Sem supervisão, uso da tecnologia de vigilância CellHawk cresce nos EUA
Capaz de coletar dados, localização e detalhes de chamadas, a ferramenta CellHawk tem sido amplamente utilizada por órgãos de investigação dos Estados Unidos. A notícia de um grande aliado tecnológico na aplicação da lei seria ótima, não fosse a falta de supervisão e os abusos de poder provocados pela aplicação.
De acordo com a fabricante do produto Hawk Analytics de Bartonville, o CellHawk pode processar registros de celular de um ano em apenas 20 minutos. Ele também pode coletar detalhes de chamadas (CDRs) — capazes de rastrear o contato de celular entre dispositivos em nome de provedores de serviços móveis —, recolher dados de todos telefones conectados a uma determinada torre de rede, além de identificar a localização dos dispositivos.
A praticidade de seu uso, inclusive, foi elogiado no escritório do xerife de Minnesota. “A melhor coisa sobre o CellHawk é que ele mal precisa do usuário, já que o software faz tudo por você. É arrastar e soltar”, afirmou um analista de inteligência criminal.
Ao que parece, a ferramenta, de fato, demonstra ser um grande aliado nas investigações, otimizando processos que demorariam meses para serem concluídos. Mas o CellHawk parece atravessar a linha tênue entre investigação e vigilância, além do fato de não contar com um regulador que monitore o seu uso.
Sem mandado?
Dados sobre a localização ou informações coletadas de torres de conexão requerem mandados judiciais e não podem ser simplesmente manuseados a torto e a direito. Ainda assim, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) definiu como “extremamente obscuros” os padrões legais relacionados a procura de dados nas “lixeiras” dessas torres.
O problema é que muitas destas solicitações estão sendo feitas com documentos inferiores aos mandados, deixando os tribunais divididos se realmente é necessário uma ordem judicial para obter dados de localização do celular em tempo real.
Com isso, fica difícil distinguir casos em que a coleta de dados se faz necessária, de meras ocorrências cujo objetivo principal é recolher informações privadas para vigilância e criação de perfis.
Chad Marlow, advogado sênior e conselheiro político da ACLU, disse que a tecnologia CellHawk não era inicialmente problemática, mas o padrão baixo estabelecido pelo condado para a coleta de dados complicou a situação. “A definição de ‘suspeita razoável’ do condado é bizarramente complicada”, afirmou Marlow.
A política adotada inverteu a presunção de inocência de um processo investigativo, fazendo com que a suspeita de um crime específico venha antes mesmo das evidências.
Vigilância não é segurança
Além disso, o CellHawk acaba transformando as polícias municipais em verdadeiras agências de inteligência, sem qualquer órgão específico que ajude na regulamentação ou supervisão da tecnologia.
A lei do estado de Minnesota exige uma notificação dentro de 90 dias a indivíduos cujos dispositivos eletrônicos estiveram sujeitos a um mandado de rastreamento, mas as provas não foram levadas ao tribunal.
No entanto, as notícias veiculadas pela imprensa nos últimos anos não apontaram estas tais notificações. Isso sem contar que os mandados foram muitas vezes substituídos por ordens judiciais muito inferiores a “suspeitas razoáveis”, levantando ainda mais suspeita sobre a falta de comunicação aos indivíduos.
Aliado a isso, o fato de as polícias poderem guardar os dados coletados por até cinco anos — com possibilidade de aumentar o prazo em caso de novas suspeitas — é visto como um grave dano às liberdades civis.
“Acho que isso destaca como o rápido desenvolvimento da tecnologia de vigilância supera as leis existentes e como isso pode ser realmente problemático”, afirmou Julia Decker, diretora de política da ACLU de Minnesota.
Decker também disse que parece não existir uma supervisão para o uso do CellHawk, possibilitando possíveis invasões de privacidade contra o povo americano.
Para piorar o cenário, o uso da tecnologia deve ser ampliada dentro do país americano. Órgãos de segurança de diversos estados como Geórgia, Califórnia, Texas, entre outros, foram localizados como clientes da Hawk Analytics — sem contar o FBI.
Resta saber se novos critérios reguladores serão adotados para o uso do CellHawk. Enquanto isso, a tecnologia causa mais receio do que conforto. Como confiar em algo sem supervisão e que pode coletar todos nossos dados em um piscar de olhos?
Via: The Intercept