Proposta de reforma do Imposto de Renda retira recursos do próprio Tesouro
'A mudança pode ser um tiro no pé', afirma economista
Entre as medidas previstas pelo governo na reforma do Imposto de Renda, está a que prevê acabar com a modalidade chamada Juros sobre Capital Próprio (JCP), justamente a forma mais usada pelas estatais federais para remunerar o Tesouro Nacional por seu lucro.
De 2017 a 2020, uma média de 73% por ano dos resultados pagos pelas estatais ao governo federal foi justamente por meio desse instrumento. Em média, entram R$ 10,5 bilhões por ano nos cofres da União em remuneração paga pelas estatais – sendo quase R$ 3 bilhões na forma de dividendos e R$ 7,6 bilhões a título de JCP.
Especialista em tributação, o economista José Roberto Afonso afirma ter certeza que a União vai perder recursos porque ninguém recebe mais JCP no País do que o próprio Tesouro, considerando as empresas em que é controlador. Segundo ele, é provável, então, que o Tesouro queira antecipar a entrada desses recursos em 2021. “Muitos contribuintes, se a reforma passar como está, anteciparão distribuição, inclusive estatais federais. Essa é uma hipótese forte”, afirma Afonso.
O projeto não acaba, na prática, com JCP, mas desestimula o seu uso pelas grandes empresas. As companhias não vão poder mais deduzir o que pagam a seus acionistas, por meio do JPC, do IR a desembolsar. Já a distribuição de dividendos, outra forma de remunerar o acionista, será taxada com uma alíquota de 20%. Hoje, essa operação é isenta de tributos.
A diferença, explica o economista, é que os recursos do JCP entram “livres” para o caixa do Tesouro. Por outro lado, quase metade (48%) da arrecadação do IR é partilhada com Estados e municípios, por meio dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), fora os recursos vinculados à educação e à saúde.
“A mudança pode ser um tiro no pé. Quem escreveu o projeto, esqueceu de perguntar para o Tesouro”, diz Afonso, ao comentar o projeto, que tem recebido muitas críticas do setor financeiro e das grandes empresas, que declaram o imposto pelo lucro real.
O levantamento do pagamento de dividendos foi feito pelo consultor do Senado, Leonardo Ribeiro, em parceria com José Roberto. Em 2019, do total de R$ 21,5 bilhões pagos pelas estatais federais à União, R$ 14,3 bilhões foram de JCP.
Ribeiro ressalta que reformas dessa magnitude, como a do Imposto de Renda, é preciso avaliar todo o seu conjunto e os seus efeitos colaterais. Ele suspeita que o governo não tenha levado esse problema em conta na hora de fechar o projeto. Afonso alerta que um projeto desse tipo não pode ser votado às pressas, como quer o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Afonso chama atenção para o fato de que os dividendos servem como sinalização para o pagamento de participação do lucro aos diretores das estatais e até mesmos aos funcionários. Como poderá haver, no futuro, mais pagamento de dividendos, a tendência é de aumento da participação dos lucros aos diretores e funcionários.
Estudo feito por Afonso há cinco anos mostrou que as empresas que mais pagavam JCP, além das estatais, eram os bancos, seguradoras, extrativistas, como a Vale, as de energia e as telefônicas.
Procurado o Tesouro, diz que não há problema porque, sob a ótica da União, o recebimento da remuneração ao acionista como JCP ou dividendos é indiferente. “Isso se deve ao fato de que tanto a receita do JCP como a receita de dividendos estão vinculadas ao abatimento da dívida pública”, respondeu o Tesouro.
Além disso, segundo o órgão, a União possui imunidade tributária e, portanto, não está sujeita a tributação de IR sobre os JCPs recebidos. O Tesouro diz que não fez pedido às estatais para antecipar resultados. “É uma prerrogativa dos conselhos de administração das companhias”, afirma.
Já o BNDES informou que não considera a antecipação dos resultados ao Tesouro este ano. O Banco do Brasil afirmou que sua política de remuneração foi aprovada em janeiro e prevê a distribuição de 40% do lucro. Caixa e Petrobrás não responderam.