Até onde o dólar pode subir no Brasil?
O dólar, no começo do pregão desta sexta-feira (2), chegou a flertar com os R$ 5,80, um patamar que não era visto desde 2020. Apesar de ter virado para queda, operando a cerca de R$ 5,74, por volta das 12h30, a recente alta da divisa está nos holofotes de investidores e também da população, que pode sentir os efeitos no bolso da valorização da moeda americana, já que muitos produtos são importados ou contam com matéria-prima vinda do exterior.
Nos últimos dias, o que ditou o enfraquecimento do real frente ao dólar foram, principalmente, as decisões de políticas monetárias vindo dos Estados Unidos, do Japão e do Brasil.
Estados Unidos: O que pesa mais?
Começando pela maior economia do mundo, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu na quarta-feira (31) manter a taxa básica inalterada, entre 5,25% e 5,50%, mas sinalizou uma possível queda em setembro.
Essa movimentação, no primeiro momento, foi vista como algo que poderia enfraquecer a moeda norte-americana. Quando os juros caem por lá, investidores tendem a tirar dinheiro dos títulos da dívida pública do país e a assumir mais riscos — levando o capital, por exemplo, para emergentes como o Brasil.
“Parte da visão de que não caiu (câmbio) é que a política monetária dos EUA, apesar dos indicativos de queda, agora precificada para setembro, mantém juros que são historicamente altos para a economia americana. Isso pode não ser suficiente para trazer fuga de capitais, vinda dos países mais desenvolvidos, para os emergentes”, diz Matheus Massote, especialista em câmbio da One Investimentos.
Fora isso, o que vem permitindo o Federal Reserve a ser mais brando nos seus comunicados são as divulgações de dados econômicos mais fracos nos Estados Unidos, como o Payroll de julho, publicado hoje, que trouxe uma criação de empregos menor do que a esperada.
Juros x Recessão
“O relatório de emprego de julho com números muito abaixo do esperado contribuiu para reforçar o cenário de incertezas do que pode vir pela frente. Em conjunto com a divulgação de resultados das gigantes de tecnologia abaixo do esperado, crescem os temores de que uma deterioração mais importante da atividade econômica possa já estar em curso”, fala Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
Apesar do recuo dos juros, quando a economia norte-americana cambaleia, é normal investidores buscarem a segurança do dólar, no chamado “flight to safety”. Quando o país cresce menos, toda a economia mundial cresce menos.
Nesse cenário, o dólar é visto como uma moeda de reserva, um “porto seguro”, durante períodos de incerteza. E essa movimentação atinge mais países emergentes — cujas economias são muito dependentes de commodities, que sofrem mais com desacelerações ou recessões.
“Infelizmente parece que o cenário de recessão irá chegar em algum momento nos próximos meses. O mercado pode ter exagerado à reação de agora, mas o medo da economia dos EUA sofrer ‘hard landing’ (recessão profunda e rápida) aumentou e isto pode ser visto na curva de juros”, diz o relatório da Wagner Investimentos de hoje, assinado por José Raymundo de Faria Júnior.
“Nos resta aguardar os próximos dados, mas os ativos de risco tendem a ter maior volatilidade de agora em diante, com dado ruim, sendo considerado ruim”, completa.
Japão e o carry trade
Ainda no exterior, o BoJ (Banco do Japão, o banco central do país) optou também na quarta por elevar sua taxa de juros para 0,25% e por antecipar novos aumentos.
A moeda japonesa tem acumulado ganhos contra a divisa norte-americana em meio a suspeitas de intervenção cambial das autoridades e à especulação de que o Banco do Japão elevará os juros em sua reunião na próxima semana.
Um iene valorizado ante o dólar e a possibilidade de diminuição no diferencial de juros entre Japão e Estados Unidos levam investidores a reverterem operações de “carry trade”, quando tomam ativos em locais com juros baixos (no caso, o Japão) para rentabilizar em outros com juros mais altos. Isso provoca uma fuga de capitais de emergentes como o Brasil para sustentar essa reversão no mercado japonês.
Banco Central brasileiro
Por fim, o Banco Central brasileiro, na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de quarta-feira, manteve a Selic inalterada em 10,50%, mas trouxe um tom mais leve sobre as suas possíveis decisões futuras.
Economistas mencionaram que a instituição poderia ter sido mais incisiva sobre uma possível alta no futuro.
“A incerteza política em relação ao fiscal e o medo de leniência com a inflação por parte da política monetária traz volatilidade nos indicadores e aumenta o risco dos nossos títulos”, comenta Massote, da One.
A visão do mercado é que, com o dólar mais forte, a inflação brasileira pode acelerar — o BC, no Copom, levou em conta um câmbio a R$ 5,55, em patamares menores do que hoje.
Se a inflação brasileira acelerar, os juros reais (diferença entre as taxas pagas pelos títulos do governo e a variação dos preços) tendem a cair.
Tudo isso em um cenário no qual o fiscal brasileiro segue nos holofotes, com especialistas mais pessimistas com a atual situação das contas públicas. Quando o risco é maior, investidores cobram prêmios maiores (mais taxas), e o Copom foi no sentido contrário.
“Um risco fiscal maior e o Copom aceitando inflação acima da meta por mais tempo são fatores que deixarão o real mais fraco e, assim, há risco evidente da moeda passar por processo de desvalorização crônico”, expõe a Wagner Investimento.