Invasão na Ucrânia completa três meses: 10 perguntas e respostas sobre a guerra
Segundo especialistas, não é possível traçar uma previsão para o fim da guerra
Esta terça-feira (24) marca os três meses da invasão russa na Ucrânia. A CNN falou com os especialistas Carlos Mendes Dias, coronel do exército português, e a investigadora Diana Soller para fazer um balanço do que ocorreu até agora, e qual a perspectiva para o futuro.
- Quem está ganhando a guerra?
“Depende da perspectiva”, começou dizendo a investigadora especialista em relações internacionais. “Apesar de tudo, os avanços no terreno da Rússia são mais significativos que o bloqueio que a Ucrânia consegue fazer e, nesse sentido, pode-se dizer que a Rússia está ganhando a guerra”, afirmou. Mas, por outro lado, temos o argumento de que a Ucrânia, que não tinha presença militar, tem sido capaz de não deixar a Rússia avançar.” Lembre-se que, antes da invasão, o orçamento da Ucrânia para defesa era dez vezes inferior ao da Rússia.
“Do ponto de vista militar, quem está ganhando é a Rússia. Ela tem praticamente a região de Luhansk conquistada, a ligação entre a Crimeia e o Donbass, e mesmo a província de Donetsk está mais de 60% conquistada”, afirmou o coronel Mendes Dias. “A Ucrânia está tendo grandes dificuldades no Donbass”, acrescentou, destacando que “a perda de Mariupol e Azovstal causou um impacto na moral ucraniana”. Ainda assim, “do ponto de vista político, a Rússia está isolada e não tem ganhos”, continuou, afirmando que, nesta dimensão, “a Ucrânia está ganhando”.
- Quantos civis já morreram?
A guerra já matou 3.930 civis – 1.482 homens, 973 mulheres, 90 garotas e 98 garotos, 69 crianças e 1.218 adultos cujo sexo não foi possível identificar. Estes são os últimos dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, mas o órgão admite que o número real de civis mortos é provavelmente muito maior que o divulgado. As organizações têm dificuldades para coletar informações nas regiões onde os combates são mais intensos, como em Mariupol, em Donetsk, Izium, em Kharkiv, e Popsana, em Luhansk.
Quanto aos feridos, a guerra já atingiu pelo menos 4.532 vítimas – 880 homens, 588 mulheres, 106 garotas, 124 garotos, 164 crianças e 2.670 adultos cujo sexo não foi possível identificar.
A ONU afirmou que a maioria dos civis mortos foram vítimas de explosões em grande escala, incluindo bombardeios com artilharia pesada, mísseis e ataques aéreos.
- E soldados?
A Ucrânia não tem divulgado o número de soldados mortos por uma questão estratégica, mas nesta segunda-feira (23), o presidente Volodymyr Zelensky afirmou que morrem entre 50 e 100 soldados ucranianos diariamente na região do Donbass, onde os combates estão se intensificando. Mendes Dias considera que essas declarações sugerem que Zelensky está fazendo um apelo: “Isto é um grito dizendo ‘estou precisando de gente’”, frisando que é um número “grave”.
Do lado da Rússia, o Kremlin também não divulga há várias semanas o número de militares mortos, sendo que o último balanço oficial foi divulgado no final de março e, na época, o regime de Vladimir Putin contabilizou cerca de 1.350 soldados mortos – um número que os observadores internacionais consideraram estar consideravelmente distante da realidade.
A Ucrânia afirma que a Rússia já teria sofrido mais perdas com essa invasão do que em toda a guerra do Afeganistão, entre 1979 e 1989. As autoridades ucranianas falam em 27 soldados russos mortos. Apesar de não ser possível apurar um número real, a maioria dos soldados de Moscou que já morreram eram jovens, entre os 21 e os 23 anos, vindos de regiões rurais e inseridos em contextos socioeconômicos mais vulneráveis.
Mendes Dias não tem dúvidas: “Há muito mais vítimas do que as que foram anunciadas. Parece-me que há mais perdas russas do que ucranianas, até porque os ucranianos estão na defensiva”, sublinha. No entanto, nota que “nem sempre quem tem mais baixas é aquele que perde. Na maior parte dos casos, isso não acontece.”
- Quantos refugiados a guerra já provocou?
Desde o início da invasão, mais de 6 milhões e 552 mil pessoas já fugiram da Ucrânia, sobretudo para países da Europa, que estão mais próximos da fronteira. Os dados são das Nações Unidas e revelam que a Polônia é o país que recebeu o maior número de refugiados, mais de 3 milhões e 500 mil, seguida da Romênia, com 961 mil.
Mais de 900 mil ucranianos também foram para a Rússia, segundo o Kremlin, mas não se sabe em que circunstâncias, e há relatos de que muitos teriam sido forçados. Em uma entrevista à CNN, a diretora executiva da Anistia Internacional da Ucrânia falou sobre pessoas que “eram literalmente retiradas de, por exemplo, Mariupol ou aldeias em volta, e enviadas para algum lugar na Rússia.”
Apesar do cenário de guerra, mais de dois milhões de ucranianos já regressaram ao país desde 28 de fevereiro, quatro dias depois da invasão.
- Kiev é ou não um alvo para a Rússia?
Inicialmente, a capital da Ucrânia parecia ser um dos alvos da Rússia nesta invasão, mas agora os combates têm-se concentrado no leste do território. “A Rússia traçou objetivos impossíveis o que fez com que se reagrupasse. A estratégia da Rússia neste momento é a concentração no Donbass. Não estou certa de que essa concentração tenha sido pensada. Penso que houve a necessidade de encontrar uma nova forma de não perder esta guerra, não a perder completamente e de alcançar alguns objetivos”, frisou Diana Soller, que acrescentou que “foi a Ucrânia que obrigou a Rússia a repensar” os seus objetivos.
O coronel Mendes Dias tem uma opinião diferente: para ele, Kiev “nunca foi um alvo”. “Do ponto de visto de forças, foi um eixo secundário para apoiar eixos principais no Donbass”, sublinhou. O especialista em assuntos militares considera que o objetivo não era tomar a capital ucraniana, mas sim decapitar o governo: “Eliminar Zelensky e as pessoas que o aconselham”. Para o coronel, os principais objetivos de Moscou são fazer o contorno de terreno no leste da Ucrânia e a conquista de territórios até ao eixo Sloviansk – Kramatorsk, que permitam formar “duas repúblicas” do tamanho equivalente a duas vezes o território de Portugal: “uma República de Kherson e outra do Donbass”.