Dinheiro “árabe” e meta de 40% do mercado: a implosão da Itapemirim
Sidnei Piva, presidente do grupo, afirmava meta de ter 40% dos voos domésticos; empresa chegou a lançar fintech para “monetizar” passageiros
A ITA Transportes Aéreos, linha aérea da Itapemirim, anunciou nesta sexta-feira a suspensão de operações. Mesmo afirmando se tratar de algo temporário, a empresa não deu um prazo para quando iria retomar os voos. Passageiros informaram ao G1 que até mesmo malas foram despachadas pouco antes do anúncio da paralisação. O cenário atual parece um giro de 180 graus diante da meta proposta pela companhia no início da operação, em junho deste ano: conquistar a liderança do mercado brasileiro e fazer voos para a Europa. Até fintech a companhia lançou, com foco em oferecer crédito a 2,5 milhões de clientes.
Quando começou a operação comercial, a companhia prometia ter 35 destinos e 50 aeronaves. O objetivo era ter 40% do mercado, segundo Sidnei Piva, presidente do conglomerado. Para o início do plano ambicioso, o foco seria no Airbus A320 ceo, com 162 assentos – o mesmo modelo usado pela Avianca Brasil, que teve falência decretada há quase um ano.
A EXAME participou do primeiro voo comercial da empresa, que partiu de Guarulhos e foi a Brasília. A viagem tinha um pé na “moda antiga”, uma vez que a empresa não era compatível com smartphones e não contava com app para controlar a própria viagem. A única maneira de fazer check-in era como se fazia antes, direto no balcão do aeroporto. Ao G1, passageiros relataram que não havia ninguém no aeroporto para atendê-los diante do anúncio de paralisação – o que torna a comunicação ainda mais complicada no momento atual.
De olho no custo-benefício, a proposta da ITA era oferecer algo bem mais barato do que as rivais. Para ter uma ideia, na estreia, passagens de ida e volta de São Paulo a Brasília estavam pouco abaixo de 1.000 reais, contra cerca de 1.500 reais de Azul, Gol e Latam para os mesmos trechos. Pouco após começar as vendas, a Itapemirim já oferecia bilhetes até 65% mais baratos quando comparados à concorrência. Pouco depois de começar a operação comercial, a companhia anunciou remarcações e cancelamentos por causa da “readequação da malha aérea”.
Em termos de oferta, a proposta era a de oferecer oito destinos, com previsão de chegar a 35 cidades brasileiras ainda em 2021 e partir de cinco para 50 aeronaves até o fim de 2022. Como diferenciais, a ITA prometia serviços de bordo premium e intermodalidade com ônibus. “Será algo visto apenas na Varig ou na Emirates”, disse Sidnei Piva, em junho.
Até agosto, haviam sido transportados 79.529 passageiros, aumento de 105% quando comparado a julho, o primeiro mês de voos comerciais da empresa. Para encorajar clientes, a empresa fez promoções em setembro deste ano, cobrando R$ 135 por passagem com direito a bagagem. O desconto foi ofertado na Semana do Cliente, tradicional data de descontos no país.
Aos mais céticos, a empresa já apresentava certo risco desde o momento em que iniciou a operação comercial, uma vez que a controladora (a Itapemirim) está em recuperação judicial. Antes do início da operação comercial, EXAME fez uma entrevista com o CEO da Itapemirim, a fim de entender melhor alguns dos pontos que colocavam sob risco a existência da nova empresa. Veja abaixo:
- O que motivou a criação da Itapemirim Transportes Aéreos? É considerada uma divisão do grupo ou é uma empresa totalmente nova?
“É uma divisão, mas é uma nova empresa. É uma divisão, porque a gente entende que o grupo tem essa proposta de intermobilidade, com diversos modais ‘conversando’ um com outro. Por outro lado, é uma nova companhia, que vem totalmente separada das outras, com outro CNPJ.
Nossa motivação começou no fim de 2016 para 2017. Naquele momento, os custos de uma companhia aérea eram muito altos e, além disso, o projeto começou com a Bombardier, mas, no meio [do processo] eles foram vendidos para Airbus e nossa ideia acabou ficando desfigurada.
Não deu para dar continuidade, porque o investimento maior era da Bombardier. Mas o sonho não acabou: diminuímos a equipe, trabalhamos e aperfeiçoamos o plano. Pensamos em uma companhia regional e pequena, mas fomos modificando à medida que o grupo rodoviário começou a ter ascensão dos negócios.
Na pandemia, ficou um grande vácuo no mercado no mundo inteiro. Todos setores de transporte ficaram parados e surgiu a oportunidade de negócio. Já tínhamos o conceito de investimento e fomos buscar oportunidade.
Conseguimos montar todo o processo em uma qualidade superior de aeronave e isso nos deu a possibilidade de criar uma companhia de grande porte para atender todo país. Optamos pela Airbus e começamos a trabalhar todo o processo de evolução”.
- Então, com CNPJ separado, essa empresa fica isenta das questões relacionadas ao processo de recuperação judicial que o Grupo Itapemirim enfrenta?
“Totalmente. Apesar de que a recuperação judicial se torna insignificante agora. Neste mês, sairemos. Porque é o tempo estipulado por lei para fazer o levantamento. Então, o Grupo Itapemirim, a partir do dia 24, já não terá mais o título de recuperação judicial, que é muito importante, e já será considerada uma empresa saindo do processo. Isso é importante, porque mostra o sucesso da companhia e a credibilidade, para os investidores, por entender que a empresa fez um trabalho sério na recuperação judicial.
É uma das poucas empresas que entraram em uma grave crise em 2016 e que saem como um dos maiores cases de sucesso em 2021. Na verdade, é a única que conseguiu esse grande feito. Saímos abaixo da linha vermelha em termos de riscos e chegamos, agora, como empresa desejada e procurada por diversos grupos de investimento.
É muito gratificante. Tem que ser exaltado por todos os brasileiros porque vem de competência, trabalho e dos fundos internacionais de acreditaram no projeto da Itapemirim. Entenderam que o projeto é viável e que o país também. [Eles] vêm colocando aeronaves a disposição e investindo. Isso deixa satisfeito, porque não é todo dia que diz que uma empresa brasileira recebe tantas oportunidades como agora”.
- Você disse que no dia 24 de maio acaba o processo de recuperação judicial. Isso significa que toda a dívida com credores já terá sido quitada até esse prazo?
“Não será quitada. É assim que funciona: dia 24 é o período por lei da suspensão. Posso pedir suspensão da recuperação judicial e da observação judicial, mas ainda tenho compromissos de parcelamento. Mas é muito insignificante para momento atual do Grupo Itapemirim, que está em dia com as obrigações. Mas ainda há muitas questões que precisam de aval da justiça para o pagamento de todos os credores gradativamente. É um número muito reduzido de pessoas.
Essa recuperação judicial será levantada no dia 24 com toda tranquilidade, porque estamos em dia e com tudo correto. É um case de sucesso. Porque sair de uma recuperação judicial já é uma grande vitória, mas, no caso da Itapemirim não é só sair, já que poucas saem com sucesso, mas sair com sucesso de credibilidade e ainda lançar uma companhia aérea, uma das poucas ou única de grande porte no mundo durante o período de pandemia. É muito gratificante.
Recuperação judicial nunca foi tratada dentro do grupo como uma recuperação judicial durante a minha gestão, mas como reestruturação financeira, principalmente de governança. E o resultado é sair com uma companhia aérea forte, estruturada e que dispute todo território nacional.
Expectativa para voo no dia 29 de junho é enorme. Vamos vender para todo período até junho do ano que vem e, hoje, o que recebemos é interesse de diversos estados e pessoas que querem estar sempre entre esses primeiros voos. Querem fazer parte da história. É momento de euforia, expectativa, mas de realização porque consolidamos e montamos uma das maiores companhias aéreas do Brasil.
Serão diversos voos de primeiro pouso porque nossa intenção é fazer com que mais gente participe do momento histórico. Serão seis voos para que isso ocorra, porque não poderia ser só com 162 pessoas. Terá o primeiro, de São Paulo (SP) a Brasília (DF). Então haverá um pouso em cada capital, porque é importante dar essa experiencia. É uma companhia que tem história e que vai fazer história. É um fato histórico”.
- De onde vêm os investimentos para a companhia aérea?
“É dinheiro árabe. São dois fundos, que têm confidencialidade porque investem em outras companhias do mundo. E o dinheiro foi utilizado e será utilizado estamos muito sólidos no que diz respeito às finanças para futuro e para investimento. Mas não são só esses fundos. Devido à multimodalidade com rodovia, ferrovia e aviação, isso começou a ficar atrativo para o mercado. Fala de mobilidade e fala de infraestrutura. Então, acaba sendo modelo de investimento do mundo.
Hoje, dois dos itens mais procurados para investimentos são mobilidade e infraestrutura. No Brasil, graças à grande quantidade de privatização que está acontecendo sejam federais ou estaduais, como é o caso de SP, desperta o olhar dos investidores não só daqui.
E, com a companhia aérea, com proposta de ser muito diferente do que se tem hoje e ainda com potencial de modalidade diversificada, eles entendem que é um case para ser investido. Porque coloca em uma única marca, mas tem diversas cestas de investimento e pode colocar dinheiro com segurança.
Isso nos possibilita ficar mais felizes ainda porque o projeto deu certo e importante, já que vamos lançar a venda de passagens. Não é só confiança do mercado financeiro para colocar mais dinheiro, para melhorara ainda mais. Mas a expectativa do público, do cliente que sonha em ter uma companhia aérea digna do dinheiro que ele paga”.
Fintech
Em outubro, a Itapemirim lançou até mesmo uma fintech com um super app para “monetizar passageiros”, o ITA Bank. “Nós idealizamos o ITA Bank como um banco digital que tem como um dos diferenciais a proximidade com os clientes com nossa capilaridade, que são os nossos 2.000 pontos de venda espalhados pelo país e as 2.700 cidades por onde nossos ônibus passam”, disse Sidnei Piva, presidente da Itapemirim, em entrevista à EXAME Invest.
Um dos objetivos do ITA Bank seria fidelizar e monetizar o relacionamento já existente com esse cliente, um público que chegou a 2,5 milhões de passageiros rodoviários em 2019, ano anterior à pandemia, segundo o executivo, e que deve crescer nos próximos anos com a companhia aérea. Seria possível financiar a compra de passagens aéreas em até 36 parcelas, por exemplo.
O ITA Bank chegou ao mercado com o ITA Clube, um programa de relacionamento com cashback para estimular a recorrência do cliente, ou seja, a frequência de uso de produtos e serviços dentro do ecossistema que nasce.
Diante de tantos problemas em tão pouco tempo de operação, fica a pergunta: é o fim da Itapemirim?