MPF cita suposto envolvimento em assassinatos e tortura para pedir prisão de ex-governador do TO
Delator afirmou que crimes ocorreram em 2013 numa fazenda no PA que pertencia à família de Marcelo Miranda, detido nesta quinta por suspeita de desviar R$ 300 milhões. Justiça considerou delação para decretar prisão preventiva.
Um delator apontado nas investigações como laranja da família do ex-governador do Tocantins Marcelo Miranda, preso pela Polícia Federal nesta quinta-feira (26) ao lado do pai e do irmão, disse ao Ministério Público Federal (MPF) que o político esteve envolvido em três assassinatos e atos de tortura e cárcere privado cometidos em 2013, em uma fazenda no Pará. Os autores seriam policiais militares designados para fazer a segurança de uma propriedade dos Miranda no estado.
Esse foi um dos motivos apontados pelo MPF para pedir a prisão preventiva do ex-governador. Ao lado do pai, José Edmar Brito Miranda, e do irmão, José Edmar Brito Miranda Junior, ele é suspeito de integrar uma organização criminosa que teria causado prejuízo de R$ 300 milhões aos cofres públicos. Entre os crimes investigados estão corrupção, fraude em licitações e desvio de recursos públicos.
Marcelo Miranda, Brito Miranda e Brito Miranda Júnior não estão inseridos na ação penal que trata dos assassinatos e tortura. Mas, conforme a decisão que autorizou as prisões, o conteúdo da delação deve ser ser levado em conta para prevenir interferências nas investigações e garantir “ordem pública”.
O G1 pediu informações sobre o andamento do processo à Justiça do Pará e um posicionamento para Polícia Militar e aguarda resposta. Procurada, a defesa do ex-governador não quis comentar.
De acordo com o delator Alexandre Fleury, os assassinatos citados por ele em depoimento ocorreram em uma propriedade na zona rural de São Félix do Xingu (PA). Ele contou aos investigadores do MPF que, embora a Fazenda Ouro Verde estivesse em seu nome, os donos de fato das terras são os membros da família Miranda.
Na delação, Fleury declarou que teve um desentendimento com os Miranda por causa da posse da fazenda. Por esse motivo, o delator teria pedido a um ex-funcionário que fosse à propriedade ver se Brito Miranda Junior estava no local. Lá, ao lado de alguns funcionários que o acompanhavam, o homem acabou entrando em confronto armado com policiais militares convocados pela família do ex-governador.
Dois homens morreram e um terceiro nunca foi encontrado. Ainda segundo Fleury, outros dois foram capturados e sofreram tortura. Os autores dos crimes seriam os militares, que queriam obter informações.
As investigações apontaram que os indivíduos assassinados ou torturados haviam sido contratados pelo delator para retomar a fazenda.
A decisão de prisão do ex-governador e seus familiares diz o seguinte: “Segundo alega o Parquet [MPF], a propriedade de fato das terras, somada ao intuito de defendê-las à força, teria movimentado a família Miranda a solicitar o envio de um destacamento da Polícia Militar do Pará, mediante o uso de sua influência política, embora não exercessem, à época dos fatos, qualquer cargo eletivo”.
Em depoimento, militares confirmaram essas informações.
O MPF aponta que “os crimes de tortura, cárcere privado e de homicídio teriam sido praticados por policiais militares cujo deslocamento para a Fazenda Ouro Verde fora determinado por capitão da PM”.
Atualmente, respondem criminalmente pelos assassinatos e tortura os militares que teriam participado dos assassinatos, além do gerente da fazenda.
As prisões nesta quinta
O ex-governador Marcelo Miranda foi preso em Brasília na manhã desta quinta durante a operação 12º Trabalho, da PF. Brito Miranda foi detido em um apartamento de Palmas, e Brito Miranda Júnior, em uma fazenda em Santana do Araguaia (PA).
A defesa da família informou que não há fundamento para um decreto de prisão: “São fatos antigos, requentados e já reprisados na denúncia ofertada na operação Reis do Gado. Ação penal que, embora se tenha apresentado defesa, até o momento não há decisão”.
O ex-governador chegou a Palmas pouco depois do meio-dia desta quinta e deverá ficar detido em sala do estado maior a ser indicada pelo Comando-Geral da PM do Tocantins.
O pai do ex-governador, José Edmar Brito Miranda, vai poder responder ao processo em liberdade. O juiz federal João Paulo Abe estipulou uma fiança no valor de 200 salários mínimos, cerca de R$ 200 mil. O juiz levou em consideração a idade avançada, de 85 anos, e o estado de saúde do investigado.
Entenda a operação
O nome da operação que resultou na prisão do ex-governador do Tocantins faz referência ao 12º trabalho de Hércules, seu último e mais complexo desafio, que consistia em capturar Cérbero.
Conforme a decisão judicial, Brito Miranda, pai do ex-governador, e Brito Miranda Júnior, irmão, funcionavam como pontos de sustentação para “um esquema orgânico para a prática de atos de corrupção, fraudes em licitações, desvios de recursos, recebimento de vantagens indevidas, falsificação de documentos e lavagem de capitais, cujo desiderato [finalidade] era a acumulação criminosa de riquezas para o núcleo familiar como um todo.”
Os investigadores apontaram ter encontrado um sofisticado e bem articulado esquema de compra de bens e uso de laranjas para esconder o dinheiro obtido com desvios públicos. É o que chamaram de “blindagem patrimonial”.
O ministro Mauro Campbell, por exemplo, chegou a determinar medidas cautelares de bloqueio de bens do ex-governador, no contexto da operação Reis do Gado. Porém, não foram encontradas propriedades suficientes. Em uma nova tentativa de bloqueio, em 2019, nas contas dele foram encontrados apenas R$ 256,29.
Cassações e outras operações
Marcelo Miranda foi eleito governador do Tocantins três vezes, sendo cassado duas vezes. Ele governou o estado entre 2003 e 2009 e entre 2015 e 2018. A última cassação foi por causa de um avião apreendido em Goiás com material de campanha e R$ 500 mil ligados a campanha do ex-governador em 2014.
Ele também foi eleito senador da República, mas não pôde assumir porque foi considerado inelegível.
Marcelo Miranda já foi alvo de diversas investigações das Polícias Federal:
- Reis do Gado (2016): investigou um esquema de lavagem de dinheiro e fraudes em licitações públicas. Miranda chegou a ser conduzido coercitivamente para prestar depoimento no caso. Parentes dele foram indiciados, inclusive o pai, Brito Miranda.
- Marcapasso (2017): apurou fraudes em licitações, cobrança por cirurgias na rede pública e até a realização de procedimentos desnecessários em pacientes para desviar recursos. O ex-secretário estadual da saúde Henrique Barsanulfo Furtado foi um dos indiciados.
- Convergência (2017): Miranda foi indiciado em ação sobre fraude em contratos para construção de rodovias.
- Pontes de Papel (2018): investigou desvios destinados à execução de construção de pontes e rodovias no estado.
- Lava Jato: um delator da Odebrecht disse que Miranda recebeu R$ 1 milhão para campanha em 2014.
- Em 2019, o ex-governador também foi indiciado pela Polícia Civil em um inquérito que apura a existência de servidores fantasmas no governo do Tocantins.