STF derruba exclusividade do MP para propor ações de improbidade
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou na quarta-feira, 31, os trechos da nova Lei de Improbidade Administrativa (LIA) que impediam União, Estados e municípios de entrarem com ações de improbidade. A reforma legislativa aprovada pelo Congresso em outubro do ano passado tornou a atribuição uma prerrogativa exclusiva do Ministério Público.
Os ministros concluíram que a mudança é inconstitucional, porque enfraquece a proteção ao patrimônio público. A avaliação predominante no julgamento foi a de que a Fazenda Pública tem o direito e o dever de entrar com ações de improbidade sempre que encontrar indícios de mau uso do dinheiro ou da estrutura administrativa das prefeituras, dos governos e da presidência.
A decisão alcança a prerrogativa de celebrar acordos de não persecução civil, que também havia sido restrita ao Ministério Público.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) foi a favor da derrubada da alteração legislativa.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, disse que a mudança deixaria o sistema de fiscalização “capenga”. Ainda segundo o ministro, as alterações ferem “toda a lógica constitucional de proteção ao patrimônio público”.
“O Ministério Público tem legitimidade extraordinária concorrente às Fazendas públicas para intensificar o combate à improbidade administrativa, jamais para substituir, englobar e diminuir essa proteção”, defendeu.
“O Ministério Público não é senhor absoluto da probidade administrativa. É direito de todo cidadão um governo honesto”, acrescentou a ministra Cármen Lúcia.
Deputados e senadores justificaram a mudança com o argumento de que as ações de improbidade vinham sendo usadas politicamente para perseguir adversários. Por isso, defenderam restringir a proposição desses processos aos membros do Ministério Público. Embora sejam servidores técnicos, advogados públicos e procuradores estaduais e municipais fazem parte da estrutura administrativa dos governos – e não raro ocupam cargos comissionados.
Na avaliação dos ministros, há mecanismos para embargar eventuais ações abusivas e punir os responsáveis por elas.
“Se há ações temerárias, aqueles que propuseram essas ações devem ser responsabilizados. Ademais, a lei permite que essas ações sejam encerradas por justa causa. O que não é possível é, a priori e genericamente, impedir que toda a advocacia pública defenda o patrimônio público porque pode ocorrer um abuso”, defendeu Moraes.
“É preciso aperfeiçoar o sistema, mas isso não significa que por erro de um juiz ou de um promotor, nós tenhamos que cercear os instrumentos de controle, muito menos as instituições”, concordou Cármen Lúcia.
Uma corrente minoritária do STF chegou a propor que as Fazendas Públicas só pudessem entrar com ações de improbidade se houvesse prejuízo aos cofres públicos e para pedir o ressarcimento do dano ao erário. Nesse caso, a reivindicação de sanções políticas contra os servidores públicos continuaria a cargo exclusivo do MP. Foi uma forma encontrada para evitar o uso abusivo das ações de improbidade em disputas políticas de grupos antagônicos. Neste ponto, ficaram vencidos os ministros Kassio Nunes Marques e Dias Toffoli.
“Essa questão da aplicação das demais sanções refoge ao desejo daquele que ajuíza a ação de improbidade. Quem vai decidir é o juiz. Nós estaríamos quase que legislando em matéria processual”, rebateu o ministro Ricardo Lewandowski.
O ministro Gilmar Mendes votou para declarar a reforma legislativa constitucional.
Defesa
O STF também decidiu que os advogados públicos não são obrigados a defender servidores processados por improbidade, mesmo quando tiverem emitido pareceres usados para fundamentar os atos administrativos contestados.
Para a maioria do STF, essa imposição acabaria gerando um “receio de atuação”. Os ministros avaliaram que, apesar de um eventual parecer técnico, o gestor público é quem tem a palavra final sobre as decisões administrativas.
“Salvo a comprovada má fé, ou o conluio com o agente público, [o advogado público ou procurador do Estado] não pode ser responsabilizado pelo seu parecer, porque o parecer não é vinculativo”, complementou Moraes. “Entre a declaração de legalidade do ato por um determinado parecer e o que o administrador faz durante a execução daquele ato há inúmeras possibilidades.”
A decisão não impede a Advocacia-Geral da União (AGU) e as procuradorias dos Estados e municípios de assumirem a defesa dos agentes públicos processados por improbidade, mas deixa a cargo dos governos e prefeituras decidirem, com base na legislação local, se essa representação judicial é ou não adequada.
Revisão
O STF encerra o mês de agosto com a pauta ocupada por ações que contestam a reforma na Lei de Improbidade. No último dia 18, os ministros vetaram a anistia de condenações definitivas com base na legislação anterior, mas pouparam políticos investigados ou com processos pendentes, que não podem mais ser enquadrados na antiga modalidade culposa.