Juiz de plantão nega pedido para analisar divulgação de dados da Covid-19 pelo Ministério da Saúde; mérito ainda será analisado
O plantão da Justiça Federal entendeu a urgência do pedido aberto pela Defensoria Pública da União (DPU), mas disse que não tem competência para julgar o mérito do caso e remeteu o pedido para o titular da 5ª Vara Federal Cível, que já analisava o processo original da DPU.
O juiz de plantão da Justiça Federal de São Paulo negou neste domingo (7) o pedido liminar de urgência impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) para que o Ministério da Saúde volte a divulgar imediatamente os números do Painel Coronavírus, incluindo todas as informações sobre os casos já registrados de Covid-19 até o momento e que vinham sendo normalmente fornecidas.
Na decisão, o plantão judiciário entendeu a urgência do pedido aberto pela DPU, mas disse que não tem competência para julgar o caso e remeteu o pedido para o juiz titular da 5ª Vara Federal Cível Federal, que já analisava o processo original da DPU, que media mais transparência dos dados divulgados sobre a pandemia no Brasil.
“Mesmo que revestido do caráter de urgência estabelecido pela Resolução do CNJ a respeito do plantão judiciário, eventual apreciação do pedido iria de encontro à norma restritiva estabelecida no § 1º do artigo 1º daquela mesma Resolução, razão pela qual entendemos que tal apreciação deve aguardar o pronunciamento do Juízo originariamente competente, sob pena deste plantão judiciário agir como órgão revisor da decisão proferida em mesmo grau de jurisdição”, argumentou o magistrado.
Na decisão deste domingo, ele remeteu o pedido de urgência da apreciação para o juiz da 5ª Vara Federal Cível, que deve analisar o caso no início da semana.
“Ainda que a análise do pedido liminar não tenha sido feita pelo Juízo da 5ªV ara Federal Cível, eventual manifestação sobre tal pedido em sede de plantão judiciário equivaleria a verdadeira reconsideração ou reexame daquele posicionamento adotado pelo juiz natural da causa. Encaminhe-se e-mail à 5ª Vara Federal Cível indicando a urgência reconhecida nesta decisão”, afirma a sentença proferida nesse domingo.
Ação da DPU
A DPU ingressou neste sábado (6) com um pedido de liminar na Justiça Federal de São Paulo para que o Ministério da Saúde volte a divulgar imediatamente os números do Painel Coronavírus, incluindo todas as informações sobre os casos já registrados de Covid-19 até o momento e que vinham sendo normalmente fornecidas.
No pedido feito ao plantão judiciário, a DPU também pediu que as atualização dos casos voltem a ser feitas diariamente pelo ministério até às 19h e de forma integral.
Na ação aberta na Justiça Federal, a DPU afirma que é um dever do poder público “informar correta e adequadamente à população todos os atos adotados no combate à disseminação da doença” no Brasil.
“Não pode qualquer chefe do poder executivo, federal, estadual ou municipal, escolher ou não tomar providências de enfrentamento ao coronavírus. Isto é um dever do administrador público. Do mesmo modo que é um dever informar correta e adequadamente à população não só sobre as medidas que as pessoas devem adotar para evitar sua contaminação e a dos demais, mas também todos os atos adotados pelo poder público no combate à disseminação da doença”, diz o pedido da DPU.
“Em relação à informação que os governos devem prestar, em especial o governo federal, ela deve ser o mais completa e clara possível e, no caso de uma pandemia, que exige mudanças diárias de hábitos, também o mais rápida possível”, argumenta os defensores no pedido à Justiça Federal.
Represamento
Por três vezes nessa última semana o Ministério da Saúde retardou a divulgação de dados sobre a pandemia. Na quarta (3) e na quinta-feira (4), por exemplo, o boletim da situação epidemiológica do país só foi divulgado próximo das 22h. Mas os dados já estavam fechados desde as 19 horas.
Na quarta (3), o ministério alegou que foi um problema técnico. Mas os técnicos do ministério não conseguiram explicar qual foi esse problema. Nesta quinta (4), depois da segunda divulgação às 22 horas, apesar dos pedidos da equipe do Jornal Nacional, não houve nenhuma explicação. Fontes do governo disseram que foi uma ordem vinda do Palácio do Planalto: atrasar e dificultar a divulgação dos crescentes números de casos e mortes.
E os dados de quinta-feira eram graves: um recorde de óbitos em 24 horas pelo segundo dia seguido. Uma morte por minuto no Brasil.
Os atrasos vêm piorando aos poucos desde que o general Eduardo Pazzuelo assumiu interinamente o comando da pasta. A divulgação, marcada para as 19 horas, começou a acontecer cada vez mais tarde, mas antes das 20 horas até a última quarta. Esse represamento de informações provocou críticas de especialistas e integrantes dos poderes Legislativo e Judiciário.
Em uma rede social, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse que “na pandemia, a divulgação de dados oficiais envolve, além do dever de prestar contas, uma questão de saúde pública. Dados do Ministério da Saúde são fundamentais às respostas à Covid-19 e devem estar abertas ao público, aos gestores e, portanto, à imprensa de forma consistente e ordenada”.
A vice-presidente da Comissão Mista do Congresso, Eliziane Gama, que acompanha o coronavírus quer convocar o ministro da Saúde para dar explicações.
“É perigoso o atraso na divulgação de dados, pelo governo, sobre a Covid-19. Não há qualquer justificativa para isso. A transparência é essencial para se combater a doença, principalmente agora, com os números de infecção e óbitos crescentes. Não se pode imaginar ou permitir qualquer manipulação nessa área, seria crime de responsabilidade”, afirma.
Alteração das formas dos dados
Além de atrasar a divulgação dos números, o governo também alterou a forma. Na semana passada, o padrão do boletim com a situação epidemiológica da Covid-19 no Brasil, divulgado diariamente para a imprensa, mudou completamente. O número de casos e de mortes registradas nas últimas 24 horas perdeu espaço: passou a ficar pequeno, ao lado, sem muito destaque. Antes ele informava com igual destaque e cores vivas o número de casos confirmados, os novos casos registrados nas últimas 24 horas, os óbitos confirmados e os novos óbitos registrados nas últimas 24 horas.
O ministério também alterou o painel coronavírus no site, que é acessado pelo público em geral. Antes, ele trazia duas informações com o mesmo destaque: casos confirmados e mortes. Agora, as novas mortes registradas em 24 horas aparecem sem destaque, no meio de outros dados.
Em nota divulgada nesta sexta (5), às 18h26, o Ministério da Saúde informou que a pasta analisa e consolida os dados, sendo que, em alguns casos, há necessidade de checagem junto aos gestores locais. Desta forma, o Ministério da Saúde tem buscado ajustar a divulgação dos dados, que são publicados diariamente na plataforma.
A Associação Brasileira de Imprensa disse que “enquanto o número de mortos e contaminados atinge níveis recordes no país, ceifando a vida de milhares de brasileiros, o governo de Jair Bolsonaro opta por dificultar o acesso à informações sobre o avanço da doença”. A nota critica ainda a suspensão das entrevistas coletivas diárias e diz que o Ministério da Saúde passou a atrasar a divulgação dos dados ‘na tentativa de calar a imprensa por meio do adiantado da hora’.”
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que, se o governo continuar atrasando a divulgação, o Congresso vai criar um sistema próprio com as secretarias estaduais de saúde para atualizar os números.
“A Câmara, com certeza, vai trabalhar com os estados, vai trabalhar com a sociedade civil. Nós temos que organizar de algum jeito as informações para sociedade. O ideal é que o governo restabeleça isso o mais rápido possível. Eu espero que, nos próximos dias, o ministro da Saúde compreenda que informar é fundamental para a sociedade brasileira, principalmente num mundo tecnológico, um mundo com tanta tecnologia. A gente omitir informação parece que é um erro muito grande”, avaliou.
Na noite desta sexta-feira (5), no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro foi questionado por jornalistas sobre os atrasos na divulgação de dados sobre a pandemia. Sem que ninguém fizesse qualquer menção a nenhum órgão de imprensa específico, o presidente disse: “Acabou matéria do Jornal Nacional”.
Depois, o presidente alegou que o atraso se devia à necessidade de pegar os dados mais consolidados, mas não explicou por que, por mais de 70 dias, foi possível consolidar os dados mais cedo. E nem por que os números que são divulgados às dez da noite constam de uma planilha que atualiza dados até às sete da noite.
Em seguida, como faz habitualmente, Jair Bolsonaro criticou o jornalismo da Globo. E acrescentou: “Ninguém tem que correr pra atender a Globo”.
Sobre o que disse o presidente, a Globo divulgou a seguinte nota: “O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age movido por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados. Porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público”.