Recibo apreendido pela PF revela que pai de Marcelo Miranda pagou por denúncia contra Sandoval nas vésperas de eleição
Denúncia teria sido feita próximo da eleição de 2014, quando Marcelo Miranda e Sandoval disputavam o governo do Tocantins. Brito Miranda teria pago R$ 700 mil para empresário.
Um recibo encontrado pela Polícia Federal aponta que Brito Miranda pagou por uma denúncia contra o ex-governador Sandoval Cardoso. O fato teria acontecido em setembro de 2014, dias depois de um avião ser apreendido em Piracanjuba (GO) com material de campanha e dinheiro ligados ao também ex-governador Marcelo Miranda. O objetivo seria amenizar o escândalo da apreensão pouco antes das eleições daquele ano, em que os dois políticos concorriam o governo do estado.
O recibo escrito à mão foi apreendido durante a Operação Reis do Gado, na casa de Brito Miranda, em setembro de 2015. Na época, Marcelo Miranda já era governador. Só que a informação só veio à tona nesta semana após a PF deflagrar a operação 12º Trabalho.
Marcelo Miranda, o pai dele, Brito Miranda, e o irmão, José Edmar Brito Miranda, foram presos na última quinta-feira (26). Apenas Brito Miranda, que tem 85 anos, teve uma fiança arbitrada e ganhou liberdade. A operação 12º trabalho apresentou diversos detalhes das investigações contra a família, como um suposto presente dado ao ex-presidente do Tribunal de Justiça, dossiês feitos contra policiais e até suposto envolvimento da família com assassinatos e atos de tortura.
No recibo apreendido pela PF um empresário declara ter recebido R$ 220 mil até a data de 08.09.2015. Atesta também que receberia mais R$ 480 mil entre 08.09.2015 e 15.06.2016. O nome de quem teria feito o pagamento está rabiscado, mas os agentes de inteligência da PF acreditam se tratar de “Dr. Brito”.
A Procuradoria da República sustenta que o empresário recebeu esta quantia, cerca de R$ 700 mil, para denunciar Sandoval Cardoso em um esquema de notas frias na Assembleia Legislativa, quando ocupou o cargo de presidente. Ele teria feito pagamentos por serviços não realizados.
Para o Ministério Público Federal (MPF), o interesse de Brito Miranda em expor a historia nas vésperas da eleição era diminuir o escândalo da apreensão do avião em Piracanjuba. Foi essa aeronave que acabou levando à cassação de Marcelo Miranda em 2018.
Segundo os procuradores, a denúncia sobre as supostas notas frias de Sandoval é grave e precisa ser investigadas. Só que a possibilidade de Brito Miranda comprar o depoimento do empresário, por um valor maior do que o próprio dinheiro encontrado no avião, revela a facilidade da Família Miranda em usar elevadas quantias em dinheiro escondidas ou em contas de laranjas para amparar os interesses da família.
A decisão que autorizou as prisões também cita que a Polícia Federal apreendeu em um cofre, na casa de Marcelo Miranda, um relatório confidencial e documentos sobre a vida pessoal de agentes da Polícia Civil que foram designados para acompanhar a apreensão do avião em Goiás. Inclusive informações sobre parentes destes policiais.
Para ter esses dossiês, segundo o MPF, está claro que Marcelo Miranda usou agentes de sua confiança. Isso demonstraria novamente a influência da família e uso do que se chama de contrainteligência para possíveis intimidações ou chantagens.
Outro lado
Marcelo Miranda continua preso no Comando Geral da Polícia Militar em Palmas e o irmão dele Brito Miranda Júnior está na Casa de Prisão Provisória de Palmas (CPP).
Sobre a denúncia do pagamento dos R$ 700 mil, a defesa da família Miranda diz que é difícil se posicionar sobre todos os fatos, principalmente os antigos, que já foram investigados e onde não se apontou qualquer participação do Brito Miranda. Disse ainda que desconhece a acusação.
O ex-governador Sandoval Cardoso que disse que “a verdade está vindo a tona e que está a disposição da Justiça.”
Operação
A operação 12º Trabalho, que levou à prisão do ex-governador Marcelo Miranda (MDB) em Brasília (DF), foi resultado de um trabalho conjunto entre o Ministério Público Federal e a Receita Federal. A ação busca cumprir 11 mandados de busca e apreensão, além das três prisões preventivas. Os prejuízos estimados são de mais de R$ 300 milhões.
De acordo com a Polícia Federal, a ação busca apurar um esquema para a prática constante e reiterada de atos de corrupção, peculato, fraudes em licitações, desvios de recursos públicos, recebimento de vantagens indevidas, falsificação de documentos e lavagem de capitais, sempre com o objetivo de acumular riquezas em detrimento aos cofres públicos.
O esquema
Conforme a decisão judicial, Brito Miranda, pai do ex-governador, e Brito Miranda Júnior, irmão, funcionavam como pontos de sustentação para “um esquema orgânico para a prática de atos de corrupção, fraudes em licitações, desvios de recursos, recebimento de vantagens indevidas, falsificação de documentos e lavagem de capitais, cujo desiderato [finalidade] era a acumulação criminosa de riquezas para o núcleo familiar como um todo.”
Os investigadores concluíram que os atos ilícitos eram divididos em sete grandes eixos, envolvendo empresas, fazendas, funcionários públicos e laranjas, “que se relacionavam organicamente entre si para o desenvolvimento exitoso das atividades criminosas, mas que funcionavam como grupos formalmente autônomos e independentes, sempre apresentando Marcelo Miranda, Brito Miranda e Brito Júnior como elo de ligação”.
A decisão aponta ainda que, durante as investigações, foram verificados episódios de falsificação de escrituras públicas e registros de imóveis vinculados à família para promover a ocultação e blindagem patrimonial. Também há indícios de ameaças a testemunhas, compra de depoimentos e destruição de provas.
A investigação ainda apontou a utilização de equipamentos de contrainteligência para dificultar e impedir a investigação pelas autoridades policiais. “Assim como a rara utilização do sistema bancário legalizado, consoante teria restado claro a partir do insucesso das medidas de bloqueio determinadas pelo eminente ministro Mauro Campbell Marques”, diz a decisão.
O texto da decisão afirma que a sucessão de atos de investigação não resultou no desmantelamento da organização criminosa, que continuaria em pleno funcionamento através de prepostos. A lavagem de dinheiro se daria pela aquisição de fazendas, aviões, veículos e gado mediante a ausência de escrituração em nome de laranjas.
Trajetória política
Marcelo Miranda foi eleito governador do Tocantins três vezes, sendo cassado duas vezes. Ele governou o estado entre 2003 e 2009 e entre 2015 e 2018. A última cassação foi por causa de um avião apreendido em Goiás com material de campanha e R$ 500 mil ligados a campanha do ex-governador em 2014.
Ele também foi eleito senador da República, mas não pôde assumir porque foi considerado inelegível.