Operação policial combate quadrilha que impõe monopólio na venda de cigarros no estado do Rio
A Polícia Federal (PF) e o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público do estado (Gaeco), deflagraram na manhã desta quinta-feira uma operação contra um grupo de criminosos ligados a bicheiros que impõem o monopólio na venda de cigarros em vários pontos do estado. Batizada como Operação Fumus, a ação conta com cerca de 300 policiais federais, divididos em 60 equipes, que tentaram cumprir 34 mandados de prisão — seis deles, contra policiais militares — e 75 de busca e apreensão expedidos pela 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Rio. Entre os alvos, estavam os irmãos Adilson Coutinho de Oliveira Filho, o Adilsinho, e Cláudio Coutinho de Oliveira, primos do bicheiro Hélio Ribeiro de Oliveira, o Helinho, presidente de honra da Acadêmicos do Grande Rio, e João Ribeiro de Oliveira, um dos irmãos do contraventor.
De acordo com as investigações, Adilsinho e Cláudio chefiam o bando e tratavam o esquema como “a banca da Grande Rio”, o que, segundo as investigações, demonstra ligação com a escola de samba. Procurada pela reportagem, a direção da Grande Rio — que não foi alvo dos mandados — disse que “não vai comentar”.
Quatro homens foram presos, incluindo os PMs Flávio Lúcio de Oliveira Lemos, o Bololó, e Adriano Teixeira Bastos, além de Carlos Henrique de Araújo, o Henrique Máquina, e Vitor Hugo Gonçalves da Silva Oliveira. Bololó foi preso em Caxias. O sargento fazia a segurança da quadrilha é apontado como uma figura extremamente violenta. Adilsinho, Cláudio e João Ribeiro não foram encontrados em casa, em prédios na praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, e são considerados foragidos. Os investigadores apuram se houve vazamento da operação, já que imagens de câmeras de segurança mostram os três deixando seus imóveis horas antes da ação policial.
Segundo as investigações, o grupo compra os maços de cigarro da marca C-One, da Companhia Sulamericana de Tabacos, na Baixada Fluminense, com notas fiscais adulteradas. A quadrilha obriga pequenos e médios comerciantes em praticamente todo o Rio a vender apenas a marca oferecida por ela. Investigadores identificaram que os cigarros eram fabricados em Duque de Caxias e eram levados em caminhões para centros de distribuição na própria cidade de Caxias e também em Campos, no Norte Fluminense, além da capital. Nesses locais, os cigarros eram repassados aos operadores, responsáveis pela entrega aos comerciantes finais. Os preços dos cigarros são tabelados, e os empresários são proibidos de venderem outras marcas. Caso eles descumprissem as ordens, seus comércios eram roubados.
De acordo com as investigações, o rendimento mensal do grupo seria de cerca de R$ 1,5 milhão. Só desde de 2019, estima-se que a quadrilha teria movimentado mais de R$ 45 milhões. Além do esquema de cigarro, o grupo teria ligação com o jogo do bicho e máquinas caça-níquel. Os alvos responderão por organização criminosa, extorsão, roubo, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes tributários.
Policiais militares e civis envolvidos
As investigações indicam que pelo menos seis policiais estão envolvidos no esquema e foram denunciados. São eles: Aloísio de Souza, Flávio Lúcio de Oliveira Lemos, Adriano Teixeira Bastos, Claúdio Luiz Stolet Herdy, Marco Antônio Casado Lima e Wallace Soares Gonçalves.
João Ribeiro de Oliveira e Márcio Roberto Braga, segundo os promotores, eram responsáveis pelo segundo escalão do grupo criminoso. Era de incumbência deles o controle dos estoques de cigarro e a definição da quantidade de cigarros destinadas aos “operadores” – que são os responsáveis pela entrega do produto aos comerciantes finais, vítimas de extorsões e roubos. Era de responsabilidade deles a contabilidade do dinheiro arrecadado. Os investigadores afirmam que 70% do lucro ficava com Adilson Coutinho de Oliveira Filho, o Adilsinho, e Cláudio Coutinho de Oliveira, e os outros 30% com João, Wallace e Márcio.
Segundo os promotores, “a organização criminosa se utiliza de fiscais e seguranças para ameaçarem comerciantes que vendem marcas que não aquelas da quadrilha, bem como aqueles que compram cigarros de pessoas não ligadas ao grupo criminoso e/ou descumprem o tabelamento de preços”.
Aqueles comerciantes que, nas áreas de influência do bando, optam por vender cigarros diversos daqueles comercializados pelos denunciados, têm suas mercadorias “apreendidas”, além de serem ameçados. Segundo a denúncia, tal “apreensão” corresponde a um roubo, pois integrantes do bando levam, mediante grave ameaça, os cigarros dos comerciantes.
Segundo a denúncia do MP, um dos integrantes do grupo, José Moacyr Fernandes de Oliveira, o Cabeça, pagava propina a policiais para permitir o comércio dos cigarros. Promotores afirmam que existe uma “clara a existência pagamentos ilícitos a agentes públicos corruptos para que deixassem de reprimir os delitos praticados pelo bando”. Delegacias e batalhões eram chamados em códigos. Casa Amarela eram as delegacias e Casa Azul os batalhões.
Cabeça tinha contato direto com os policiais civis Rafael dos Santos Ludovice, que em 2019 eral lotado na 59 DP (Caxias), e Ricardo Perrota de Carvalho, então lotado na 62ª DP (Imbariê). Ambos foram alvos de mandados de busca e apreensão e estão na mira da Corregedoria da Polícia Civil. A instituição pediu o compartilhamento das provas contra os agentes.
O Gaeco afirma que José Moacyr tinha contatos com policiais na 59ª DP (Duque de Caxias) e 62ª DP (Imbariê) para intermediar a liberação de cigarros apreendidos. Em conversas o suspeito orienta Henrique da Silva Turques a procurar um agente da 59ª DP, após um carregamento de cigarros ser apreendido. Em outra ligação, Cabeça conversa com uma policial militar que conta ao criminoso como a quadrilha deveria reagir em caso de uma abordagem. Ele também teria pago R$ 12 mil de propina para um batalhão e outros R$ 3 mil para uma delegacia.
A quadrilha também se aliou a milicianos e traficantes para expandirem seus negócios, segundo a investigação. Atualmente a atuação do bando é em bairros da Zona Oeste, Norte e Ilha do Governador. Além de Campos, Duque de Caxias, Macaé, Magé, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Paty do Alferes, Rio Bonito e São Gonçalo.
Delação premiada ajudou promotores
Um empresário fez uma delação premiada ao MP e deu detalhes da atuação do bando. Ele relatou duas apreensões de cigarros que acabaram sendo liberadas com a ajuda de um policial civil da 62ª DP.
O comerciante contou que, inicialmente, foi ameaçado pelo grupo criminoso e, depois, obrigado a vender apenas a marca de cigarros dos criminosos. Ele afirmou, ainda, que passou a ser um dos “operadores” do grupo, que distribuía os cigarros para os comerciantes obrigados a comercializar os produtos. No entanto, após um desentendimento dentro do bando, em 2019, o empresário passou a ser ameaçado de morte e entrou no Programa de Proteção à Testemunha do governo do estado..
No dia em que ele prestou depoimento aos promotores, criminosos foram à sua casa e ao seu estabelecimento comercial, roubando tens da sua loja.