Em carta publicada no The Guardian, Lula defende que Assange não seja extraditado para os EUA
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou, nesta segunda-feira (21), uma carta no jornal britânico The Guardian, na qual defende a não extradição de Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, para os Estados Unidos.
“Todos sabem de onde vem a sede de vingança do governo dos Estados Unidos contra Assange. Em parceria com os jornais The New York Times, El País, Le Monde, The Guardian e a revista Der Spiegel, Assange revelou ao mundo as atrocidades e os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos durante as invasões do Iraque e do Afeganistão e as torturas a que submeteram os prisioneiros na Base de Guantánamo”, afirma o ex-presidente na carta.
Lula afirma também na carta que os brasileiros tem uma dívida com Assange por ele ter tornado público “os encontros ocorridos a partir de 2016 entre ministros do governo golpista (Michel Temer) e altos funcionários do Departamento de Estado para tratar de questões relativas à privatização do pré-Sal brasileiro”.
Preso no Reino Unido desde abril de 2019, Assange enfrenta 18 acusações nos Estados Unidos, entre elas espionagem e de ter conspirado para hackear computadores do governo.
Leia a íntegra da carta de Lula publicada hoje no The Guardian:
Assange é um herói da liberdade de expressão, e não pode ser extraditado para os Estados Unidos.
Nos próximos dias a Justiça britânica vai decidir o destino do jornalista australiano Julian Assange, um homem que está sendo injustamente tratado como criminoso. Assange não cometeu crimes, Assange é um herói da liberdade.
O Reino Unido dirá se aceita ou rejeita o pedido de extradição de Assange para os Estados Unidos, onde ele responde a 18 acusações por parte do governo daquele país. Se for extraditado, Assange, de 49 anos, pode ser condenado a até 175 anos de prisão, pena equivalente à prisão perpétua.
Para impedir que essa barbaridade seja consumada, convoco os democratas comprometidos com a liberdade de expressão do Brasil e de todos os cantos do mundo a nos unirmos à corrente internacional que defende a inocência de Assange e exige sua imediata libertação.
Esta é a primeira vez, na história dos Estados Unidos, que um jornalista é processado por espionagem. O mundo sabe, porém, que Julian Assange jamais espionou os Estados Unidos. O que ele fez foi tornar públicos documentos que recebeu da soldado Chelsea Manning, analista de inteligência do Exército, função que exercera no Iraque e no Afeganistão. Chelsea foi julgada, condenada a sete anos de prisão e já está em liberdade.
Todos sabem de onde vem a sede de vingança do governo dos Estados Unidos contra Assange. Em parceria com os jornais The New York Times, El País, Le Monde, The Guardian e a revista Der Spiegel, Assange revelou ao mundo as atrocidades e os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos durante as invasões do Iraque e do Afeganistão e as torturas a que submeteram os prisioneiros na Base de Guantánamo.
O mundo ainda se lembra do vídeo aterrador divulgado por Assange, gravado de um helicóptero militar, registrando que soldados norte-americano fuzilaram nas ruas de Bagdá – aparentemente pelo simples prazer de matar – doze civis desarmados, entre eles dois jornalistas da agência Reuters.
Além de todas essas razões, os brasileiros temos uma dívida adicional com Julian Assange. Foram os arquivos revelados por sua página Wikileaks que tornaram públicos diálogos ocorridos a partir de 2016 entre ministros do governo golpista e altos funcionários do Departamento de Estado para tratar de questões relativas à privatização do pré-Sal brasileiro.
Foi lendo os documentos secretos divulgados por Assange que os brasileiros souberam das relações promíscuas entre o então ministro das Relações Exteriores de Temer, José Serra, e altos dirigentes das gigantes petroleiras norte-americanas Exxon Mobil e Chevron – entre eles Rex Tillerson, CEO da Exxon, nomeado secretário de Estado por Donald Trump.
É falsa e perigosa a afirmação inventada pela administração Trump para justificar o processo – a de que Assange tentou ajudar Manning a hackear os computadores do governo.
É falsa porque o único esforço de Assange foi tentar ajudar a proteger a identidade da sua fonte, direito e dever de todos os jornalistas. É perigosa porque aconselhar fontes sobre como evitar ser preso é o que todo jornalista investigativo ético faz. Criminalizar isso é colocar jornalistas de todo o mundo em perigo.
Quando Bolsonaro tentou processar o jornalista americano Glenn Greenwald, no início deste ano, por expor a corrupção que levou à minha prisão injusta e ilegal, o governo brasileiro copiou esta nova e perigosa teoria usada pelo governo dos EUA contra Assange.
Todas as pessoas e instituições comprometidas com a liberdade de expressão – e não apenas os grandes veículos com os quais o Wikileaks compartilhou os segredos de Washington – têm nas mãos uma tarefa essencial: exigir do Reino Unido a imediata libertação de Julian Assange.
Sabemos que as acusações contra Assange ferem frontalmente a Primeira Emenda da Constituição americana, que assegura a liberdade de imprensa e de expressão. Sabemos também que os tratados entre os EUA e o Reino Unido impedem a extradição de acusados de crimes políticos.
Os riscos de que ele seja extraditado, porém, são reais. Nenhum democrata pode permitir que alguém que prestou tão relevantes serviços à liberdade seja punido por isso. Assange, eu repito, é um herói da democracia. E deve ser colocado imediatamente em liberdade.
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil