Crise no PSDB ajuda a entender como a centro-direita foi engolida pelo bolsonarismo
José Simão, colunista da Folha de S.Paulo, costuma dizer que o Brasil é o país da piada pronta.
Só isso explica o fato de alguém prestar o Enem convicto de que a prova teria a cara do governo Bolsonaro e encontrar nas páginas uma questão tratando da vida de gado.
Ou que o PSDB, partido que eleição sim, outra também, promete modernizar o Brasil, com choques de gestão e outras promessas de campanha, tenha suspendido as prévias para escolher seu candidato a presidente em 2022 por problemas técnicos na votação por app.
Aqui a coincidência é pura semelhança com os fatos reais.
Quem acompanhou o dia de votação percebeu que a pane no sistema era o último dos problemas dos candidatos. A simples incapacidade de chegar a um consenso sobre o anúncio do adiamento das prévias mostra que o bug é mais embaixo.
A chance de o partido não sair ainda mais dividido da votação interna, pelo que se vê, é quase zero. Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, acusa o outro lado de jogar com “compra de votos e pressões indevidas”.
João Doria, respondeu, pelo porta-voz da campanha, que a acusação demonstrava desespero de quem já prevê a derrota. Estão todos assim de saúde.
A missão para quem sair vencedor da querela será ingrata. Há uma debandada em curso no partido que até outro dia tinha ao menos dois pés no segundo turno de qualquer eleição presidencial — o que só deixou de acontecer em 2018. Naquele ano os tucanos conseguiram eleger uma bancada razoável e mantiveram influência em redutos importantes, como São Paulo. Mas até isso está em risco agora.
Se Doria vencer, é provável que seus desafetos, como Aécio Neves, alvejado pela Lava Jato, terão de procurar outro partido para chamar de seu. O ex-governador mineiro certamente tomará o mesmo caminho de Geraldo Alckmin, inventor do projeto Doria e que deixa a legenda com pouco apreço e muita mágoa do ex-pupilo. Doria, que nada tinha a ver com os quadros históricos tucanos, estes mais da academia do que do marketing, é hoje visto como um cavalo de Tróia da legenda.
Seja lá quem for o presidenciável, ele largará com dois buracos consideráveis nos dois estados com os maiores colégios eleitorais do país. São Paulo tem outros favoritos para a disputa dos Bandeirantes. E, em Minas Gerais, os tucanos hoje comem a poeira dos sapatos de novos quadros, como o bolsonarista Romeu Zema, do Novo, e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD).
Nos outros estados o PSDB é atualmente um grande arremedo. Há quem já tenha corpo e alma bolsonarista, há quem queira ser o que o MDB já foi um dia.
A radicalização do partido antes, durante e depois do impeachment de Dilma Rousseff hoje cobra a fatura. Radical por radical, a direita mais a perigo, e revoltada com a crise política e a deterioração dos partidos tradicionais, se bandeou para o colo de Bolsonaro, um radical-raiz. Alguns tucanos, sabendo disso, ficam com o atual presidente em votações-chave do Congresso. Na Câmara, por exemplo, só 11 dos 32 deputados da legenda votaram contra a PEC dos Precatórios no segundo turno.
Os desafios internos do PSDB contribuem, mas não são os únicos entraves a explicar a via estreita para o seu futuro presidenciável se firmar como a alternativa a Lula e Bolsonaro. Essa via arterial anda entupida pela presença de Sergio Moro, ex-juiz a quem Doria e outros tucanos já incensaram e estenderam o tapete vermelho para a via política. Essa via pode tirar de vez o PSDB do páreo em 2022. Um dos entusiastas da candidatura de Moro pelo Podemos, vale lembrar, é o ex-tucano Alvaro Dias.
A pane da legenda, como se vê, não começou agora. Nem tem hora para acabar.