Ultrapar: a revolução silenciosa de Lutz, ex-Cosan, e Pátria no conselho
Acionistas herdeiros inovam na forma de aumentar "o olho do dono" no comando dos negócios
A Ultrapar, um dos grupos industriais mais tradicionais do Brasil e com receita anual superior a R$ 80 bilhões, convocou os acionistas para a tão aguardada eleição do conselho de administração de 2021. A assembleia foi marcada para 14 de abril. A lista representa passos muito importantes daqueles que comandam a gestão, os dois núcleos da família Igel, herdeiros do fundador Pery Igel organizados nas holdings Ultra e Parth. Juntas, elas possuem 33,5% do negócio e são os acionistas de referência, ou seja, exercem uma espécie de controle minoritário.
O conglomerado patina na bolsa desde 2018, como se houvesse uma âncora em volta dos R$ 20 bilhões de valor de mercado — menos da metade dos R$ 45 bilhões que chegou a valer nos áureos tempos — e todas as vezes que consegue sair desse patamar, retrocede em seguida. Mas se a companhia mudou pouco de lá para cá, qual é o problema? Justamente esse. O mercado, cada vez mais, privilegia crescimento. É imperativo para manter-se na coqueluche. Na carteira do grupo, estão Ultragaz, Ultracargo, Oxiteno, Ipiranga e Extrafarma (uma tentativa de trazer expansão que não funcionou exatamente como almejado na largada).
Além de Marcos Lutz, ex-presidente da Cosan, amplamente aguardado desde que o EXAME IN antecipou sua chegada em setembro de 2020, há dois nomes da gestora de recursos Pátria Investimentos na chapa sugerida. Até então, apenas Alexandre Saigh tinha assento no colegiado. Agora, Otávio Castello Branco Neto também será conselheiro.
O Pátria iniciou a entrada no negócio em 2018, com uma pequena fatia de 1% na holding Ultra. Em seguida, comprou a participação de Paulo Cunha e herdeiros e, por fim, em agosto do ano passado adicionou ao acordo de acionistas papéis de Ultrapar que havia comprado diretamente na bolsa.
Com isso, a fatia de Ultra e Parth, que chegou a ser inferior a 28% no primeiro semestre de 2020, agora supera 33%, e está de volta aos patamares próximos de quando houve a migração para o Novo Mercado.
Com a lista estruturada para o mandato que começa em 2021, a família Igel conseguiu um feito, algo difícil de se alcançar ao mesmo tempo: aumentar a diversidade e a especificidade de conhecimentos dentro do conselho e, ao mesmo tempo, a presença dos acionistas de referência na gestão. E tudo isso, com nomes reconhecidos e respeitados pelo mercado pelas suas trajetórias.
A participação de indicados pelos acionistas de referências no grupo de 11 membros passou de três, na chapa de 2019, para cinco. Ou seja, a cereja do bolo foi ter feito toda essa modificação e junto ampliar “o olho do dono” no negócio. Os outros dois são os nomes mais tradicionais da lista: o chairman Pedro Wongtschowski e Lucio de Castro Andrade. Ambos representam a tradição dos executivos de longa atuação no grupo, tal qual como Paulo Cunha.
No lugar de o mercado tomar a Ultrapar, a família tomou o mercado, trouxe para dentro o que julgava ser a carência. É bem verdade que a pressão do valor em bolsa existe, mas a família deu seu recado de que também está incomodada — ou seja, alinhada com os investidores — e em busca de melhorias e novidades. Sabe que precisa renovar o portfólio de ativos e também está bastante ciente dos desafios da Ipiranga. Lutz, pelas informações do formulário de referência, ainda não adquiriu participação na holding Ultra, mas a ideia é que o faça, para ficar alinhado tal todos os demais.
Outra mudança na composição dessa chapa é a saída de Alexandre Silva, que é o chairman da Embraer há diversos anos e era considerado independente. O grupo Monteiro Aranha também modificou sua indicação e contribuiu para o aumento de competências. Apesar de não integrar o acordo de acionistas, os Monteiro Aranha sempre indicam um nome para a chapa e, neste ano, foi José Luiz Alqueres — para lá de famoso no setor de energia.
De alguma maneira, Alqueres complementa os conhecimentos industriais de Lutz, que vem da Cosan, o conglomerado de Rubens Ometto que guarda diversas semelhanças com Ultrapar. Só que, diferentemente, enquanto Ometto está em um bom momento com os investidores, a gestão da Ultrapar enfrenta questionamentos.
O balanço do quarto trimestre de 2020 só confirmou as necessidades. O mercado reagiu mal aos números e as ações tiveram forte queda em seguida. No consolidado, Oxiteno ajudou a salvar a forte queda da Ipiranga. Exatamente o contrário do que os investidores queriam ouvir. Ipiranga é core business e Oxiteno é a operação à venda.
A receita líquida total de outubro a dezembro caiu apenas 2% na comparação anual, para R$ 23,2 bilhões. Até aí, tudo mais ou menos em linha com as expectativas, dados os desafios de 2020. Mas a rentabilidade começou a ser perdida já na margem bruta. Enquanto todos os negócios recuperaram margem, a Ipiranga perdeu, com uma queda de 6% no lucro bruto. Quando chegou no Ebitda, a coisa piorou: o consolidado total caiu 8%, para R$ 875 milhões. O problema maior desse número é que Oxiteno e Extrafarma, com crescimentos de Ebitda superiores a 100%, ajudaram a compensar uma redução de 24% na Ipiranga. Mesmo com a queda, a Ipiranga ainda respondeu por 57% do Ebitda do quarto trimestre.
O mercado quer melhorias na Ipiranga e também uma diversificação de portfólio que traga crescimento mais acelerado. A expectativa é que Lutz e Pátria consigam contribuir para os avanços que os acionistas de referência querem tanto quanto o mercado. A paciência de cada um, porém, pode ser diferente. Embora todos estejam cientes dos esforços e em acordo, a pressão e ansiedade podem aumentar, e não diminuir.