CPI da Covid: entenda confusão entre Dominguetti, o ‘PM vendedor de vacinas’, e Miranda, o deputado que denunciou propina
Em depoimento à CPI da Covid, o suposto vendedor de vacinas e policial militar Luiz Paulo Dominguetti fez acusações contra o deputado Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou o escândalo da vacina Covaxin – e afirmou que houve cobrança de propina por parte de funcionários do Ministério da Saúde.
Dominguetti afirmou à comissão que Miranda procurou a empresa Davati Medical Supply para tentar negociar vacinas contra a covid-19 produzidas pela AstraZeneca e exibiu um áudio de WhatsApp que, segundo o PM, Miranda teria enviado para um representante da Davati em 2021.
No áudio, em nenhum momento o deputado cita vacinas. Depois do depoimento de Dominguetti à CPI, Miranda registrou em cartório que a mensagem foi enviada em outubro de 2020, não em 2021, e que se tratava de uma compra de luvas.
Dominguetti não havia ido à CPI para falar de Miranda, mas de um outro suposto pedido de propina do governo que o vendedor disse ter recebido do diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, quando negociava em nome da Davati.
Isso fez com que a oposição levantasse a suspeita de que o PM havia ido à CPI com o objetivo oculto de tumultuar a comissão e desacreditar a denúncia de Miranda sobre ilegalidades na negociação da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e oferecida ao governo brasileiro por meio da empresa intermediária Precisa.
“É evidente que há uma tentativa de tumultuar e desmoralizar a CPI”, afirmou Humberto Costa (PT-PE) no Twitter. “Faz parte disso a desqualificação do deputado Luiz Miranda, que afirmou ter levado a Bolsonaro a denúncia de corrupção na compra da Covaxin. O jogo é extremamente bruto.”
A CPI pediu que o celular do PM fosse apreendido para esclarecer a origem do áudio – ele foi lacrado e levado pela Polícia Federal para ser periciado.
Entenda o caso em três pontos.
Quem é Dominguetti e por que ele estava depondo à CPI?
Policial militar da ativa em Minas Gerais, o cabo Luiz Paulo Dominguetti afirmou à CPI que entrou no ramo de venda de suprimentos médicos informalmente “para complementar a renda”.
Ele foi convocado à CPI por ter afirmado à Folha de S.Paulo que recebeu pedido de propina quando tentava vender vacinas a um representante do Ministério da Saúde.
Dominguetti negociava em nome da Davati Medical Supply, uma empresa americana que que distribui suplementos médicos. Ele não é representante oficial da empresa, mas diz que tinha um “acordo de cavalheiros” com o Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil, para negociar em nome dela.
A Davati confirmou que trabalhou com Dominguetti, mas disse que ele não tinha vínculo empregatício e que a empresa nada sabe sobre oferta de propina.
Dominguetti afirmou à CPI que tentava intermediar a venda de vacinas da AstraZeneca, mas não explicou como a Davati conseguiria obtê-las para revender.
Isso porque a AstraZeneca esclareceu em um comunicado que não trabalha com intermediários para a venda de vacina contra a covid-19 e não negocia com empresas privadas, somente com governos nacionais.
O PM afirmou à CPI que não sabia como a Davati faria o fornecimento, que estava apenas fazendo a negociação.
Ele disse aos senadores que ofereceu ao governo, em nome da Davati, 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, ao preço de 3,5 dólares a dose. Disse que receberia cerca de 3 centavos de dólar por dose como comissão pela venda – valor que totalizaria uma comissão total de 12 milhões de dólares.
Segundo Dominguetti, a tentativa de venda foi discutida em fevereiro ao então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, em um restaurante em Brasília. Na reunião teria estado também o tenente-coronel Marcelo Blanco, assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, segundo Dominguetti.
Na reunião, disse o PM, Dias teria pedido para aumentar o preço a fim de contemplar uma propina de 1 dólar por dose, o que Dominguetti teria recusado. O vendedor afirmou ter ido ainda, no dia seguinte, a uma reunião no Ministério da Saúde, e disse que após sua recusa a negociação não foi para a frente.
Quem é Luis Miranda e como seu nome surgiu no depoimento de Dominguetti?
Durante seu depoimento à CPI, Dominguetti introduziu o nome do deputado Luis Carlos Miranda, que fez a denúncia contra o governo no escândalo da Covaxin – uma outra denúncia de suposta propina feita no mês passado que nada tem a ver com Dominguetti.
O PM afirmou casualmente em seu depoimento que parlamentares tentavam negociar diretamente a compra de vacinas com a Davati e, após ser questionado pelo senador Humberto Costa sobre quem seriam eles, citou o nome de Luis Miranda.
“O Cristiano (representante da Davati) me relatava que, volta e meia, tinha Parlamentares – eu não sei quem – o procurando e que o que mais o incomodava era o deputado Luis Miranda, o mais insistente com a compra, intermediação de vacinas”, disse Miranda.
Procurado pelo jornal O Globo, o representante da Davati negou que Miranda o procurasse para falar de vacinas.
A citação de Miranda chamou tanta atenção porque o deputado denunciou suposto pedido de propina feito pelo governo na compra de outra vacina, a Covaxin, da Bharat Biotech.
O deputado Luis Carlos Miranda tem um irmão chamado Luis Ricardo Miranda que é chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.
O servidor do ministério Ministério Público Federal (MPF) ter sofrido uma “pressão incomum” de outra autoridade da pasta para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a Bharat Biotech.
Luis Ricardo teria alertado o irmão, o deputado Luis Carlos Miranda, sobre irregularidades no contrato. Alinhado ao governo, o deputado disse à CPI que avisou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre os problemas e nada foi feito.
Documentos obtidos pela CPI e revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo mostram que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bastante acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose. O gasto total do Brasil seria de R$ 1,6 bilhão.
Alinhado ao governo Bolsonaro até a denúncia, o deputado Miranda não estava livre de acusações de irregularidades.
YouTuber, ele ganhou projeção dando “dicas de empreendedorismo” para brasileiros nos Estados Unidos, onde morava até ser eleito deputado federal em 2018. Em 2019, diversas pessoas que investiram em seus negócios nos EUA disseram que sofreram golpes e perderam milhares de dólares, como mostrou uma uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo.
No entanto, outras acusações contra Miranda não tinham a ver com a denúncia que ele fez contra o governo no caso Covaxin.
Durante a CPI, a oposição encarou o fato de Dominguetti ter feito acusações contra o deputado Miranda especificamente envolvendo vacinas como uma tentativa de desmoralizá-lo e enfraquecer a denúncia contra o governo no caso Covaxin.
Qual a origem e o que há no áudio mostrado por Dominguetti?
O áudio mostrado por Dominguetti tem a voz de Luiz Miranda falando sobre uma compra, sem especificar de qual produto.
“Então irmão, o grande problema é, vou falar direto com o cara, o cara vai pedir toda documentação do comprador. O comprador meu já está de saco cheio disso, vai pedir a prova de vida antes e a gente não vai fazer negócio”, diz Miranda.
“Então nem perde tempo, que eu tenho o comprador e ele pode fazer o pagamento instantâneo, que ele compra o tempo todo lá, quantidades menores. Se o seu produto tiver no e você fizer um vídeo, ‘Luis Miranda, aqui meu produto’, o meu comprador entende que é fato, ok? E encaminha toda a documentação necessária. Eu nem vou perder tempo porque tem muita conversa fiada no mercado. Desgastou muito, meu irmão, nos últimos 60 dias.”
Dominguetti disse que recebeu a informação de que o áudio era sobre vacinas e seria deste ano. Também afirmou que recebeu o áudio de Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil.
Cristiano Alberto Carvalho, no entanto, afirmou ao jornal O Globo que recebeu o áudio de outras pessoas e não diretamente de Luiz e que não tem relação com a Davati nem com vacinas.
“Porque ele disse isso então?”, questionou a repórter do jornal. “Quer aparecer”, afirmou Cristiano.
Luis Miranda afirmou que o áudio era de 2020 e sobre compra de luvas. Para reforçar, levou seu celular a um cartório em Brasília.
O tabelião Evaldo Feitosa dos Santos ouviu o áudio e fez a transcrição em ata notarial. No documento, publicado pelo site Metrópoles, consta a data do áudio como sendo de 15/09/2020 e há transcrição de trecho, não exibido na CPI, em que fica claro que a conversa é sobre luvas, não sobre vacinas.
Ainda não há previsão de quando sai a perícia do celular de Dominguetti, levado pela Polícia Federal durante seu depoimento na CPI.