Isentas de IR: há mais debêntures incentivadas no mercado e a preços menores; oportunidade ou não?
Algumas gestoras de fundos aproveitaram para ir às compras; remuneração atrativa chama a atenção de gestores
Quem busca investimentos isentos de Imposto de Renda (IR) pode ter recebido com surpresa o maior volume das chamadas debêntures incentivadas disponível para negociação nos últimos dias no mercado secundário, em que os investidores negociam os papéis entre si (sem envolver a empresa responsável pela emissão do ativo).
Em paralelo ao aumento da quantidade de debêntures incentivadas disponíveis para negociação, houve um recuo nos preços dos papéis.
Uma parte do que se vê no aumento das ofertas no mercado secundário pode ser explicada pelas vendas de debêntures incentivadas que bancos mantinham em carteira. Segundo Marcelo Lara, gestor da Journey Capital, muitas instituições que adquiriram esses papéis em ofertas primárias nos últimos meses estão se desfazendo deles só agora porque, por regulação do mercado, são obrigados a manter as debêntures incentivadas consigo por três meses – um período conhecido como lock-up.
Os bancos acabaram acumulando os papéis ao longo de 2022 porque as taxas oferecidas nas ofertas primárias dos últimos meses tinham prêmios (juros adicionais) muito “amassados” – ou baixos, segundo Felipe Vidal, gestor de renda fixa da Sparta. Como as taxas oferecidas nas ofertas não estavam atrativas, as emissões apresentavam demanda de investidores menor do que o esperado – e os bancos acabavam mantendo, eles próprios, uma boa parcela das novas debêntures incentivadas emitidas.
“Teve oferta em que os bancos ficaram com 70% a 80% das debêntures incentivadas”, diz o especialista da Sparta. Como as ofertas tinham o lock-up de três meses, finalizado esse período, eles precisaram vender os para evitar ficar no prejuízo, segundo Vidal. Para ele, esse foi o fator que mais impulsionou o aumento das ofertas de debêntures incentivadas no mercado secundário.
Segundo documentos compilados pelo Itaú BBA, as saídas de lock-up de ofertas do tipo CVM 476 (voltadas para investidores profissionais, ou seja, com mais de R$ 10 milhões aplicados) de debêntures incentivadas somaram R$ 1,4 bilhão apenas na semana passada, entre os dias 10 e 15.
Outro fator que parece pesar na conta é a migração de pessoas físicas de investimentos atrelados à inflação para aplicações que oferecem o CDI (taxa de referência da renda fixa e que acompanha de forma bem próxima a Selic) mais uma taxa, acrescenta Lara, da Journey.
Com a inflação negativa (deflação) vista nos três últimos meses e o carrego ruim para os papéis, muitos investidores pessoa física optaram por se desfazer de títulos atrelados à inflação, o que diminuiu a demanda compradora por papéis desse tipo no mercado.
Oportunidade ou não? Gestores se dividem
O aumento da oferta de debêntures incentivadas também levou à subida dos spreads (juros a mais que o investidor recebe por alocar em um papel do que receberia em um título público). Como a oferta está um pouco maior do que a demanda, os investidores começam a pedir juros mais elevados para se dispor a comprá-las. Por isso, a taxa do spread tende a subir, afirma Vidal.
Diante de uma oferta maior no secundário, preços mais baixos e juros mais atrativos, a avaliação do executivo da Sparta é de que o momento é bom para quem deseja investir. “Do lado da compra, muitos ativos estão num preço atrativo para fundos tradicionais comprarem”, afirma Vidal, que diz que a casa foi às compras nos últimos dias.
Na visão dele, as novas ofertas (primárias) também devem buscar um nível de spread mais atrativo do que os vistos quatro meses atrás. “Quando o secundário está com prêmio elevado, ninguém vai querer comprar no primário se ele não tiver uma taxa em linha com o secundário”, completa o gestor da Sparta.
Ao olhar para os setores, Vidal chama a atenção para a necessidade de cautela com o setor de concessões de rodovias, porque ele é mais sensível ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e as perspectivas para o ano que vem são de uma expansão menor. Na avaliação do especialista, o setor pode sofrer com uma queda grande no fluxo de veículos.
Outro segmento que deve ser acompanhado com cautela é o de telecomunicações, afirma Lara, da Journey, que não possui nenhuma alocação no setor. “A estrutura de capital é de empresas menores e que ainda estão se ajustando. Muitas estão prestes a fazer um IPO [abrir capital] e precisam emitir ações. Várias estão com muitas dívidas”, avalia o gestor.
O gestor também afirma que está mais seletivo com os papéis do setor de saneamento, porque há muitas empresas endividadas e que ainda precisam realizar muitos investimentos.
Ainda que esteja mais criterioso, Lara acredita que o momento é oportuno para alocar em ativos atrelados à inflação, caso das debêntures com isenção de IR para pessoa física.
“A pessoa está comprando juro real numa taxa muito alta. Quando a curva fechar, ela pode ganhar com esse movimento. Os meses de deflação já passaram”, destaca Lara, ao dizer que as projeções de economistas para os próximos meses é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) volte a ficar no campo positivo.
A ideia do executivo da Journey é de que o investidor consiga obter ganhos de capital com a chamada marcação a mercado. Na prática, entre a data de aplicação e o resgate, o preço dos papéis de renda fixa varia diariamente de acordo com as condições de mercado e das taxas de juros.
Se os juros caírem, a tendência é de que o preço dos papéis suba no futuro. Com isso, os investidores podem vendê-los antes do vencimento por um preço maior que o da compra.
Na carteira recomendada do Itaú BBA deste mês, Ciro Matuo, head de renda fixa na área de research da casa, sugeriu papéis ligados ao setor de energia, como Engie (EGIE17) e Neoenergia (NEOE26). Companhias do setor de concessão, como a Rota das Bandeiras (CBAN52 e CBAN72), e de malha ferroviária, caso da Rumo (RUMOB5 e RUMOB6), completam o portfólio.
Os títulos selecionados possuem vencimento entre 2024 e 2036. A maior parte dos papéis apresenta o nível mais alto de rating entre as agências de classificação (AAA).
Embora a maior parte dos gestores ouvidos pela reportagem tenha defendido que o momento é favorável para alocar, há quem acredite que ainda é preciso ver uma melhora maior nos spreads.
Marcelo Urbano, CIO na Augme Capital, afirma que a casa olhou se havia oportunidades deixando de lado o efeito da isenção de Imposto de Renda, que não vale para a aquisição de papéis por fundos, e verificou que a atratividade era baixa.
Para exemplificar, a casa cita o caso da Light, uma empresa que é acompanhada de perto pela gestora, diz Nelson Christofi, portfolio manager na Augme. Segundo ele, em certo momento, a debênture da empresa estava oferecendo um retorno abaixo do CDI, o que não é atrativo, especialmente em um cenário de Selic elevada.
Mercado de debêntures incentivadas forte nos próximos meses
Para além do mercado secundário, a expectativa é de que as emissões no mercado primário sigam expressivas daqui para frente. Em relatório, Altair Pereira, Caio Lombardi, Andre Sonnervig, do Bradesco BBI, destacaram que o volume de emissão de títulos de renda fixa com isenção para pessoas físicas, como debêntures incentivadas deve seguir forte, mesmo diante da perspectiva de queda da taxa de juros no ano que vem.
Segundo Relatório Focus, divulgado nesta semana pelo Banco Central, as expectativas para a Selic se mantiveram em 13,75% ao ano em 2022, 11,25% em 2023, e 8% em 2024 e 7,75% em 2025.
Pelo lado da oferta, os três especialistas do Bradesco BBI defenderam que a menor participação do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) no financiamento das companhias e o custo competitivo na emissão de instrumentos de dívida frente ao crédito bancário deverão manter elevada a oferta de títulos de dívida como debêntures.
Já sob a ótica da demanda, a equipe de análise acredita que os investidores locais seguirão mais propensos a investir em renda fixa em detrimento de ativos mais arriscados como ações, fundos multimercados, etc mesmo assumindo um patamar de juro mais baixo.