Diplomata prevê “nova Guerra Fria” se a China não pacificar conflito na Ucrânia
Confronto entre China e Estados Unidos está no centro dos debates sobre o fim ou permanência do ataque russo contra os ucranianos
Há quase um mês da invasão na Ucrânia pela Rússia, o mundo quer saber quais os reflexos da guerra na geopolítica e economia. Uma “nova Guerra Fria” é dada como “quase certa” pelo diplomata Rubens Ricupero, que já foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Segundo ele, um confronto ideológico entre China e americanos está no centro dos debates sobre o fim ou permanência do ataque russo contra os ucranianos.
O Canal Livre vai ao ar neste domingo, 20, às 20h no BandNews TV. Depois da NBA, o programa será transmitido na tela da Band. A apresentação é de Rodolfo Schneider. Participam, como entrevistadores, os jornalistas Fernando Mitre e Lana Canepa.
“Infelizmente, acho que a volta de uma nova Guerra Fria, hoje em dia, é quase certa. Acho que há uma esperança tênue de evitar isso, se os chineses não esperarem demais e resolverem terem um papel pacificador e que isso gere um ambiente para tentar encontrar uma cooperação e não tanto confronto”, disse Ricupero, que também já foi subsecretário-geral das Nações Unidas (ONU).
Segundo o diplomata, a primeira vítima de uma “nova Guerra Fria” seria a globalização, devido à competição de dois grandes blocos numa atmosfera voltada mais para o militarismo e segurança do que para a lógica econômica e comercial. Para o Ricupero, porém, sanções que podem advir de um possível confronto ideológico não são interessantes para a China.
“Todo esse movimento que temos tido de fronteiras abertas, aumento das trocas comerciais, facilidade de investimentos, de tecnologia, tudo isso chegaria ao fim. Nós teríamos dois grandes blocos que passariam a competir um contra o outro. A atmosfera seria muito mais de segurança e militar do que a lógica econômica e comercial. Sabe-se lá como isso poderia terminar”, explicou o diplomata.
Ricupero acredita que uma “nova Guerra Fria” seria diferente da que teve a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como uma das protagonistas, pois, naquele período, o bloco socialista, apesar da potência militar e nuclear, não tinha poder econômico. Hoje, na mira dos Estados Unidos e aliada da Rússia, a China está imersa nas transações comerciais e econômicas em nível global.
Sanções contra Putin devem permanecer
Na entrevista, o diplomata também disse que acha pouco provável o Ocidente abrir mãos das sanções contra a Rússia, caso o presidente Vladimir Putin continue no poder. Para ele, só se houver uma “reviravolta muito grande” para permitir a exclusão das punições contra Moscou, como banimento do sistema Swift e fechamento do espaço aéreo na União Europeia.
Ricupero também acredita em falta de ação dos EUA sobre não encontrar alternativas para expandir a Otan, aliança militar do Ocidente, em territórios próximos à Rússia. Para Moscou, a possibilidade de a Ucrânia entrar no bloco motivou o que Putin chama de “operação militar especial” contra Kiev. Mesmo assim, o diplomata não poupou palavras ao responsabilizar o Kremlin pela guerra.
“Qualquer que tenha sido a responsabilidade dos americanos – e acho que houve alguma –, no momento em que o Putin resolveu invadir, apesar de todos os apelos, ele criou uma realidade nova porque ele confirmou a ameaça. Agora, não adianta. É uma discussão puramente acadêmica saber se os poloneses ou estonianos têm razão em temer os russos”, explicou Ricupero.
Como a guerra pode mudar o mundo?
O entrevistado também elencou que o mundo já vive uma crise de abastecimento com combustíveis fósseis, já que a Rússia é um dos principais exportadores do mundo. No Brasil, semana passada, devido ao aumento do barril de petróleo no mercado internacional, a própria Petrobras anunciou reajustes no diesel, gasolina e gás de cozinha.
“Do ponto de vista econômico, basta ver o efeito do combustível no Brasil que todo brasileiro está sentindo. Vai sentir, também, no preço do pão porque a Rússia e Ucrânia são grandes exportadores de trigo. Pior é que isso tende a durar muito tempo porque inaugura um período novo da história mundial”, analisou.
Para ele, o “sonho da paz” alcançado após a Segunda Guerra Mundial, a partir da guerra na Ucrânia, acabou. Agora, desencadeia-se um processo de militarização na política internacional, inclusive com o rearmamento das forças alemãs, que se abrigavam no guarda-chuva nuclear americano, e fim da neutralidade da Finlândia e Suécia.
“Isso [guerra na Ucrânia] vai desencadear um processo de militarização da política internacional. Primeira consequência: todo mundo vai ser armar. Os alemães, que passaram décadas e décadas crescendo economicamente porque não gastavam com defesa, porque eles tinham o guarda-chuva nuclear americano, aprovaram, agora, aprovaram um pacote. Vão ter que se armar”, pontuou o diplomata.
Quem é Rubens Ricupero?
Rubens Ricupero é bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). De 1999 a 2004, o diplomata foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e subsecretário-geral da ONU. Também já foi ministro do Meio Ambiente (1993-1994) e ministro da Fazenda (1994), além de desempenhar funções na ONU em Genebra (1989-1991).