Devido às mudanças climáticas, uma criança nascida hoje não só tem mais chances de enfrentar fome, doenças respiratórias, adquirir dengue, zika e chikungunya, como também viverá em um planeta com média de 4ºC mais quente até os seus 71 anos de idade.
Esse cenário alarmante foi apresentado pelo relatório internacional Lancet Countdown 2019 (Contagem Regressiva da Lancet). O documento foi elaborado por 35 instituições acadêmicas do mundo todo e pelas agências da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em entrevista à GALILEU, a pesquisadora brasileira Mayara Floss, que é uma das autoras do relatório, explica que se o planeta realmente chegar ao aquecimento médio de 4ºC, as crianças viverão em um mundo com oceanos mais quentes, e consequentemente a diversidade de espécies de corais irá diminuir e os níveis dos oceanos irão subir.
“Em alguns locais falamos até em luto ecológico vivido por pessoas que não terão mais suas casas, pois terão que abandoná-las devido a eventos climáticos extremos, como tempestades, furacões e secas”, disse a pesquisadora.
O relatório aponta que não estamos caminhando bem para prevenir essa situação e já estamos vivenciando ela aos poucos. Pensando nisso, países do mundo inteiro assinaram o Acordo de Paris em 2015, que prevê limitar o aquecimento da Terra em até 2ºC. Entretanto, o novo documento aponta que nosso planeta já está 1°C mais quente — e, se não cumprirmos as metas do tratado, a saúde das crianças será ainda mais ameaçada.
Hoje, um dos motivos que prejudicam a saúde infantil é a falta de segurança alimentar nos primeiros anos de vida dos pequenos. Segndo o documento, as mudanças climáticas destroem a produção agrícola global, o que leva ao aumento da subnutrição infantil e a fome, principalmente nos países mais pobres. “O que assusta muito é que quem sofre primeiro [com as consequências do aquecimento global] são os países em desenvolvimento – e o Brasil está nessa linha”, comenta Floss.
A pesquisadora conta ainda que em território nacional outro problema é a poluição do ar: segundo dados do Ministério da Saúde, em 2016, 44 mil pessoas morreram por esse motivo. Como afirma o relatório da Lancet, no mesmo período, o ar poluído fez mais 7 milhões de vítimas ao redor do mundo.
As crianças não escapam dos efeitos da poluição da atmosférica, que pioram a asma, reduzem a função pulmonar e aumentam a chance de derrames e ataques cardíacos, por exemplo. Outro problema para os menores de cinco anos são as doenças infecciosas transmitidas por mosquitos, como a degue e a zika.
Isso porque a elevação das temperaturas e a mudanças nos regimes de chuva criam condições ideais para o acúmulo de água em recipientes, que servem de criadouros para o desenvolvimento dos insetos. Além disso, o sistema imunológico das crianças é mais vulnerável às infecções causadas por esses vírus, pois ainda está em desenvolvimento. “O mosquito da dengue precisa de uma temperatura adequada para se reproduzir, o que determina a capacidade vetorial do mosquito transmitir doenças”, apontou Floss.
Ainda de acordo com o relatório da Lancet, ações globais são necessárias para melhorar a vida das crianças e mitigar o aquecimento global. Um bebê que nasce hoje só viverá em um planeta com emissões zero de gases do efeito estufa em seu 31º aniversário, no ano de 2050. Mas, para isso, é necessário que todos os países se comprometam com a redução de emissões proposta pelo Acordo de Paris.
*Com supervisão de Giuliana Viggiano.