Monitor da Violência: RJ registra 10 assassinatos por dia e tem 2ª maior alta do país no 1º semestre

Foram 1.790 assassinatos registrados nos primeiros seis meses do ano, contra 1.526 entre janeiro e junho de 2022. Em média, são 10 mortes violentas por dia ou uma morte a cada duas horas e meia.

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O Estado do Rio de Janeiro registrou alta de 17,3% no número de assassinatos nos primeiros seis meses de 2023 em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o índice nacional de homicídios criado pelo g1.

Foram contabilizados 1.790 assassinatos no 1º semestre de 2023, contra 1.526 registrados entre janeiro e junho de 2022. A alta é a segunda maior do país, atrás apenas do Amapá (65,1%).

Essas 1.790 mortes equivalem a 10 por dia ou uma a cada 2 horas e meia.

O resultado no RJ vai na contramão do país, que teve queda de 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Os dados não incluem as mortes decorrentes de violência policial (leia mais sobre a metodologia no final desta reportagem).

Estão contabilizadas no número as vítimas dos seguintes crimes: homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios (roubos seguidos de morte) e lesões corporais seguidas de morte.

O levantamento, que compila os dados mês a mês, faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do g1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Aumento da violência no Sudeste

 

Os dados apontam que todas as regiões do país tiveram queda nas mortes violentas intencionais — com exceção do Sudeste. Foram 5.099 assassinatos no Sudeste no primeiro semestre deste ano — 212 mortes a mais que no mesmo período de 2022. O número representa aumento de 4,3%.

Especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) diz que a alta no RJ estaria ocorrendo em razão, segundo pesquisadores locais, da morte de Ecko, chefe da maior milícia no estado, em junho de 2021.

“A morte de Ecko desestabilizou acordos e relações entre organizações criminosas (facções e milícias), resultando em acertos de contas e novas disputas baseadas em muita violência, muito concentradas na capital, que puxa a tendência de alta no semestre”, diz Samira Bueno, uma das diretoras do FBSP.

Conflitos armados e banalização de ações policiais

Amigos do futebol acompanham velório do menino morto na Cidade de Deus — Foto: Reprodução

Outros especialistas ouvidos pelo g1 elencam alguns pontos para explicar a alta do indicador no RJ, como a intensificação dos conflitos armados e a banalização das operações policiais.

O sociólogo e coordenador do Grupo de Estudo dos Novos Ilegalismos (Geni) da UFF diz que uma das características do estado é a disputa de grupos milicianos e facções do tráfico de drogas pelo controle territorial armado.

“Essas disputas podem se tornar voláteis a depender das circunstâncias e foi o que ocorreu desde a morte de Ecko, que foi uma liderança de uma das maiores milícias presentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Depois da morte de Ecko, outros milicianos disputam a hegemonia sobre territórios, tanto na Zona Oeste da cidade, como também na Baixada Fluminense”, diz Daniel Hirata.

Hirata cita ainda o aumento dos conflitos letais nos primeiros meses de 2023.

“Nós temos testemunhado, não só nos anos de 2021 e 2022, mas sobretudo depois, no final de 2022 e os primeiros meses desse ano, uma série de conflitos altamente letais, que têm sido impulsionados pelo controle territorial armado. Essa disputa ainda não encontrou o seu fim e, portanto, é preocupante que esse crescimento dos homicídios continue a acontecer ao longo do ano de 2023.”

Jacqueline Muniz, antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da UFF, cita que não houve mudança na política de confronto. O que aconteceu, segundo ela, foi a banalização das operações policiais.

“A banalização das operações não produz controle de território e população. É um sobe e desce morro sem permanecer. Então, os efeitos repressivos da polícia acabam se tornando pontuais, é um enxuga gelo. A polícia vai lá, produz o resultado, e esse resultado é sempre provisório e parcial.”

 

“É por isso que a operação policial, que é um recurso nobre e caro, não pode ser usada dessa forma banalizada. Porque cada operação que você faz, você deixa de policiar a cidade e o estado. Então, vai aumentar feminicídio, vai aumentar lesão corporal seguida de morte, vai aumentar homicídio”, reforça.

Já Cristina Neme, socióloga e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, lembra o poder de fogo dos grupos criminosos. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) revelam que o estado apreendeu 20 armas por dia nos primeiros seis meses do ano.

“Esse cenário reflete o descontrole do estado em relação ao seu território e numa situação de grande disponibilidade de um arsenal grande de armas de fogo em mãos de grupos criminosos, que disputam território, disputam domínio de mercados ilegais, de drogas e, também, de prestação de serviços informalmente impostos às populações que são mais vulneráveis. Entre os grupos criminais é importante lembrar que estão incluídas as milícias.”

“Nessa situação de descontrole, em que as forças estaduais não conseguem monopolizar o uso da força, a gente tem um alto risco em que as comunidades são submetidas a sofrer a violência letal, sobretudo aquela provocada por arma de fogo.”

Neme cita ainda a “inconsequência do estado ao promover operações policiais que não priorizam a vida das pessoas quando do enfrentamento da criminalidade cotidiana”.

Índice nacional de homicídios

A ferramenta criada pelo g1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.

Jornalistas do g1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Os dados coletados pelo g1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço fechado do ano de 2022 foi publicado em maio.

O que dizem as polícias do RJ

 

Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar no Rio também afirmou que a alta se deve, em grande parte, “ao acirramento das disputas entre facções criminosas por território nas comunidades e entre grupos de contraventores rivais por áreas urbanas”.

A secretaria afirma que para retomar a trajetória de queda do indicador criminal, “a Polícia Militar vem expandindo suas bases nas localidades mais atingidas pela disputa violenta entre grupos rivais e atuando de forma integrada com as demais forças de segurança do estado, sobretudo com a Polícia Civil”.

A Polícia Civil informou que investiga os casos e a disputa territorial que envolve traficantes e milicianos. Disse que ações são realizadas “com base em trabalhos de inteligência, informações estratégicas e monitoramento, visando a identificar e a prender os integrantes das organizações criminosas, assim como asfixiar as fontes financeiras dessas quadrilhas”.

A instituição disse que atua em parceria com a Polícia Militar em ações de repressão aos delitos e reforça que “conta com a Agência Central de Inteligência, a maior do ramo da segurança pública estadual do país, que assessora a tomada de decisões estratégicas e operacionais no combate ao crime”.

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