Economistas veem amadurecimento do regime com adoção de meta contínua para a inflação

Analistas elogiam definição da meta em 3% para 2026 e projetam queda nas expectativas e espaço para corte de juros em agosto

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definição da meta de inflação para 2026 em 3%, com a manutenção do intervalo de tolerância para o descumprimento do objetivo em 1,5 ponto percentual, como já é atualmente, recebeu elogios por parte de analistas de mercado. Eles também elogiaram a comunicação dando conta que as metas de 2024 e 2025 não faziam parte da pauta da reunião de hoje do CMN e consideraram um avanço do regime a mudança do horizonte relevante para uma meta contínua, abandonando o ano-calendário.

Para Marco Caruso, economista-chefe do PicPay, o anúncio de hoje foi um “golaço” do governo. Ele disse ter ficado particularmente satisfeito com a declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconhecendo que uma eventual elevação de meta de inflação seria lida como uma maior leniência com a inflação.

Caruso lembrou que essa discussão surgiu no começo do ano dentro do próprio governo e que isso, provavelmente, atrasou o início de cortes da Selic. “Porque parte da desancoragem das expectativas se deveu também por essa possibilidade de aumento da meta”, disse.

O economista calcula que o Boletim Focus tem implícito em suas projeções uma meta de IPCA em torno de 3,5%, talvez um pouco menos, de modo que existiria um espaço de melhora de até 50 pontos-base, ou 0,50 p.p. nas projeções de inflação.

“Não sei se melhora tudo isso, porque quem levantou toda essa questão de aumento de meta foi o presidente Lula. Mas como o Haddad foi bem taxativo ao dizer que subir seria maior leniência, parece que a gente pode ter sim uma melhora nas expectativas de inflação”, estimou.

A mudança no horizonte relevante, por sua vez, mostra que o Brasil está comprometido com um ambiente de baixa inflação no longo prazo, segundo Caruso.

 

Como consequência da decisão, o economista do PicPay vê boas possibilidades de contínua melhora nas expectativas de inflação e que isso abre espaço para consolidar a ideia de que o corte de juros é iminente. Para Caruso, a esse movimento esperado nas expectativas vai refletir no modelo utilizado pelo Copom.

“A discussão do mercado vai ser se cortarão 25 pontos-base ou se vão cortar 50 bps. Como ainda existem diretores’ cautelosos’ tem se falado em parcimônia, a priori a cabeça do Copom parece ser cortar só 0,25 p.p. em agosto”, disse,

Matheus Pizzani, da CM Capital, também julgou correta a decisão do CMN anunciada hoje, especialmente no que diz respeito à substituição do ano calendário pelo modelo de meta contínua. “A justificativa para tal passa pelo esforço necessário para cumprir com as metas propostas dentro de apenas 12 meses”, afirmou.

Ele explicou que além do efeito da política monetária sobre o conjunto da economia ser razoavelmente defasado – 18 meses de acordo com seus cálculos –  inflação pode sofrer ainda com choques exógenos que não são necessariamente contidos pelo efeito dos juros, anulando o esforço feito pela autoridade monetária em termos de estabilidade de preços. “E forçando nossos juros a se manterem elevados por períodos prolongados, gerando reflexos negativos sobre nosso nível de crescimento, que já é extremamente baixo pelo menos nos últimos dez anos”, justificou.

Para  Pizzani, portanto, a maior janela temporal proposta pelo sistema de meta contínua pode ajudar a suavizar variações muito bruscas no nível de crescimento, consequentemente comprometendo menos o nível de emprego e a renda do País. “Julgamos também como correta a decisão de manter a meta em 3% mesmo dentro deste novo sistema, sinalizando que o compromisso da autoridade monetária com o controle de preços seguirá o mesmo”, disse.

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, destacou que o modelo de meta contínua é adotado pela maior parte dos bancos centrais ao redor do mundo, agrada economistas de mercado e integrantes do BC, inclusive o atual presidente.

 

“Desta forma, avaliamos como positivo o resultado da reunião: manteve a meta, afastando os efeitos práticos das ofensivas do governo contra o BC e promoveu uma mudança positiva para o regime de metas”, comentou.

Diante deste cenário, a Rio Bravo espera que as expectativas de inflação de longo prazo sejam reduzidas nas próximas divulgações do Focus. “Consequentemente, antecipamos nossas projeções de cortes para a Selic de setembro para agosto. Assim, ao final do ano, o juro brasileiro deve estar no patamar de 12%”, previu.

Regime maduro

Para Adriana Dupita, economista sênior da Bloomberg Economics, o evento de hoje foi uma mudança estrutural importante, que mostrou um entendimento sobre o amadurecimento do regime de metas de inflação, que não precisava mais fixar no ano-calendário. “Se o efeito da política monetária é defasado e contínuo, faz sentido que as metas também devem ser contínuas”, afirmou.

Adriana acredita que a decisão de fazer a mudança apenas para 2025 em diante pode ter relação com o fato de o BC já trabalhar hoje com um horizonte relevante de seis semestres à frente. Ela afirmou que, pessoalmente, não acredita que essa definição esteja ligada ao fim da gestão de Roberto Campos Neto ao final de 2024.

Sobre a prestação de contas do BC sobre o cumprimento ou não da meta de inflação, hoje feito por meio de carta, A economista acredita que poderá acontecer uma prestação de contas ao Congresso ou até a utilização do Relatório Trimestral de Inflação como veículo para mostrar se o BC está ou não sendo bem-sucedido..

Adriana disse não saber precisar se a reancoragem das expectativas de inflação será de 100% do que já subiu desde a virada do ano. Ela disse que são basicamente três os eventos que podem levar as expectativa para cima. O primeiro é a incerteza fiscal, que está menor, mas persiste. O segundo fator era a expectativa que a meta fosse subir, agora descrata, o que justificaria uma queda da expectativa.

Já o terceiro é sobre a composição da diretoria do BC a partir de 2025. Para ela, se a leitura do mercado for que que esse será um BC mais “dovish” com a inflação, isso vai impedir que elas convirjam completamente pra meta de 3%.

A economista afirmou que tinha uma visão de que a queda dos juros começaria em setembro, mas aumentou muito a chance de início da flexibilização em agosto. “Principalmente se caírem as expectativas para 2025 e 2026 nas próximas semanas. Pode haver uma mudança de discurso para acomodar um corte de juros, que pode ser 25 bps ou de 50 bps. Também vai depender de dados como o IPCA fechado de junho e do IPCA-15 de julho. Mas se os juros não caírem, existe um risco de ruído político mais forte em agosto.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, concorda que a definição da meta deve contribuir para a redução da incerteza e a reancoragem das expectativas de inflação mais longas, o que por sua vez tende a devolver credibilidade para a política monetária e abrir espaço para os cortes de juros.

Para a XP Investimentos, a adoção de um prazo contínuo para a autoridade monetária perseguir as metas de inflação, em vez do atual sistema de acompanhamento de um ano-calendário, é uma abordagem semelhante ao que acontece na maioria dos países, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido.

“Ou seja, o Copom perseguirá uma inflação ao consumidor de 3% ao ano todos os meses a partir de 2025. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o sistema de metas contínuas seria baseado em um horizonte de 24 meses, mas depois disse que isso seria definido pelo Banco Central”, disse a análise da XP.

De particular importância, também foi destacado que o CMN não alterou a margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o índice de inflação do IPCA pode oscilar de 1,5% a 4,5%.

 

“O mercado ficou dividido quanto a esse assunto, com alguns participantes esperando uma ampliação do intervalo da meta. A manutenção da mesma faixa ajuda a conter as expectativas de médio prazo, embora ainda não vejamos uma convergência para a meta de 3,0% em breve, devido ao viés expansionista da política fiscal”, alertou a XP

“A decisão pela meta contínua era esperada por nós e pela maioria dos participantes do mercado, portanto não altera nossa projeção para a taxa Selic no curto prazo: vemos um corte de 25 pontos-base em agosto, seguido de cortes de 50 pb nos próximos encontros”.

Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o Brasil passa a seguir o padrão de países que têm meta de inflação de logo prazo. “Isso é uma modernização porque melhora a execução da política monetária. A estrutura da inflação no Brasil tem 25% de preços administrados. Se tem um reajuste de combustíveis em dezembro, estoura a meta e daí vem o mau entendimento de que a autoridade monetária perdeu a credibilidade porque não cumpriu a meta”, explicou.

Para Agostini, com a mudança, o BC não vai mais precisar elevar tanto os juros para trazer a inflação de volta para a meta. “E consegue adaptar a política monetária à nossa realidade”, afirmou.

Ele também elogiou a definição da meta em 3% para 2026, nos mesmo patamares dos objetivos de 2024 e 2025, além dos limites de tolerância em 1,5 p.p., no sentido de não deteriorar ou desancorar as expectativas por algum temor de ingerência política

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, também viu na mudança um aprimoramento do regime de metas, sem rupturas, embora ainda aguarde detalhamentos no decreto que o CMN deve publicar. “Com uma meta contínua, espera-se que não tenha revisões e podemos esperar 3% por todo o horizonte, sem datas de discussão e de revisão. Elimina nos próximos anos essa a discussão sobre riscos de novas desancoragens, como observado neste ano”, comentou.

Os detalhes que Mirella disse esperar são sobre qual será o horizonte para aferição do cumprimento da meta e qual seria o gatilho para a carta que o BC deve escrever para o Ministério da Fazenda explicando motivos para não ter atingido a meta. A banda de tolerância a partir de 2025 também não está clara.

As decisões de hoje, segundo a economista, são uma condição necessária para possibilitar que as expectativas reancorem e gerem as condições para o BC iniciar os cotes de juros em agosto. Mirella enxerga uma efeito entre 30 bps a 40 bps nas expectativas de 2024, 2025, e 2026, o que levaria as projeções atuais para 3,6%, 3,4% e 3,3%, respectivamente.

Mas além do risco de alteração da meta, outros fatores ajudaram a desancorar as expectativas. O risco fiscal, por exemplo, que pode ser reduzido com a materialização das novas regras fiscais, tem um potencial de 20 bps adicionais de reancoragem.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, por sua vez, acredita que as decisões do CMN reduzem fortemente as incertezas que rondavam o tema da meta de inflação e devem trazer uma melhora no Boletim Focus de segunda-feira. “A ideia de alterar o ano calendário para meta continua também é positiva, ao encontro do que é feito em outros países”.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, disse ter dúvidas sobre se o ministro Haddad falou sobre um horizonte móvel de verificação na coletiva de hoje à tarde, que seria o mais provável, embora ainda incerto de como seria aplicado, ou se a escolha será por um horizonte relevante para a política monetária.

 

“A manutenção da meta em 3% deve ter um impacto residual na redução das expectativas mais longas do Focus. Não obstante, acreditamos que vai seguir com um prêmio em relação à meta. Algum risco fiscal permanece à mesa. Lembrando, pesquisa da XP da semana passada indicava que 80% do mercado trabalhava com meta de 3% em 2026”, afirmou. A projeção da ASA Investments para a inflação de 2025, 2026 e 2027 é de 4%.

Elisa Machado – economista-chefe da ARX Investimentos, também comentou que algumas questões ainda precisam ser esclarecidas, como o responsabilização do cumprimento da meta por parte do Banco Central. “A questão que se coloca é o quanto dessa decisão vai se converter em redução de expectativas longas, medidas pelo Focus. Esse movimento de expectativas que refletem o grau de credibilidade do BC é essencial para confirmar o espaço para a queda das taxas de juros.”

Para a equipe de estratégia macro da BGC Liquidez, o anúncio de hoje é mais uma vitória do pragmatismo de Haddad. “O ‘momentum Haddad’, que temos chamado a atenção nos últimos meses, se mostrou o principal fator de valorização dos ativos nesse segundo trimestre e deixa o momento positivo para o início do próximo semestre”, comentou.

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