O inimigo agora é outro? Macron precisa lidar com esquerda fortalecida e incerteza política
O presidente francês Emmanuel Macron conseguiu impedir que a extrema direita dominasse a Assembleia Nacional. Mas sua coalizão de centro ficou em segundo lugar, perdendo metade dos assentos que tinha. Agora, ele precisa lidar com uma esquerda fortalecida, resistente a acordos, e a um cenário político repleto de incertezas.
A Nova Frente Popular, a coalizão de esquerda formada por legendas de várias orientações, como a França Insubmissa, mais radical, o Partido Ecologista, de ambientalistas, e o Partido Socialista, de centro-esquerda, também precisa se entender entre si, e já deu sinais de que não pretende dar muito espaço a Macron. “Esta semana temos de ser capazes de preparar uma candidatura [a primeiro-ministro]”, afirmou Olivier Faure, primeiro secretário do Partido Socialista, nesta segunda, 8. Ele insistiu que Macron deve reconhecer que “foi derrotado” nas eleições.
“As próximas semanas serão um teste para determinar se a esquerda e o centro serão capazes de cooperar. Provavelmente haverá uma ruptura na Nova Frente Popular, que tem mostrado fragilidade durante a campanha eleitoral entre A França Insubmissa e o partido Socialista”, diz Gérarr Araud, membro do think tank americano Atlantic Council e ex-embaixador da França nos EUA.
“A França está entrando em uma longa crise, cheia de incertezas e instabilidade política”, diz Araud. “Macron perdeu sua aposta por um reforço do eleitorado. Ele está enfraquecido, mas resignação e realismo não são seus pontos fortes.”
Situação nova na França
A coligação de esquerda somou 182 assentos, longe da maioria absoluta, de 289, em um Parlamento de 577 lugares. Assim, sem uma aliança de fato com o centro, a esquerda não conseguirá aprovar leis de peso.
“A política francesa não está preparada para uma situação desta. A Constituição foi desenhada para funcionar sempre com maioria no Parlamento, alinhada ou não ao presidente. Agora vamos ter um Parlamento dividido em três grandes grupos, que não têm facilidade para chegar a um acordo”, diz Thomás Zicman de Barros, doutor em ciência política e pesquisador associado da Sciences Po, universidade sediada em Paris.
“Mesmo entre centro e esquerda, há muitas animosidades e hostilidades, porque são sete anos de governo Macron, que aprovou medidas impopulares, algumas vezes passando por cima do Parlamento. Havia brechas na Constituição que permitiam isso. Então a esquerda não quer necessariamente entrar em um acordo, numa coalizão com Macron”, prossegue Barros.
Ele avalia que, com isso, a esquerda deve tentar fazer um governo minoritário, que forçaria Macron a aceitar um primeiro-ministro indicado por eles, e tentar aprovar projetos pontuais.
Para Hussein Kahlout, pesquisador de Harvard, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência do Brasil, Macron evitou um mal maior ao conter a extrema direita, embora saia enfraquecido.
“Ele foi habilidoso em fazer concessões, assim como a esquerda também foi. Macron teria dois anos melancólicos se a extrema direita tivesse vencido. Agora, ele poderá ter uma capacidade razoável de governança, a partir da coalizão que ele conseguir montar”, avalia.
Kahlout diz ainda que Macron poderá ser valorizado pela História — com H maiúsculo — no futuro, por ter apostado em reformas estruturais impopulares. Antes disso, porém, precisa lidar com as consequências de sua decisão de antecipar as eleições, algo que ele quis fazer depois de ver seu partido ir mal nas eleições para o Parlamento Europeu.
O presidente gastou esta carta e agora só pode convocar uma nova votação para a Assembleia Nacional daqui a um ano. Os próximos movimentos da política francesa mostrarão o quão difícil será a sua reta final de governo.