especialmente depois que lançou o sistema de pagamentos, montou uma mega capitalização na Bolsa de Nova York e, agora, ambiciona se transformar em banco online. Para se tornar banco, precisa da aprovação do Banco Central de Paulo Guedes.
O mesmo acontece com as Organizações Globo, em seu trabalho infrutífero de lançar plataformas de streaming para concorrer com Netflix, Apple e Google.
Por aí se entende o morde-assopra da mídia com Bolsonaro e a apologia de um sem-noção como Guedes.
A ombudsman da Folha matou a charada, no importante alerta que fez no domingo passado. O preço pago pelo liberalismo poderá ser o de consolidar uma ditadura no país. Valeria a pena? Outros articulistas têm alertado, tanto nas páginas da Folha como de O Globo, sobre esse risco. Bolsonaro evidentemente procura o golpe. Uma melhoria do ambiente econômico – ainda que artificial – o fortaleceria de forma irreversível.
Seria bom que os jornais se cercassem de analistas mais sofisticados para entender os desdobramentos dessa tática, não para o país que, aparentemente não está no seu foco de interesses, mas para eles próprios. O principal adversário de qualquer ditador é a imprensa.
Mas pode ser que, para esses grupos, o jornal já tenha cumprido sua missão, de catapultá-los para projetos bem mais ambiciosos.