O que sobrou para os trabalhadores dos Correios após a greve?
Depois de 35 dias de greve nacional, os funcionários dos Correios acataram uma decisão judicial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e interromperam a mobilização em 22 de setembro. Mas eles saíram perdendo: foram eliminadas 50 das 79 cláusulas que estavam no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), nome dado ao contrato em que as regras trabalhistas são firmadas a partir de um consenso entre a empresa e os empregados. Os Correios queriam eliminar 70 cláusulas.
Ouvidas por CartaCapital, duas entidades sindicais que lideraram os grevistas ajudam a explicar as derrotas: a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), associada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), e a Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect), ligada à Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
As novas regras constam no acórdão do TST, juntado ao processo em 1º de outubro. O acórdão é o documento que formaliza, por escrito, a decisão final do tribunal, que julgou o caso em 21 de setembro.
Hoje chefiados pelo general Floriano Peixoto, os Correios têm 99.054 empregados em 2020, segundo dados do governo federal. De acordo com as federações, cerca de 80% dos trabalhadores, como os carteiros, recebem salários abaixo de 2 mil reais. Conforme mostra tabela dos Correios, o salário atual mais baixo é de 1.803,17 reais.
O TST concedeu um reajuste salarial de 2,6% aos trabalhadores neste ano, mas cortou uma série de benefícios dos quais eles dependiam para incrementar a renda. Com a tesourada, as federações estimam impacto de pelo menos 30% nos ganhos mensais.
As 79 cláusulas estão enumeradas no acordo coletivo firmado em 2018, que teve validade de um ano. Em 2019, foram mantidas por meio de uma sentença judicial. Neste ano, das 29 que permaneceram, 9 foram propostas pelos próprios Correios e outras 20 têm “natureza puramente social”.
A seguir, CartaCapital elencou sete itens destacados pelas duas federações como as principais perdas.
Cortes no reembolso creche e babá
Cláusula 49 do acordo de 2018, o reembolso creche era voltado para as empregadas dos Correios que são mães – elas poderiam contar com isso até os sete anos de idade da criança. Se interessadas, as mulheres também poderiam contar com um reembolso para o gasto com babás. O benefício era destinado exclusivamente para despesas com creche, berçário e jardim de infância.
Segundo o acordo coletivo, o valor não poderia ultrapassar 584,61 reais mensais.
O TST manteve a redação original em decisão de 2019. Em 2020, entrou no rol da “manutenção indeferida”.
A questão é tratada como um direito no Artigo 389 da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), mas no período da amamentação, que é de seis meses. Segundo a regra, os estabelecimentos com mais de 30 empregadas acima de 16 anos “terão local apropriado onde seja permitido guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação“.
Menos tempo para amamentar
O período de amamentação é previsto na CLT como o prazo de seis meses em que ela tem direito a dois descansos especiais, de meia hora cada um, durante a jornada de trabalho. Mas a Cláusula 12 do acordo coletivo dos Correios dava dois descansos de uma hora por um ano de amamentação.
Em casos de jornadas inferiores a oito horas, os dois descansos eram de meia hora cada.
Mantido pelo TST em 2019, o texto foi indeferido neste ano.
“Foi retirada a cláusula do período de amamentação da mulher. A mulher tinha o período de um ano, agora, é conforme a legislação, que são seis meses. A empresa também reduziu esse benefício”, explica José Aparecido Gândara, presidente do Findect.
O item estava no capítulo que previa 15 “cláusulas sociais”, de onde 12 foram retiradas. Elas previam também compromissos como atenção a casos de discriminação racial, ações para reduzir a desigualdade entre negros e indígenas e seminários, fóruns e palestras para discutir sobre assuntos relacionados à população LGBT.
Redução na licença-maternidade
Pela CLT, já é previsto o direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Mas o acordo de 2018 também previa, na Cláusula 13, que os Correios permitissem mais 60 dias de licença-maternidade, completando o total de 180 dias.
Segundo o acordo, as empregadas poderiam requerer a “prorrogação” até o prazo de 30 dias antes do término da licença-maternidade, de 120 dias.
Durante esse período a mais, a empregada não podia exercer qualquer atividade remunerada e a criança não poderia ser mantida em creche ou organização similar. A empregada também não poderia receber o reembolso creche e babá.
O TST havia mantido o texto em 2019, mas em 2020, também “indeferiu a manutenção”. Agora, Gândara explica que o período de licença-maternidade volta a ser de 120 dias, o que representa um corte dos direitos que as trabalhadoras dos Correios tinham.
“A licença-adoção tinha os mesmos direitos da licença-maternidade e foi excluída também”, acrescenta o presidente do Findect.
Plano de saúde mais caro
Segundo Gândara, 30% dos trabalhadores dos Correios pediram a saída do plano de saúde porque não conseguem pagar da forma como o TST definiu.
Na Cláusula 28 do acordo de 2018, os Correios ofereceriam serviços de assistência médica, hospitalar e odontológica aos empregados e aposentados. Os trabalhadores participam do pagamento do serviço por meio de um sistema compartilhado.
Os trabalhadores dos 16 cargos com as menores rendas contribuiriam com 10% do pagamento. Outros 40 cargos contribuem com até 20% do valor.
A separação por faixa salarial foi mantida pelo TST em 2019, mas uma decisão do STF suspendeu essa cláusula. No acórdão deste ano, o TST alterou a redação do texto.
“A empresa disponibilizará Benefício de Assistência à Saúde por meio de operadora contratada, de adesão facultativa e mediante cobrança de mensalidade e coparticipação dos beneficiários”, firmou o TST neste ano, sem definir o percentual.
Segundo as federações, hoje, os trabalhadores dos Correios têm que arcar com até 50% do preço do plano de saúde. Isso porque, em 23 de janeiro de 2018, uma comissão interministerial publicou uma resolução que trata dos planos de saúde pagos pelas empresas estatais. Segundo a resolução, as estatais não podem pagar ao plano de saúde um valor superior à contribuição dos empregados.
“Houve uma exclusão de mais de 30 mil trabalhadores, por falta de condições de pagar”, diz o presidente do Findect.
Auxílio para dependentes com deficiência física
No acordo coletivo entre 2018 e 2019, a Cláusula 48 previa auxílio para dependentes com deficiência. De acordo o texto, os Correios eram encarregados dar reembolso aos empregados que tivessem filhos, enteados, tutelados e curatelados (pessoa que tem seus bens administrados por outra).
Esses reembolsos dizem respeito aos “recursos especializados” utilizados pelos empregados, como manutenção em escolas adequadas e tratamentos de saúde, este último a depender da análise do Serviço Médico da estatal.
Segundo o texto, o valor corresponderia ao somatório das despesas, mas não poderia ultrapassar 928,30 reais mensais a cada dependente
Em 2019, a redação original dessa cláusula foi mantida por decisão do TST. Agora, em 2020, maioria dos ministros do Tribunal decidiu “indeferir a manutenção” da cláusula.
Essa é uma das perdas destacadas por José Rivaldo da Silva, secretário-geral do Fentect.
“Os Correios gastavam mais ou menos 300 mil reais por mês com essa cláusula e atendiam os pais com os filhos especiais, melhorando a qualidade de vida das crianças, aumentando a sobrevida delas, dando bem-estar. Com essa suspensão, o trabalhador que ganha 1,8 mil reais não tem como pagar para manter um tratamento”, explica.
Vale-alimentação com redução
Rivaldo da Silva também aponta redução no vale-alimentação para 22 folhas ou só para os dias trabalhados. Segundo Gândara, o corte no benefício representa cerca de 350 reais de prejuízos ao empregado.
Na Cláusula 51, o acordo de 2018 previa que o pagamento, pelos Correios, de 37,96 reais de vale-alimentação, em 26 vales para quem trabalha cinco dias por semana, e em 30 vales para quem trabalha em seis dias por semana.
No acórdão do TST deste ano, o vale-refeição entra com a seguinte redação: “A empresa disponibilizará benefício de refeição/alimentação conforme o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, definindo seus parâmetros”.
Vale-cultura é retirado
Rivaldo da Silva explica que o vale-cultura é uma cláusula que incentiva o trabalhador a ter maior acesso à cultura e a oferecer atividades à família. “O vale-cultura é de 50 reais para quem ganha até 3 mil reais. Era uma cláusula que ajudava o trabalhador a comprar um livro ou, quando ele juntava três meses, conseguia ir ao cinema com a esposa e o filho”, diz o secretário do Fentect.
Cláusula 53 do acordo coletivo de 2018, o item foi retirado pelo acórdão do TST deste ano, por unanimidade dos ministros. Rivaldo explica que o texto do acordo não difere do que já é previsto em lei. Contudo, a retirada da cláusula pelo tribunal dá andamento à política do governo federal de desprezar o incentivo à cultura.
“Era o que já é previsto na lei, mas como o governo quer acabar com a cultura. Se você observar, não tem nem mais Ministério da Cultura. É só uma secretaria trabalhando contra a cultura”, afirma.
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Depois de 35 dias de greve nacional, os funcionários dos Correios acataram uma decisão judicial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e interromperam a mobilização em 22 de setembro. Mas eles saíram perdendo: foram eliminadas 50 das 79 cláusulas que estavam no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), nome dado ao contrato em que as regras trabalhistas são firmadas a partir de um consenso entre a empresa e os empregados. Os Correios queriam eliminar 70 cláusulas.
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Ouvidas por CartaCapital, duas entidades sindicais que lideraram os grevistas ajudam a explicar as derrotas: a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), associada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), e a Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect), ligada à Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
As novas regras constam no acórdão do TST, juntado ao processo em 1º de outubro. O acórdão é o documento que formaliza, por escrito, a decisão final do tribunal, que julgou o caso em 21 de setembro.
Hoje chefiados pelo general Floriano Peixoto, os Correios têm 99.054 empregados em 2020, segundo dados do governo federal. De acordo com as federações, cerca de 80% dos trabalhadores, como os carteiros, recebem salários abaixo de 2 mil reais. Conforme mostra tabela dos Correios, o salário atual mais baixo é de 1.803,17 reais.
O TST concedeu um reajuste salarial de 2,6% aos trabalhadores neste ano, mas cortou uma série de benefícios dos quais eles dependiam para incrementar a renda. Com a tesourada, as federações estimam impacto de pelo menos 30% nos ganhos mensais.
As 79 cláusulas estão enumeradas no acordo coletivo firmado em 2018, que teve validade de um ano. Em 2019, foram mantidas por meio de uma sentença judicial. Neste ano, das 29 que permaneceram, 9 foram propostas pelos próprios Correios e outras 20 têm “natureza puramente social”.
A seguir, CartaCapital elencou sete itens destacados pelas duas federações como as principais perdas.
Cortes no reembolso creche e babá
Cláusula 49 do acordo de 2018, o reembolso creche era voltado para as empregadas dos Correios que são mães – elas poderiam contar com isso até os sete anos de idade da criança. Se interessadas, as mulheres também poderiam contar com um reembolso para o gasto com babás. O benefício era destinado exclusivamente para despesas com creche, berçário e jardim de infância.
Segundo o acordo coletivo, o valor não poderia ultrapassar 584,61 reais mensais.
O TST manteve a redação original em decisão de 2019. Em 2020, entrou no rol da “manutenção indeferida”.
A questão é tratada como um direito no Artigo 389 da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), mas no período da amamentação, que é de seis meses. Segundo a regra, os estabelecimentos com mais de 30 empregadas acima de 16 anos “terão local apropriado onde seja permitido guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação“.
Menos tempo para amamentar
O período de amamentação é previsto na CLT como o prazo de seis meses em que ela tem direito a dois descansos especiais, de meia hora cada um, durante a jornada de trabalho. Mas a Cláusula 12 do acordo coletivo dos Correios dava dois descansos de uma hora por um ano de amamentação.
Em casos de jornadas inferiores a oito horas, os dois descansos eram de meia hora cada.
Mantido pelo TST em 2019, o texto foi indeferido neste ano.
“Foi retirada a cláusula do período de amamentação da mulher. A mulher tinha o período de um ano, agora, é conforme a legislação, que são seis meses. A empresa também reduziu esse benefício”, explica José Aparecido Gândara, presidente do Findect.
O item estava no capítulo que previa 15 “cláusulas sociais”, de onde 12 foram retiradas. Elas previam também compromissos como atenção a casos de discriminação racial, ações para reduzir a desigualdade entre negros e indígenas e seminários, fóruns e palestras para discutir sobre assuntos relacionados à população LGBT.
Redução na licença-maternidade
Pela CLT, já é previsto o direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Mas o acordo de 2018 também previa, na Cláusula 13, que os Correios permitissem mais 60 dias de licença-maternidade, completando o total de 180 dias.
Segundo o acordo, as empregadas poderiam requerer a “prorrogação” até o prazo de 30 dias antes do término da licença-maternidade, de 120 dias.
Durante esse período a mais, a empregada não podia exercer qualquer atividade remunerada e a criança não poderia ser mantida em creche ou organização similar. A empregada também não poderia receber o reembolso creche e babá.
O TST havia mantido o texto em 2019, mas em 2020, também “indeferiu a manutenção”. Agora, Gândara explica que o período de licença-maternidade volta a ser de 120 dias, o que representa um corte dos direitos que as trabalhadoras dos Correios tinham.
“A licença-adoção tinha os mesmos direitos da licença-maternidade e foi excluída também”, acrescenta o presidente do Findect.
Plano de saúde mais caro
Segundo Gândara, 30% dos trabalhadores dos Correios pediram a saída do plano de saúde porque não conseguem pagar da forma como o TST definiu.
Na Cláusula 28 do acordo de 2018, os Correios ofereceriam serviços de assistência médica, hospitalar e odontológica aos empregados e aposentados. Os trabalhadores participam do pagamento do serviço por meio de um sistema compartilhado.
Os trabalhadores dos 16 cargos com as menores rendas contribuiriam com 10% do pagamento. Outros 40 cargos contribuem com até 20% do valor.
A separação por faixa salarial foi mantida pelo TST em 2019, mas uma decisão do STF suspendeu essa cláusula. No acórdão deste ano, o TST alterou a redação do texto.
“A empresa disponibilizará Benefício de Assistência à Saúde por meio de operadora contratada, de adesão facultativa e mediante cobrança de mensalidade e coparticipação dos beneficiários”, firmou o TST neste ano, sem definir o percentual.
Segundo as federações, hoje, os trabalhadores dos Correios têm que arcar com até 50% do preço do plano de saúde. Isso porque, em 23 de janeiro de 2018, uma comissão interministerial publicou uma resolução que trata dos planos de saúde pagos pelas empresas estatais. Segundo a resolução, as estatais não podem pagar ao plano de saúde um valor superior à contribuição dos empregados.
“Houve uma exclusão de mais de 30 mil trabalhadores, por falta de condições de pagar”, diz o presidente do Findect.
Auxílio para dependentes com deficiência física
No acordo coletivo entre 2018 e 2019, a Cláusula 48 previa auxílio para dependentes com deficiência. De acordo o texto, os Correios eram encarregados dar reembolso aos empregados que tivessem filhos, enteados, tutelados e curatelados (pessoa que tem seus bens administrados por outra).
Esses reembolsos dizem respeito aos “recursos especializados” utilizados pelos empregados, como manutenção em escolas adequadas e tratamentos de saúde, este último a depender da análise do Serviço Médico da estatal.
Segundo o texto, o valor corresponderia ao somatório das despesas, mas não poderia ultrapassar 928,30 reais mensais a cada dependente
Em 2019, a redação original dessa cláusula foi mantida por decisão do TST. Agora, em 2020, maioria dos ministros do Tribunal decidiu “indeferir a manutenção” da cláusula.
Essa é uma das perdas destacadas por José Rivaldo da Silva, secretário-geral do Fentect.
“Os Correios gastavam mais ou menos 300 mil reais por mês com essa cláusula e atendiam os pais com os filhos especiais, melhorando a qualidade de vida das crianças, aumentando a sobrevida delas, dando bem-estar. Com essa suspensão, o trabalhador que ganha 1,8 mil reais não tem como pagar para manter um tratamento”, explica.
Vale-alimentação com redução
Rivaldo da Silva também aponta redução no vale-alimentação para 22 folhas ou só para os dias trabalhados. Segundo Gândara, o corte no benefício representa cerca de 350 reais de prejuízos ao empregado.
Na Cláusula 51, o acordo de 2018 previa que o pagamento, pelos Correios, de 37,96 reais de vale-alimentação, em 26 vales para quem trabalha cinco dias por semana, e em 30 vales para quem trabalha em seis dias por semana.
No acórdão do TST deste ano, o vale-refeição entra com a seguinte redação: “A empresa disponibilizará benefício de refeição/alimentação conforme o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, definindo seus parâmetros”.
Vale-cultura é retirado
Rivaldo da Silva explica que o vale-cultura é uma cláusula que incentiva o trabalhador a ter maior acesso à cultura e a oferecer atividades à família. “O vale-cultura é de 50 reais para quem ganha até 3 mil reais. Era uma cláusula que ajudava o trabalhador a comprar um livro ou, quando ele juntava três meses, conseguia ir ao cinema com a esposa e o filho”, diz o secretário do Fentect.
Cláusula 53 do acordo coletivo de 2018, o item foi retirado pelo acórdão do TST deste ano, por unanimidade dos ministros. Rivaldo explica que o texto do acordo não difere do que já é previsto em lei. Contudo, a retirada da cláusula pelo tribunal dá andamento à política do governo federal de desprezar o incentivo à cultura.
“Era o que já é previsto na lei, mas como o governo quer acabar com a cultura. Se você observar, não tem nem mais Ministério da Cultura. É só uma secretaria trabalhando contra a cultura”, afirma.
Federações vão recorrer, diz advogado
Segundo explica o advogado Alexandre Lindoso, que atua na defesa do Fentect, a decisão do TST será alvo de recursos. Ele aponta que todas as cláusulas com alguma expressão econômica foram retiradas, restando apenas o plano de saúde e o vale-alimentação, “com redações genéricas, dando um cheque em branco para os Correios preencherem as lacunas com a regulamentação”.
O principal aspecto, diz Lindoso, é a questão de “como” os direitos foram sendo perdidos. Conforme já mostrou CartaCapital, os Correios alegaram um rombo bilionário em seus cofres nos anos de 2015 e 2016, que especialistas qualificam como consequência de uma “alteração contábil”.
Nos anos posteriores, contudo, a empresa apresentou lucros, que o advogado do Fentect atribui, especialmente em 2017, a ajustes no plano de saúde.
Em 2018, ano em que os Correios também lucraram, Lindoso lembra que houve conflito, mas chegou-se ao acordo coletivo com os trabalhadores. Segundo ele explica, o acordo coletivo de trabalho gera “cláusulas pré-existentes”, ou seja, uma espécie de segurança jurídica para que os itens não sejam extintos no ano seguinte.
Em linhas gerais, quando a validade do acordo de 2018 chegou ao fim em 2019, as “cláusulas pré-existentes” serviram de base para a Justiça definir as novas regras. As normas poderiam ser decididas a partir de um novo acordo, mas como os Correios e os trabalhadores não entraram em consenso naquele ano, a Justiça precisou decidi-las por meio de uma “sentença normativa”, nome dado às regras judiciais que substituem o acordo decidido entre as empresas e os trabalhadores.
Foi por causa das “cláusulas pré-existentes” que o TST manteve normas do acordo em 2019. Só que apenas o acordo coletivo gera essas “cláusulas pré-existentes”; uma “sentença normativa”, não. Então, em 2019, as regras trabalhistas passaram a ser regidas pela Justiça, sem as garantias de segurança para o ano seguinte. Em 2020, os trabalhadores perderam as “cláusulas pré-existentes”, e por isso houve um corte tão grande no número de itens.
Lindoso lembra que 2019 foi o mesmo ano em que Jair Bolsonaro virou presidente da República e intensificou o clamor pela privatização dos Correios.
“Ficou evidente, pela postura antinegocial dos Correios, que eles queriam esvaziar a norma coletiva. A pretensão dos Correios era não negociar em 2019, levar a categoria para a greve, acabar com a ‘pré-existência’ e, em 2020, fazer a limpa na norma coletiva”, explica o advogado.
Os trabalhadores dos Correios sempre abriram mão dos salários em troca de benefícios. Entre as estatais, eles têm o menor salário. Atribuir a eles a pecha de privilegiados é dizer que eles ganham 20 mil reais para entregar carta. Não é esse o tom adequado para se refletir essa questão
Os direitos que restaram
Os 29 itens do acordo coletivo que sobraram na sentença normativa, segundo o acórdão do TST, foram os seguintes:
- Reajuste salarial de 2,6%;
- Vale-alimentação/refeição, com texto classificado como “genérico”;
- Plano de saúde, com texto classificado como “genérico”;
- Acumulação de vantagens;
- Registro de ponto, que trata do registro de presença;
- Anistia, que trata de perdão a punições a empregados, muitas vezes relacionadas a grevistas;
- Assédio sexual e moral, que prevê ações para coibir a prática;
- Saúde da mulher, que prevê ações de conscientização contra o câncer de mama e mudança provisória de cargo para as gestantes no 5º mês, entre outros itens;
- Fornecimento de documentos, que trata do envio de manuais da empresa às entidades sindicais;
- Atestado de saúde na demissão;
- Averiguação das condições de trabalho, como exame de climatização e conforto ambiental nos locais de atuação dos empregados;
- Empregado vivendo com HIV ou Aids, sobre o remanejamento de empregados para manter o estado de saúde, vedada a dispensa sem justa causa;
- Ergonomia na empresa, sobre a avaliação dos Correios sobre as técnicas de trabalho;
- Fornecimento de Cat/Lisa, sobre os comunicados de acidentes de trabalho;
- Distribuição domiciliária, sobre os pesos transportados pelos carteiros, entre outros;
- Inovações tecnológicas, sobre a realocação de funcionários com atividades afetadas por “inovações tecnológicas” para outra atividade compatível com seu cargo;
- Jornada de trabalho nas agências, sobre os horários de trabalho e alimentação;
- Redimensionamento de carga;
- Concurso público, sobre a realização de concursos para os cargos e reservas para negros e pessoas com deficiência;
- Direito à ampla defesa, em processos de apuração por “falta grave” de funcionários;
- Responsabilidade civil em acidente de trânsito, sobre danos nos veículos das frotas dos Correios;
- Quadro de avisos, sobre a fixação de quadros para comunicados em bases territoriais pelos sindicatos;
- Conciliação de divergências, sobre a submissão à Justiça de eventuais divergências de interpretação sobre a sentença normativa;
- Processo permanente de negociação, sobre manter as negociações trabalhistas com as federações;
- Prorrogação, revisão, denúncia ou revogação, sobre a referência na CLT para decidir a manutenção ou revogação das regras;
- Negociação coletiva, sobre a ocorrência de fatos que alterem substancialmente a regulamentação salarial vigente;
- Acompanhamento do cumprimento de cláusulas do acordo;
- Penalidade, sobre as punições para o descumprimento das regras da sentença;
- Vigência, que determina a validade da sentença para 31 de julho de 2021.