Para Putin, Cazaquistão é uma peça do dominó grande demais para cair
Antiga república soviética tem a 12ª maior reserva de petróleo, a 14ª de gás natural comprovadas do mundo, e produz quase metade do urânio do planeta
À medida que uma série de negociações de alto nível entre os Estados Unidos, aliados europeus e a Rússia dissipam nesta semana, o aumento da força militar de Moscou em suas fronteiras vai continuar sendo uma preocupação dos diplomatas ocidentais muito depois de retornarem aos postos de trabalho.
Os cerca de 100 mil soldados russos alocados perto da Ucrânia constituem a maior crise de segurança em anos para a Europa e seus aliados, incluindo os EUA.
Enquanto estava no Cazaquistão, o presidente russo, Vladimir Putin, tomou a brutal repressão feita neste mês pelo presidente do regime, Kassym-Jomart Tokayev, como uma oportunidade para lembrar aos manifestantes que as revoluções nunca poderão se espalhar na região e ao enviar tropas da aliança de segurança lideradas por Moscou para ajudar a reprimir as manifestações, mostra que o país da Ásia Central permanece firmemente em sua esfera de influência.
O tom da retórica de Putin e a trajetória do desdobramento militar deixam poucas dúvidas sobre suas intenções: recuperar o controle sobre uma ampla faixa da antiga União Soviética – até o ponto de reverter os passos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) aos anos da Guerra Fria.
De fato, durante as negociações Otan-Rússia, em Bruxelas, na semana passada, a principal representante dos EUA, a vice-secretária de Estado Wendy Sherman, disse à CNN que Moscou não se comprometeu a desmobilizar a fronteira ucraniana.
Pender as negociações dos EUA é um desejo do governo Biden de evitar uma distração de seu pivô pretendido para o Indo-Pacífico, especialmente redefinir as relações com a China.
Mas, com muitos analistas concordando que as ameaças de novas e pungentes sanções não impediram o aventureirismo da Rússia na Europa, os diplomatas ocidentais podem estar negociando com um kit de ferramentas bem vazio.
As apostas para Putin são igualmente altas. Em menos de dois anos, a Rússia teve que administrar duas manifestações surpreendentes à sua porta: em Belarus e no Cazaquistão. Mas do ponto de vista do Kremlin, o Cazaquistão, a maior das ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, é uma peça do dominó importante demais para cair.
Permitir que o Cazaquistão se desloque ainda mais para uma órbita ocidental – por exemplo, permitir eleições democráticas ao estilo ocidental ou responder ao clamor popular com mais liberdades políticas – seria um golpe para o orgulho russo e indicaria que Moscou está afrouxando o controle sobre uma área rica em recursos naturais, que atraiu bilhões em investimentos dos EUA e da China.
O Cazaquistão tem a 12ª maior reserva de petróleo e a 14ª de gás natural comprovadas do mundo. Em 2019, o país produziu quase metade do urânio do mundo, de acordo com a Associação Nuclear Mundial.
A última coisa que o Kremlin quer é que floresça outra chamada ‘revolução colorida’ que possa inspirar movimentos de protesto na Rússia e em outras ex-repúblicas soviéticas.
A recente agitação no Cazaquistão foi motivada pelo aumento dos preços dos combustíveis e frustrações com tudo, desde o desemprego e a inflação, até a corrupção.
Ela se transformou em protestos refletindo a “raiva, má administração de um governo corrupto que tem sido muito autoritário e desigualdade social”, disse Edward Lemon, presidente da Sociedade Oxus para Assuntos da Ásia Central. A repressão subsequente do governo resultou em pelo menos 164 mortes e milhares de prisões.
Fiel à forma, as táticas usadas para reprimir revoltas em Belarus também foram empregadas no Cazaquistão: uma repressão brutal, semeando desinformação, culpando intrigantes estrangeiros inespecíficos, abafando as redes sociais – incluindo pela primeira vez o popular aplicativo chinês WeChat – e deixando o diálogo sem nenhum espaço.
Moscou rapidamente concordou com o pedido do presidente Tokayev para que a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, na sigla em inglês), uma aliança de segurança regional liderada pela Rússia, enviasse “pacificadores” para ajudar a restaurar a ordem.
Putin tinha todos os motivos para intervir. Se a Rússia perder o Cazaquistão de sua esfera de influência, isso poderá inspirar movimentos pró-democracia em outras ex-repúblicas.
Mas, a grande importância é o que o resto do mundo – particularmente a China – aprende com o desenrolar do drama atual.
O presidente chinês Xi Jinping provavelmente observará de perto até em que ponto Putin pode pressionar o Ocidente e quase certamente aplicará esse aprendizado a Taiwan e outras aventuras territoriais em potencial.
A participação da Rússia em reuniões diplomáticas de alto nível, mantendo uma postura ameaçadora, apenas para se afastar declarando que as negociações chegaram a um “beco sem saída” e que terá que agir para “eliminar ameaças inaceitáveis à nossa segurança nacional”, é um golpe de mestre de birra diplomática potencialmente aplaudida em Pequim.
Agora, com Pequim e Moscou intensificando seus esforços de coordenação em política externa, a China pode tirar lições úteis observando até que ponto Putin pode testar a determinação do Ocidente.
Para uma China empenhada na “reunificação” com Taiwan – a ilha separatista onde os EUA garantem a segurança – e pressionando suas reivindicações territoriais no Mar da China Meridional, vale a pena observar de perto onde o Ocidente estabelece seus limites e como os defende (ou não).
Embora o Cazaquistão possa ser uma peça do dominó vacilante no tabuleiro regional de Putin, o país também se tornou uma peça importante na estratégia geopolítica da China para a independência energética, o que significa que a manifestação lá é de importância direta para Pequim.
As empresas ligadas à China supostamente têm até US$ 26 bilhões em investimentos no Cazaquistão, inclusive em um oleoduto que cruza a fronteira sino-cazaque de cerca de 1.770 quilômetros.
Em 2017, o Cazaquistão também foi um dos principais destinatários do dinheiro chinês provenientes da multibilionária Iniciativa do Cinturão e Rota.
Os interesses econômicos da China no Cazaquistão podem fazer com que diplomatas ocidentais esperem que Pequim encoraje o Kremlin a exercer moderação ao manter a estabilidade no país.
A China disse que apoia as forças lideradas pela Rússia enviadas ao Cazaquistão para reprimir a revolta.
Enquanto isso, os EUA, que têm muito em jogo como o principal investidor estrangeiro no Cazaquistão e com três décadas de boas relações bilaterais, devem continuar a se envolver com o novo círculo de autoridades criado em torno de Tokayev, e insistir na explicação de que suprimir a liberdade de expressão cria um clima de investimento tóxico.
Mas os EUA fazem isso a percepção de que os investidores de países acusados de desrespeitar os direitos humanos, como a China, preencherão alegremente qualquer vazio comercial.
Nota do editor: Michael Bociurkiw (@WorldAffairsPro) é analista de assuntos globais e ex-porta-voz da Organização para Segurança e Cooperação na Europa. É autor do livro “Digital Pandemic” e apresentador do podcast “Global Impact”. Ele é um colaborador regular da CNN. As opiniões expressas neste artigo são dele.