A estratégia de Lula na busca por apoio de políticos que apoiaram impeachment de Dilma

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Na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajou a Brasília para uma série de reuniões com lideranças políticas.

No final de sua passagem pela capital federal, foi recebido por um grupo de políticos do MDB liderado pelo ex-senador pelo Ceará Eunício Oliveira.

A foto de Lula ao lado de Eunício materializou um movimento que vem sendo feito pelo partido há algum tempo, mas que ainda deixa algumas pessoas intrigadas: por que o PT volta a buscar apoio de partidos e lideranças que, cinco anos atrás, apoiaram o impeachment da então presidente Dilma Rousseff?

O afastamento Dilma, em 2016, é considerado um dos maiores traumas do partido desde sua fundação, em 1980. O processo foi liderado por caciques do MDB como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (RJ) e beneficiou Michel Temer, que assumiu a presidência quando a petista perdeu o cargo.

Após a derrota, o PT adotou o discurso de que o impeachment foi um golpe que contou com a participação de traidores dentro da base que, até então, dava sustentação ao governo. Entre os partidos “traidores” estavam o MDB e o PSD, de Gilberto Kassab. Na votação na Câmara, 29 dos 37 deputados federais do PSD votaram pelo impeachment. No MDB, foram 59 dos 66.

Hoje, porém, o cenário parece ser outro. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é o homem a ser batido. Apesar de as pesquisas de opinião mais recentes mostrarem um alto índice de rejeição a Bolsonaro, analistas afirmam que sua eventual candidatura à reeleição deverá ser competitiva.

Por outro lado, Lula recuperou os direitos políticos em março deste ano após uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que anulou duas condenações contra ele no âmbito da Operação Lava Jato. Desde então, o petista vem liderando com relativa folga as principais pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022.

Apesar de afirmar que “ainda” não é candidato, o ex-presidente e o PT vêm se movimentando em busca de viabilizar uma eventual candidatura no ano que vem, o que, se acontecer, será sua sexta eleição presidencial. Mas como explicar a retomada de laços com partidos e lideranças que soltaram a mão do PT no seu momento mais crítico?

Deputados celebrando o resultado da votação pelo impeachment de Dilma Rousseff. 17.abr.2016

Pragmatismo e inimigo comum

Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo a palavra-chave é: pragmatismo. Segundo ele, para viabilizar a candidatura de Lula, o PT entende que é preciso passar por cima de eventuais rusgas do passado em prol de um objetivo maior que, hoje, seria vencer as eleições presidenciais contra Bolsonaro.

“Em política, há um ditado que diz que ninguém é tão amigo que não possa virar inimigo e ninguém é tão inimigo que não possa virar aliado. Isso é pragmatismo. Não se faz política profissional olhando para o retrovisor. Política se faz olhando para o para-brisa”, diz Melo.

O senador Humberto Costa (PT-PE), com quem o ex-presidente se encontrou em Brasília, confirma esse raciocínio.

“Hoje, a gente está olhando para a questão que é mais importante: vencer Bolsonaro. Desde o impeachment, nós já tivemos pontos de convergência com o MDB, por exemplo. O Brasil não aguenta mais quatro anos de Bolsonaro e vamos conversar com todo mundo que tenha compromisso com a democracia”, disse o parlamentar à BBC News Brasil.

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) foi um dos que participaram do jantar oferecido por lideranças do MDB a Lula. Na avaliação dele, o impeachment de Dilma não deve bloquear o diálogo com outros partidos.

“O impeachment é algo que nos fez sofrer. É algo do que a gente não esquece, mas isso não pode impedir o partido de conversar com outros atores políticos. Temos que dialogar com o maior número de forças possível”, disse Teixeira.

Em uma entrevista coletiva realizada na semana passada, o próprio ex-presidente disse que pretende manter conversas com as mais diversas forças políticas. Sai o termo “golpe” e entra a expressão “consertar esse país”.

“Eu vou conversar com todo mundo. Estou na fase de conversar com partido político, com movimentos sociais. Em algum momento, vou conversar com os empresários, com os intelectuais. Eu vou conversar com a sociedade brasileira porque consertar esse país não é tarefa de um partido político. É tarefa de muita gente”, disse Lula ao ser questionado sobre as conversas com o MDB.

Lula e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em encontro com o presidente do PROS, Eurípedes de Macedo. Partido compôs a coligação que reelegeu Dilma, mas seus deputados votaram em maioria pelo impeachment

Para o cientista político, professor e sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, a aproximação do PT com o MDB de Eunício Oliveira e o PSD de Gilberto Kassab sinaliza duas coisas. A primeira é que o PT aceitou o resultado do impeachment e se reorganizou a partir disso. A segunda é que eleger Lula é o projeto principal do partido.

“O PT, a despeito da retórica de golpe, aceitou o impeachment e entende que isso não será entrave para futuros acordos políticos. Não vai ser o passado que vai constranger esses acordo. Além disso, isso mostra que a meta principal do partido é reeleger Lula”, disse.

Dividir e conquistar

Melo e Cortez dizem que improvável que o MDB e PSD deem apoio ao PT no primeiro turno das eleições. Por isso, é importante manter interlocução com lideranças regionais que possam dar suporte formal ou informal à candidatura de Lula independentemente de qual será a posição oficial dos partidos.

“No Brasil, as lideranças regionais têm muito poder dentro dos partidos. É perfeitamente possível que o MDB apoie um adversário do PT nacionalmente enquanto candidatos da legenda ofereçam palanque para o ex-presidente nos estados. Isso deve acontecer com o PSD e outros partidos, também”, explica Carlos Melo.

“É mais ou menos aquela estratégia conhecida como ‘dividir e conquistar’. O PT quer aproveitar as fraturas internas dos partidos para conseguir apoios e, assim, se fortalecer”, diz Rafael Cortez.

Humberto Costa admite a estratégia.

“Estamos conversando com as lideranças em diversos níveis. A ideia é que a se gente não tiver o apoio formal, pelo menos podemos ter apoio nos Estados. O Nordeste é um exemplo disso. Os Estados vão ter um peso importante no apoio a Lula independente da posição dos partidos”, disse o senador.

Lula em encontro com o senador Cid Gomes (PDT-CE, à esquerda), irmão do também presidenciável Ciro Gomes, durante viagem ao Nordeste em agosto

Carlos Melo diz que a tendência é de que uma provável candidatura de Lula à presidência ganhe cada vez mais apoio de lideranças regionais à medida que ela se mostrar mais competitiva.

“Hoje, o PP tem Arthur Lira na presidência da Câmara e Ciro Nogueira na Casa Civil, todos próximos a Bolsonaro. Mas não se assuste se, em 2022, você vir candidatos do PP no palanque de Lula. Se a candidatura dele se mostrar viável, vai atrair cada vez mais apoio”, afirma Melo.

Ônus e bônus

Mas se por um lado a estratégia de “engolir” o impeachment para construir apoios em 2022 pode trazer vantagens, por outro ela também pode trazer algum ônus.

Dias depois do encontro do ex-presidente com lideranças do MDB, o pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes, atacou o ex-presidente em um vídeo postado em suas redes sociais questionando, justamente, a retomada dos laços com “os mesmos de sempre”.

“Será que Lula tem condições de governar bem hoje em dia? Digo isso porque ele não renovou as suas ideias nem aprendeu com os seus erros. É só ver que ele está se juntando com os mesmos de sempre, incluindo aqueles que derrubaram Dilma”, disparou Ciro Gomes.

Para Carlos Melo, o risco é calculado.

“Eu não creio que traga mais ônus do que bônus. Quem está na esquerda vai votar no Lula independente de quais sejam as alianças dele. Vai haver defecções, mas são insignificantes. Quem é contra, por outro lado, nunca irá votar nele. Esse movimento é destinado a quem está no centro, mas não é antilulista”, explica Melo.

Um ano antes das eleições, porém, o cenário em relação à disputa de 2022 ainda é repleto de incertezas. Analistas apostam que uma recuperação da economia pode dar novo fôlego a Bolsonaro e ainda existiria a possibilidade de um novo nome no cenário. Diante disso, que garantias o PT teria de que não seria “traído” novamente pelos mesmos partidos?

Rafael Cortez explica que, em política, esse tipo de garantia não existe. O máximo que o partido pode fazer é “minimizar esses riscos” tornando a candidatura de Lula cada vez mais competitiva.

“O principal caminho para minimizar esses riscos é fazer a candidatura (de Lula) mais forte. Se ela tiver competitividade, vai natural que as forças se políticas se reúnam em torno de quem, em tese, terá mais chance de chegar ao poder. Agora, se tem uma coisa que caracteriza a política é a incerteza quanto ao cumprimento de acordos. Não tem árbitro”, diz Cortez.

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Fonte bbc
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