POLÍTICA Em livro, juíza critica Lava Jato e diz que houve manipulação nos processos contra Lula
A autora usa palavras como seletividade, ocultação, voluntarismo e engajamento para se referir aos métodos usados pela operação
Para alcançar resultados inéditos que impressionaram o Brasil e o mundo a Operação Lava Jato e a Justiça Federal se aproveitaram de um longo aprendizado em relação às ferramentas legais e processuais de combate à corrupção, mas também operaram em uma zona cinzenta que dá margem a questionamentos quanto ao cumprimento de preceitos básicos da democracia como a imparcialidade do Judiciário e a garantia de direitos individuais.
Essa é uma das conclusões do livro Lava Jato – Aprendizado Institucional e Ação Estratégica na Justiça, da juíza federal Fabiana Alves Rodrigues.
Substituta na 10.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, especializada em crimes financeiros, a juíza se debruçou sobre as ações decorrentes da Lava Jato para fazer uma análise profunda sobre os métodos processuais utilizados na operação. O resultado foi uma tese de mestrado em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) agora transformada em livro que chega ao mercado pela editora WMF Martins Fontes.
A obra tem dois grandes diferenciais em relação a tantas outras sobre a Lava Jato. O primeiro é o fato de a autora ser juíza federal desde 2009, ou seja, integrante ativa do Judiciário, cujo know-how e experiência ajudaram a enxergar ângulos inéditos com base em detalhes técnicos como o tempo de andamento das ações e número de testemunhas e réus, por exemplo.
O segundo é que Fabiana não aborda o mérito dos crimes investigados e punidos pela Lava Jato, mas se concentra apenas nos aspectos processuais das ações. Dados externos aos processos como as conversas entre integrantes da força-tarefa de Curitiba e o ex-juiz Sérgio Moro reveladas pelo The Intercept, foram deixados de lado. O resultado é uma análise desapaixonada da operação que marcou a história do Brasil.
Fabiana deixa claro os avanços institucionais e os resultados incomparáveis da operação na punição aos acusados e recuperação de recursos públicos desviados. A obra, porém, também lança luz sobre os métodos usados pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal, pela Receita Federal e, sobretudo, pela Justiça Federal para que os resultados fossem alcançados.
A pesquisa aponta que havia um alinhamento entre Moro e os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e os responsáveis pela investigação (MPF e PF) para conferir agilidade ou retardar o andamento de processos conforme os interesses dos investigadores. Levanta ainda que o timing das sentenças e as prisões cautelares foram usadas para facilitar a obtenção de delações premiadas e que Moro omitiu locais e fatos dos crimes investigados para driblar as normas do Judiciário e manter os processos em Curitiba. Mostra também que mecanismos foram criados para impedir a apreciação dos acordos de delação por tribunais superiores e que as conduções coercitivas foram instrumento de constrangimento aos investigados.
Aponta também que a força-tarefa usou relações interpessoais para atropelar os procedimentos legais de cooperação internacional e tentar abocanhar 2,5 bilhões de reais em multas pagas pela Petrobrás e que réus e crimes foram ignorados ou deixados em segundo plano para que o foco se mantivesse em alvos pré-estabelecidos.
A autora fala em “métodos heterodoxos”, “gestão criativa”, “quebra de isonomia” e usa palavras como “seletividade”, “ocultação”, “voluntarismo” e “engajamento” para se referir aos métodos usados pela Lava Jato e as relações entre seus integrantes.
Ao conjunto dessas atitudes Fabiana dá o nome de “ação estratégica” da Lava Jato nas “áreas cinzentas” da legislação por dubiedade na redação das leis ou falta de regulamentações.
A juíza não questiona a ocorrência dos crimes desvendados pela Lava Jato, mas a forma e os métodos usados para obtenção dos resultados e a postura dos magistrados que, em um sistema democrático, não podem tomar partido a favor ou contra as partes do processo.
“O elevado interesse na condução de um caso sugere o comprometimento do juiz com o resultado do processo. Isso esbarra num princípio caro às democracias: a imparcialidade daquele que exerce o papel de julgador. O tema é especialmente importante diante da dificuldade de comprovar a parcialidade do juiz”, disse ela.
Lula
Fabiana dedica todo um capítulo à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com base na comparação entre o trâmite das ações contra Lula e outros processos tanto na 13.ª Vara Criminal de Curitiba quanto no TRF-4, ela conclui que magistrados aceleraram a condenação no caso do triplex do Guarujá para barrar a candidatura do petista à presidência em 2018 e impedir que o ex-presidente fosse eleito, o que inviabilizaria sua punição.
Segundo a juíza, a análise deixa claro que Lula era o alvo desde o início da operação e que houve manipulação dos processos contra o petista.
“Dizendo claramente: se a condenação de Lula em segunda instância não tivesse ocorrido a tempo de impedir sua candidatura, a pena imposta ao alvo central da operação não seria aplicada se ele vencesse em 2018. É interessante destacar que a escolha política dos atores do Judiciário Federal, que, tendo em mãos a opção de deixar sob as rédeas do eleitor o controle político da responsabilidade de Lula sobre os desvios na Petrobrás, optaram por excluir essa possibilidade para fazer prevalecer a caneta dos togados”, escreve ela.