Como o mercado reage aos ataques bolsonaristas em Brasília
Especialistas acreditam que no curto prazo haverá uma queda no principal índice da bolsa
A Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi invadida por radicais, golpistas e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Eles entraram e depredaram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Planalto.
O atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estava em Araraquara (SP) para analisar os danos causados pela chuva e decretou uma intervenção federal na segurança do Distrito Federal até o dia 31 de janeiro. Na prática, a medida tira o comando da área de segurança pública do governador Ibaneis Rocha (MDB) e coloca os policiais e o Corpo de Bombeiros sob o controle da União.
Segundo Luis Novaes, analista da Terra Investimentos, a primeira reação do mercado na segunda-feira (9) é negativa, já que deve gerar um maior receio aos investidores, principalmente estrangeiros, sobre os possíveis “riscos políticos”. Dessa forma, deve haver uma retirada de capital da bolsa brasileira.
Hugo Queiroz, diretor do TC diz que o primeiro pregão da semana terá “alguma correção”, dado que o índice recuperou bem na semana passada. “Conforme aconteça a redução dos protestos e manifestações, e o mercado veja que isso não vai escalar, o risco vai se normalizando. Podemos ver inclusive os investidores deixando precificar esse risco, passando analisar as discussões de programáticas em termos de economia”, afirma.
Vale lembrar que ao longo da primeira semana do ano, o Ibovespa+0,63% cravou o pior desempenho acumulado nos cinco primeiros pregões de um novo governo desde o segundo mandato de Lula, quando o índice caiu 3,70% na semana de abertura da gestão do petista em 2007, mostra um levantamento realizado por Einar Rivero, do Trademap.
“A semana começará bem tumultuada. Começamos com algumas declarações de ministros e do futuro presidente da Petrobras sendo mal interpretadas e o mercado caindo bastante”, diz Ubirajara Silva, gestor da Galapagos Capital.
Veja abaixo os depoimentos de especialistas entrevistados pelo E-Investidor sobre a reação do mercado aos ataques ocorridos em Brasília:
Erich Decat, head do time de análise politica da Warren Renascença
As cenas que vimos em Brasília foram surpreendentes e sem precedentes na nossa história. Elas assustaram bastante alguns representantes do mercado financeiro.
Por isso, temos algum impacto na abertura da Bolsa nesta segunda-feira. Acredito que, com o avanços das medidas tomadas por representantes dos Três Poderes (decreto de intervenção, convocação extraordinária do Congresso, representações no STF), a Ordem deve voltar e isso deve tranquilizar os investidores ao longo do dia.
Hugo Queiroz, diretor do TC
É importante frisar e reforçar a união dos Três Poderes em prol de repudiar o que houve, mas também de se colocar a disposição de votações rápidas para soluções antidemocráticas. Consequentemente, esses movimentos ajudam a reduzir um pouco o risco de que essas manifestações se espalhem ou continuem nesse grau de animosidade. E isso diminui um pouco o ruído a partir do mercado.
Nesta segunda-feira o mercado abre com alguma correção, dado que o índice recuperou bem na semana passada. Houve uma melhoria por redução de risco que puxou o Ibovespa+0,63% para cima, mas a gente vê uma correção no primeiro momento por parte dos investidores, alguns com emocional um pouco impactado.
Mas conforme aconteça a redução dos protestos e manifestações, e o mercado veja que isso não vai escalar, o risco vai se normalizando. Podemos ver inclusive o mercado deixando precificar esse risco, passando a analisar as discussões de programáticas em termos de economia. Neste primeiro momento, o investidor precisa estar atento a essas respostas que foram dadas pelas instituições democráticas.
Luiz Souza, assessor de renda variável da SVN Investimentos
Teremos que acompanhar se as lideranças dos caminhoneiros vão aderir ao movimento. Por enquanto, nada disso afeta a cadeira econômica. O que pode fazer a Bolsa cair vai ser a decisão das lideranças dos caminhoneiros de aderir esses movimentos, e já sabemos o que aconteceu no passado com a greve dos caminhoneiros. Temos que acompanhar o que essas lideranças vão fazer, se vão começar a apoiar ou parar de maneira intensa e naturalmente causar algum dano na economia para que isso repercuta na Bolsa.
Mario Goulart, analista de investimentos e criador do canal do Youtube “O Analisto”
Toda turbulência diminui a previsibilidade do mercado e esse tipo de movimentação é negativa. O que pode gerar uma interpretação mais positiva é de uma eventual neutralização da oposição e o governo Lula andar em mares mais tranquilos daqui para frente. No médio prazo, isso também tem uma consequência negativa para o mercado, que seria o governo Lula implementar sua agenda, bastante retrógrada economicamente, tanto que os dois primeiros pregões do mercado foram de queda, e subiram quando membros do governo voltaram atrás com decisões que haviam sido anunciadas..
Até agora, Lula não fez um discurso que tentasse abraçar a porcentagem que não gosta dele. Deve-se deixar claro que não me refiro aos bolsonaristas que invadiram os palácios, isso é minoria. A maioria dos que votaram em Bolsonaro não eram seguidores dele, só não queriam ver o Lula no poder, e parece que o petista não entendeu isso. Seus discursos são muito sobre “nós contra eles”. Se ele aproveitar o episódio de domingo para se comunicar com esse pessoal, aí sim nós podemos ter uma pacificação positiva, que poderia melhorar a questão do mercado.
Mais uma preocupação é que esse fato e suas consequências sequestram do noticiário qualquer agenda positiva que possa acontecer nesse primeiro momento. Se a primeira semana do mercado já foi marcada por muita confusão, isso irá ficar no noticiário por algumas semanas. Todo governo tem aquela barreira psicológica dos 100 dias, e isso já marcou esses dias, já bagunçou o governo.
Matheus Spiess, analista da Empiricus
Fomos surpreendidos com o nível de violência das manifestações em Brasília. São manifestações bem graves. A Bolsa brasileira tinha se desligado desse ruído de certa maneira, sobre ruptura institucional. É possível que haja efeito negativo, definitivamente. O que estamos vendo é ruim. Os atos não irão ter efeito absolutamente nenhum no governo em si. Só que têm efeitos pragmáticos para percepção e governabilidade para os próximos anos.
O que observamos é que Lula, de fato, tem uma situação completamente diferente do que ele tinha em 2002. Veículos internacionais já noticiam de maneira negativa o que tem acontecido, e Lula fica em uma situação delicada. Ao mesmo tempo, observamos que a maior parte da população não aprova isso. Portanto, o que acontece agora é que isso fragiliza a direita, que vinha forte no Congresso por estar em uma posição mais acuada. E ao mesmo tempo, coloca Lula ‘com o pé no chão’ em termos de governabilidade. Sabemos que a Bolsa brasileira tem reagido de maneira inequívoca aos fatores políticos, então inegavelmente o mercado irá reagir a isso. No curto prazo, de forma negativa.