A história do diplomata que ajudou a prender o mais famoso serial killer da Ásia

De diplomata a detetive, este homem ajudou a levar o famoso assassino “Serpente” da Ásia à justiça

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(CNN) – O cheiro dentro do necrotério era insuportável, com o desinfetante tentando mascarar o odor de cadáveres em decomposição. “São eles”, disse uma dentista, que acabara de inspecionar a boca de um corpo rígido.

A luz de uma janela no fundo da sala iluminou a cena: dois corpos gravemente queimados que haviam sido abertos para uma autópsia e costurados de volta com um cabo cirúrgico. O cérebro da mulher havia sido esmagado com algo pesado e o homem fora estrangulado, disse um patologista. Ambos ainda estavam vivos quando foram incendiados.

A cena do necrotério da polícia na capital da Tailândia, Bangkok, em 3 de março de 1976, permanece clara na mente do ex-diplomata holandês Herman Knippenberg. Ele diz que foi a coisa mais chocante que viu em 30 anos de serviço no exterior. Tão forte que desencadeou um esforço pessoal de décadas para levar o suposto assassino à justiça.

“Tive a sensação de que estava saindo de dentro de meu corpo, que estava ao lado, assistindo a cena de fora”, lembrou o holandês em uma entrevista no início deste ano.

Knippenberg saberia mais tarde que o casal holandês no necrotério estava entre pelo menos uma dúzia de pessoas que Charles Sobhraj admitiu ter matado (embora mais tarde tenha se retratado e negado).

“O Paraíso e a Serpente”, uma nova série dramática da BBC/ Netflix lançada em abril, conta como, por anos, Sobhraj evitou a lei em toda a Ásia enquanto supostamente drogava, roubava e assassinava mochileiros ao longo da chamada “trilha hippie” – e como, por anos, Knippenberg trabalhou com as autoridades para capturá-lo.

Sobhraj agora cumpre pena de prisão perpétua em uma prisão no Nepal por matar dois turistas em 1975. Mas muitos de seus supostos assassinatos continuam sem solução. Para Knippenberg, o caso ainda não parece completamente encerrado.

Uma carta fatídica

Em 1976, Bangkok ainda não havia se desenvolvido na metrópole cheia de arranha-céus que é hoje. O metrô e o Skytrain ainda estavam para ser construídos e o tráfego intenso significava que a viagem pela cidade quente e lotada demorava horas.

Ao contrário da era atual de comunicação instantânea, era um mundo mais lento e menos conectado. Não havia celulares ou mídia social, e um viajante desaparecido podia não ser notado por semanas, talvez até meses.

Em 6 de fevereiro daquele ano, Knippenberg recebeu uma carta sobre dois mochileiros holandeses que haviam feito exatamente isso. A carta era de um homem na Holanda que disse que estava procurando por sua cunhada desaparecida e o namorado dela.

Os dois desaparecidos, Henricus Bintanja e Cornelia Hemker, foram “correspondentes fervorosos”, escrevendo para sua família duas vezes por semana enquanto viajavam pela Ásia. Mas havia seis semanas que a família não recebia carta nenhuma.

“Eu achei tudo muito bizarro”, contou Knippenberg, que tinha 31 anos na época e era diplomata na embaixada holandesa.

Semanas antes, dois corpos carbonizados haviam sido encontrados na beira da estrada perto de Ayutthaya, cerca de 80 quilômetros ao norte de Bangkok. No início, eles foram identificados como dois mochileiros australianos desaparecidos – até que o casal apareceu vivo. Daí, Knippenberg se perguntou se os corpos não eram do casal holandês mencionado na carta.

Para descobrir, ele mobilizou uma dentista holandesa baseada em Bangkok para avaliar os corpos queimados no necrotério da polícia, usando os registros dentários do casal desaparecido. A dentista não teve dúvidas: os registros batiam.

Enquanto Knippenberg pensava nos corpos mutilados, ele se lembrou de uma estranha história que seu amigo Paul Siemons, um adido administrativo da embaixada da Bélgica, havia lhe contado algumas semanas. Siemons falou que soubera de um negociante de joias francês chamado Alain Gautier que aparentemente acumulara um grande número de passaportes em seu apartamento em Bangkok pertencente a pessoas desaparecidas que teriam sido assassinadas. Dois dos passaportes seriam holandeses, mas Siemons se recusou a revelar a fonte de suas informações.

Na época, Knippenberg achou que seu amigo estava pirado. A história era estranha demais
.
Mas, como ambos descobririam mais tarde, Alain Gautier era um dos vários nomes usados por Sobhraj.

Fugindo e se passando por um traficante de pedras preciosas em Bangkok, o ladrão, vigarista e assassino francês há anos fazia amizade com viajantes – e depois os drogava e roubava. Em uma época de segurança de fronteira mais frouxa, ele costumava adotar as identidades de suas vítimas e usar seus passaportes roubados para circular pela Ásia.

Procurando pela “Serpente”

No dia seguinte à sua ida ao necrotério, Knippenberg ligou para Siemons e exigiu saber onde ouvira falar do negociante de pedras preciosas. Depois de alguma insistência, Siemons lhe deu um nome: Nadine Gires, uma francesa que morava no mesmo prédio de apartamentos de Sobhraj em Bangkok e que o apresentou aos clientes.

Ao conhecer Knippenberg, a francesa Gires revelou como outras pessoas que trabalharam para Sobhraj fugiram depois de encontrar uma coleção de passaportes pertencentes a pessoas desaparecidas, com medo de que ele havia matado os donos dos documentos. Ela também disse que se lembrava de ter visto o casal holandês indo à casa.

Knippenberg alertou as autoridades tailandesas, mas também continuou suas próprias investigações.

Na manhã de 11 de março de 1976, Gires deu más notícias para Knippenberg: Sobhraj e sua namorada Marie-Andrée Leclerc, uma canadense também conhecida como Monique, planejavam viajar para a Europa por algum tempo.

Knippenberg contou à polícia e, naquela noite, os policiais invadiram o apartamento de Sobhraj.
Os policiais levaram o suspeito interrogatório, mas o assassino estava preparado, de acordo com o livro “The Life and Crimes of Charles Sobhraj” (“A vida e os crimes de Charles Sobhraj”, sem edição no Brasil), uma biografia dos jornalistas Richard Neville e Julie Clarke baseada em horas de entrevistas com ele.

Usando um passaporte roubado de uma de suas vítimas, no qual ele inseriu sua própria fotografia, Sobhraj afirmou ser um cidadão norte-americano e foi liberado.
Na noite seguinte, Gires ligou preocupada para Knippenberg. Uma das pessoas que dividia o apartamento com Sobhraj, (e que era uma possível cúmplice) a convidou para ir ao apartamento, dizendo que precisava conversar com ela. Knippenberg ficou preocupado: se a francesa fosse, poderia colocar sua vida em perigo. Se não fosse, o cúmplice ou o próprio Sobhraj poderiam suspeitar que ela estava envolvida na investigação policial.

“Foi um dos momentos mais angustiantes da minha vida”, contou o holandês. Ele pensou por um momento e ligou para ela. “Sinto muitíssimo, mas você tem que ir”. No apartamento, Gires viu algumas fotos de passaporte e as enfiou no sutiã. O material acabou dando mais informações sobre uma das vítimas.

Na manhã seguinte, Sobhraj e Leclerc deixaram a Tailândia para a Malásia. Não foi a única vez que ele escapou por pouco, uma propensão que mais tarde lhe valeria o apelido de “a serpente”.

Assassinato na trilha hippie

Nascido em 1944 em Saigon, então governada pela França (e hoje Vietnã), filho de mãe vietnamita e pai indiano, Sobhraj viveu uma infância difícil, de acordo com seus biógrafos. Poucos anos após seu nascimento, seus pais se separaram e ele foi rejeitado pelo pai.

Sua mãe se casou com um soldado francês e a família se mudou para a França, onde o adolescente Sobhraj lutou para se estabelecer antes de entrar na vida do crime.

Aqueles que conheceram Sobhraj pintam um quadro consistente de um vigarista bonito e charmoso, que tinha uma série de namoradas, às vezes mais de uma ao mesmo tempo. Ele admirava o filósofo niilista Friedrich Nietzsche e era especialista em artes marciais.

Preso pela primeira vez em Paris em 1963 por roubo, o homem conseguiu escapar da prisão em vários países, acumulando crimes dos Bálcãs ao sudeste asiático. Ao longo do caminho, ele recrutou muitos cúmplices, muitas vezes viajantes, criando a sua própria “família” criminosa, o que levou alguns relatos da imprensa a rotulá-lo posteriormente “Charles Manson da Ásia”.

De acordo com seus biógrafos, Sobhraj acabou admitindo pelo menos 12 assassinatos entre 1972 e 1976, e sugeriu outros aos entrevistadores antes de retirar as confissões diante de novos processos judiciais.

Algumas das supostas vítimas foram drogadas até morrerem de overdose, algumas foram afogadas, algumas esfaqueadas e incendiadas com gasolina, seus corpos queimados para não serem reconhecidos e jogados na beira da estrada.

Seu verdadeiro número de vítimas é desconhecido e apenas dois dos assassinatos resultaram em condenações por assassinato. De acordo com os biógrafos, o primeiro assassinato que confessou foi o de um motorista de táxi paquistanês em 1972. Mas é na Tailândia que sua suposta onda de assassinatos aumentou. Pelo menos seis vítimas – um turista norte-americano, um turco, dois franceses e o casal holandês – teriam sido mortos por Sobhraj e seus cúmplices em 1975.

A descoberta daquele ano do corpo de mulher norte-americana, encontrada usando biquíni e boiando na praia de Pattaya, lhe valeria outro apelido: “o assassino do biquíni”.

Dentro do covil de Sobhraj

Na época, Knippenberg ainda não sabia de tudo isso.

A fuga de Sobhraj deixou o diplomata deprimido. Ele recebeu ligações furiosas de autoridades da Holanda, frustrados com a inércia da polícia tailandesa. Percebendo que Knippenberg ainda estava trabalhando no caso, o embaixador holandês ordenou que ele tirasse férias de três semanas.

Antes de sair de férias, Knippenberg e sua então esposa, Angela, compilaram documentos relacionados ao caso e os deixaram em embaixadas em Bangkok.

Quando voltou das férias, o diplomata recebeu um telefonema do embaixador canadense. A polícia canadense visitou os pais de Leclerc, que disseram que sua filha estava viajando com o namorado e deixara um contato de emergência perto de Marselha, na França.

Quando a polícia francesa verificou o telefone, descobriu que o contato era a própria mãe de Sobhraj. Agora eles sabiam a verdadeira identidade do namorado da canadense Leclerc: ele era Charles Sobhraj.

Naquele mês, a francesa Gires ligou, avisando que o dono do apartamento de Sobhraj planejava alugar o imóvel em Bangkok e jogar fora seus pertences. Preocupado com a perda de evidências cruciais, Knippenberg reuniu uma equipe e invadiu o local, que era “decadente e imundo”, lembra Knippenberg.

No local, encontraram 5 kg de remédios e três embalagens de tamanho industrial de um líquido contendo uma droga que agia tanto como laxante quanto como “camisa de força química’, paralisando a vítima, segundo Knippenberg. Eles também encontraram o casaco e a bolsa da holandesa Hemker.

Em 5 de maio de 1976, o embaixador holandês disse a Knippenberg para contar tudo para a imprensa. Dias depois, o “Bangkok Post” publicou uma matéria explosiva de primeira página intitulada “Teia da Morte”.

Depois disso, as autoridades tailandesas se atualizaram do caso e emitiram um aviso da Interpol – o que ajudou a levar Sobhraj a ser capturado na Índia em 5 de julho de 1976.

Teia da Morte: relatos dos assassinatos chegaram à primeira página do “Bangkok Post” em 8 de maio de 1976.
Foto: Cortesia/Herman Knipemberg

Mordomia atrás das grades

Na época, maio de 1976, como já havia feito outras vezes, Sobhraj estava fugindo.

No começo daquele ano, o assassino havia voltado para a França. Mas, com os chamados “assassinatos de biquínis” agora nas manchetes internacionais, ele fugiu para a Índia com Leclerc, chegando a Nova Delhi no início de junho após dirigir por terra em um Citroën CX 2200 desde a Europa, de acordo com sua biografia.

O mandado de prisão internacional colocou Sobhraj no radar das autoridades – e a polícia indiana tinha suas próprias contas a acertar com ele.

As autoridades indianas prenderam Sobhraj depois de ele drogar e roubar um grupo de turista franceses em Nova Delhi, em julho de 1976. Ele também foi acusado dos assassinatos naquele ano de um israelense em Varanasi e de um turista francês em Delhi.

Embora suas condenações por essas duas mortes tenham sido anuladas posteriormente em um recurso, ele foi considerado culpado de tentar roubar o grupo de turistas e sentenciado a 12 anos na prisão de Tihar, notoriamente superlotada e com poucos funcionários.

A vida atrás das grades não foi de todo ruim para Sobhraj. Sunil Gupta, ex-carcereiro e depois superintendente da prisão de Tihar, diz que ele tinha privilégios especiais, incluindo comida feita de acordo com sua preferência e visitas conjugais que normalmente não são concedidas aos presidiários.

“Os prisioneiros deveriam ficar em suas alas, mas ele circulava livremente”, contou Gupta, autor de um livro de memórias sobre seus mais de 30 anos trabalhando na prisão de Delhi.

De acordo com Gupta, Sobhraj ganhava dinheiro redigindo petições judiciais para presidiários ricos e depois mantinha seu status elevado subornando guardas. Ele também teria feito gravações secretas de altos funcionários da prisão, o que os implicaria em corrupção. “Todo mundo tinha medo dele”, contou Gupta.

Quando o jornalista de Bangkok Alan Dawson entrevistou Sobhraj em Tihar em 1984, ele percebeu que ele “parecia ter dominado” sua ala. Dawson relata que aquela era “prisão horrível, com milhares de familiares, advogados, vigaristas e outros clamando por uma palavra com seu prisioneiro”.

“Tihar foi uma revelação para mim”, contou Dawson. “Os prisioneiros viviam dentro das paredes e grades, e as ‘autoridades’ cuidavam da papelada e assim por diante. Mesmo com esses padrões, Charles foi uma surpresa.

Ele tinha uma suíte de três celas, e o diretor da prisão o chamava de senhor Charles. Fui levado pelo portão de segurança da frente e parecia que os guardas tinham instruções para serem bons comigo. Será que as instruções vieram do diretor ou de Charles?”, questionou.
“Desde o início, ficou óbvio para mim que Charles era um vigarista, buscando o controle da situação. Ele era um cara bonito e tinha aquele jeito canalha de fazer você acreditar que você era o centro das atenções dele”.

Outra fuga da prisão

Em 17 de março de 1986, Sobhraj deu início a uma de suas maiores trapaças.

Gupta disse que estava assistindo a um filme em casa quando entrou uma notícia urgente: Sobhraj havia escapado da prisão. Gupta correu para a prisão, onde encontrou uma cena chocante: todos os porteiros estavam dormindo. Sobhraj disse aos funcionários que era seu aniversário e lhes deu doces misturados com sedativos. Mais de uma dúzia de prisioneiros escaparam.

Faltavam apenas algumas semanas para Sobhraj acabar de cumprir sua pena. Gupta suspeita que ele estava preocupado em ser extraditado para a Tailândia, onde enfrentaria acusações de assassinato pelos crimes de 1975. E isso lhe daria a pena de morte.

A milhares de quilômetros de distância, nos Estados Unidos, o diplomata Knippenberg estava estudando para um mestrado em administração pública na Universidade de Harvard quando recebeu um telefonema de sua orientadora.

“Acho que você deveria ir para a clandestinidade por enquanto. Sobhraj escapou da prisão de Tihar e acho que sua vida pode estar em perigo”, disse a orientadora.
Knippenberg não levou a sério: ele acreditava que Sobhraj era muito inteligente para vir atrás dele e que deveria estar escondido à vista de todos.

Ele estava certo. Sobhraj foi pego em 6 de abril “enquanto bebia cerveja no balneário de Goa para celebrar o seu 42º aniversário”, como a Associated Press relatou na época. “Ele não disse nada. Foi muito frio”, disse Gines Viegas, o proprietário do restaurante Coconut Tree, onde Sobhraj foi capturado, de acordo com a reportagem.

O vietnamita foi preso por uma sentença estendida, durante a qual o os supostos assassinatos tailandeses expirariam. Sobhraj não enfrentava mais uma pena de morte quase certa.

Uma grande questão

Sobhraj nunca deu uma razão convincente para os assassinatos.
Dawson, o jornalista, planejava escrever um livro com o assassino, mas disse que abandonou a ideia quando Sobhraj exigiu US$ 10 mil (cerca de R$ 57 mil) para cooperar. No entanto, ele fez uma entrevista ao visitá-lo na prisão de Tihar em 1094. A primeira pergunta: “Por que?”

“Ele nunca deu uma boa resposta”, diz Dawson. “Ele deu a entender que, se ‘nós’ escrevêssemos um livro, a resposta seria que todos aqueles brancos haviam corrompido e arruinado a Ásia com o tráfico de ópio. E, portanto, seu raciocínio era que os brancos de hoje mereciam morrer por isso”.

Sobhraj reza na Catedral de Notre-Dame, Paris, em 1997, depois de ser libertado da prisão na Índia.
Foto: Shutterstock

Descrevendo seus encontros com Sobhraj, o autor Neville escreveu que inicialmente tinha “uma teoria crua de Charles como um filho do colonialismo se vingando da contracultura. Em vez disso, fiquei deslumbrado por um psicopata brilhante”.

De acordo com Neville, Sobhraj explicou os assassinatos dizendo “Eu nunca matei gente boa” e que havia se inspirado em “psicanálise, política global e budismo para criar um mundo aconchegante de racionalização e circunstâncias atenuantes” para justificar seus crimes.

“Suas alegações de que sua vida toda era um protesto contra o sistema legal francês ou que seu amor pelo Vietnã e pela Ásia motivara sua carreira criminosa são absurdas, mas como ferramentas de manipulação psicológica foram muito eficazes”, escreveu Neville.

Questionado por Neville o que fez de alguém um assassino, Sobhraj respondeu: “Ou se tem muitos sentimentos que não podem ser controlados, ou não se tem sentimentos. É um ou outro”.

O assassino não disse qual dos dois cenários se aplica a ele.
Sobhraj “sempre quis que seu nome estivesse em destaque”, de acordo com Gupta, seu carcereiro. Após sua libertação de Tihar em 1997, após 21 anos preso, ele ficou em destaque na mídia.

O assassino vendeu os direitos do filme e do livro de sua história por US$ 15 milhões (cerca de R$ 85 milhões) para um ator e produtor francês não revelado, de acordo com a BBC, mas o filme nunca foi feito.
Apesar de vários livros e numerosos programas de televisão sobre Sobhraj, Dawson diz que ainda não sabemos os verdadeiros motivos de sua “violência terrível e assassina”.

“É por isso que fui a Delhi para vê-lo e aqui estou (mais de) 35 anos depois e ainda não tenho nenhuma pista real”.

Condenações por assassinato

Em uma manhã de inverno de 2003 em Wellington, Nova Zelândia, Knippenberg estava celebrando seu primeiro dia de aposentadoria comendo panquecas. Mais uma vez, um telefonema fatídico de um amigo o tirou do sossego: Sobhraj, que morava na França, tinha acabado de ser preso no Nepal e acusado do assassinato de um turista em 1975 em Katmandu.

A decisão de Sobhraj de viajar para Katmandu foi uma escolha curiosa: o Nepal era o único lugar do mundo onde ele ainda era um homem procurado. Questionado pela polícia nepalesa, Sobhraj negou que já tivesse visitado o país do Himalaia.

Sobhraj, com o rosto coberto, é cercado por fotógrafos do lado de fora do tribunal distrital de Kathmandu em 22 de setembro de 2003.
Foto: Getty Images

O ex-diplomata holandês desceu até sua garagem, onde havia seis caixas de documentos relacionados ao caso Sobhraj. Enquanto buscava a declaração que a canadense Leclerc fizera quando ela foi capturada em julho de 1976, Knippenberg descobriu que se lembrava corretamente: a ex-namorada de Sobhraj descreveu em detalhes o tempo que ela passou no Nepal com ele.

Ele enviou os documentos para o FBI.

“Acho exagero dizer que fui diretamente responsável por sua condenação no Nepal. Embora meus esforços tenham indicado à polícia do Nepal o que havia e onde procurar”.

Sobhraj foi preso na capital nepalesa em 13 de setembro de 2003 e acusado pelo assassinato da turista norte-americana Connie Jo Bronzich em 1975. Ele se declarou inocente.

Mas, como os advogados de Sobhraj detalharam em uma queixa apresentada ao Comitê de Direitos Humanos da ONU em 2008, sua prisão e julgamento violaram seus direitos humanos. Sobhraj foi detido por 25 dias sem advogado, e então condenado em agosto de 2004 à prisão perpétua, embora não tenha sido capaz de chamar suas próprias testemunhas ou ouvir as provas apresentadas contra ele, pois não falava nepalês.

O documento diz que ele foi mantido quase continuamente isolado.

Em um artigo publicado em 2010, o então oficial encarregado do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Nepal, Anthony Cardon, escreveu que os direitos humanos deveriam ser garantidos a todos, “por mais notórios seus supostos crimes”.

Não fez diferença. Sobhraj permaneceu na prisão, perdendo vários recursos.

Em 2014, um tribunal nepalês condenou o homem pelo assassinato em 1975 do turista canadense Laurent Carrière, proferindo uma sentença de 20 anos. O caso foi reaberto em 2013 porque os promotores estavam preocupados que Sobhraj pudesse apelar por uma libertação antecipada da prisão devido à idade avançada, de acordo com um funcionário do tribunal nepalês.

Mesmo atrás das grades, Sobhraj ainda chegava às manchetes. Em 2008, então com 64 anos, ele se casou com a filha de 20 anos de seu advogado, Nihita Biswas, que também atuou como sua tradutora. “Ele é inocente”, disse Biswas em uma entrevista ao jornal “Times of India” naquele ano. “Não há provas contra ele”.

Sem fim

De certa forma, o caso agora está encerrado. Sobhraj, 76, está cumprindo sentença de prisão perpétua. Muitos de seus supostos cúmplices estão desaparecidos ou mortos.

Ao refletir sobre o caso que absorveu a melhor metade de sua vida, Knippenberg, também com 76 anos, acredita que o que o incomodou foi a injustiça. “Fui confrontado com uma situação em que pessoas inocentes estavam morrendo e ninguém fazia nada”, contou. “Eu vi isso como o fracasso completo da democracia”.

Essa obsessão impactou sua vida algumas vezes. A fixação no caso às vezes fez com que seus colegas de trabalho o considerassem um tanto excêntrico. Mas, no drama da BBC/Netflix lançado este ano, que teve consultoria de Knippenberg, o ex-diplomata é pintado como um herói. Ele reconhece que as informações que forneceu ajudaram a fazer com que Sobhraj fosse preso em dois países, mas diz que não pensa em si mesmo dessa forma.

“Não vejo nenhum herói aqui. Foi um trágico mau uso de uma mente supremamente talentosa”, disse ele sobre Sobhraj.

Mais de 45 anos depois daquela carta fatídica, Knippenberg disse que não ficaria surpreso se lesse amanhã que o governo nepalês decidiu soltar Sobhraj.

A verdadeira resolução, disse ele, só pode vir de duas maneiras. “Isso não acaba para mim até que ele esteja em um mundo melhor, ou eu esteja em um mundo melhor”, disse Knippenberg. “Não há garantia de nada”.

(Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui).

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Fonte cnnbrasil
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