Após Bachelet criticar violência policial no Brasil, Bolsonaro diz que ela defende ‘vagabundos’
Comissária da ONU para direitos humanos afirmou que houve redução do 'espaço democrático' no Brasil. Na resposta, Bolsonaro elogiou Pinochet e criticou pai da chilena, morto na ditadura.
O presidente Jair Bolsonaro disse nesta quarta-feira (4) que a alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos, Michelle Bachelet, defende “direitos de vagabundos”.
Bolsonaro deu a declaração na saída do Palácio da Alvorada, ao comentar uma entrevista de Bachelet em Genebra. À imprensa, a alta comissária da ONU e ex-presidente do Chile disse que, nos últimos meses, houve uma “redução do espaço democrático” no Brasil. Ela também criticou a alta nas mortes causadas por policiais no país e a violência contra defensores dos direitos humanos.
Em São Paulo, a polícia matou 426 pessoas no 1º semestre, segundo a Secretaria de Segurança, o que significa uma alta de 3% em relação ao mesmo período do ano passado. No Rio de Janeiro, foram 881 mortes, uma alta de 15%, também segundo o governo estadual. Foram, portanto, 1.307 mortes por policiais nos dois estados. Na entrevista, Bachelet citou um número um pouco menor, 1.291. Bolsonaro criticou a declaração:
“Ela agora vai na agenda de direitos humanos. Está acusando que eu não estou punindo policiais que estão matando muita gente no Brasil. Essa é a acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos”, afirmou o presidente.
Ainda em resposta a Bachelet, Bolsonaro citou o pai da ex-presidente do Chile. Ele disse que se o general Augusto Pinochet (ditador chileno nas décadas de 70 e 80) não houvesse derrotado esquerdistas, entre eles o pai de Bachelet, o Chile hoje seria “uma Cuba”.
“E ela [Bachelet] diz mais ainda. Ela critica dizendo que o Brasil está perdendo o seu espaço democrático. Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 73, entre eles o seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Acho que não preciso falar mais nada para ela”, afirmou Bolsonaro.
Alberto Bachelet foi um general da Força Aérea do Chile, opositor do golpe militar liderado por Pinochet em setembro de 1973. Segundo um relatório do Serviço Médico Legal do país, ele morreu vítima dos maus-tratos sofridos após ser preso e acusado pela ditadura de traição à pátria. Michelle Bachelet foi presa um ano depois, em 1975, e também sofreu tortura na detenção.
Bolsonaro ainda afirmou que, “quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelle Bachelet, vai lá para cadeira de direitos humanos da ONU”.
Entrevista
Na entrevista em Genebra, Bachelet afirmou que a violência policial no Brasil atinge mais as pessoas negras e que moram em favelas.
“Podem ser ações policiais, mas quero destacar que é uma alta de 12% a 17% [em mortes causadas pela polícia no Rio e em São Paulo] comparado ao mesmo período do ano passado. Vimos que a alta da violência atinge mais as pessoas de ascendência africana ou as que vivem em favelas”, disse a alta comissária.
Bachelet criticou o discurso de autoridades que, segundo ela, legitimam a violência policial.
“Vimos uma alta em violência da polícia, em meio de um discurso público que legitima execuções sumárias e uma falta de responsabilização”, afirmou.
“Esses aspectos são importantes quando se ouve negações de crimes estatais do passado, o que é personalizado pela proposta de celebração do golpe militar, combinado a uma transição incompleta do sistema judicial, o que pode aumentar a impunidade e reforçar a mensagem de que agentes do Estado estão acima da lei e podem matar sem serem responsabilizados”, completou a ex-presidente do Chile.
‘Indignação’
Na noite desta quarta-feira, o Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota na qual informou ter tomado conhecimento das declarações de Bachelet com “indignação”.
Na nota, o governo brasileiro afirmou ainda que a ex-presidente do Chile demonstra “descaso pela verdade factual” e questionou o porquê de Michelle Bachelet não “concentrar esforços” em ajudar a Venezuela.
“Ao contrário do que foi inferido sem qualquer evidência concreta, o espaço cívico e democrático encontra-se vivo e em expansão no Brasil”, afirmou o Itamaraty.