Desembargador que humilhou guarda se diz vítima de armação e acusa GM de abuso
O desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), alegou ter sido vítima de uma armação e acusou de abuso de autoridade o guarda municipal que o abordou por andar sem máscara no dia 18 de julho, na orla da praia de Santos, litoral de São Paulo.
O vídeo da abordagem mostra que ele desrespeitou o guarda municipal que aplicou-lhe a multa, prevista na medida para combate à disseminação do novo coronavírus. O desembargador também tentou dar uma “carteirada” ao ligar para o secretário municipal de Segurança Pública, Sérgio Del Bel, e chamou o guarda Cícero Hilário de “analfabeto”.
“Os guardas municipais da Guarda Civil Municipal de Santos envolvidos nos incidentes filmados com o cidadão Eduardo, e nas abordagens anteriores, a pretexto de exercer sua função, o guarda municipal Cícero Hilário abusou da autoridade que lhe atribui o art. 144, § 8º, da Constituição Federal e a Lei n. 13.022/2014, que se restringe “(…) à proteção de seus bens [dos Municípios], serviços e instalações (…) (art. 144, § 8º, da CR)””, informou a defesa do desembargador, segundo informou a CNN Brasil.
As alegações de Siqueira constam em uma manifestação enviada pela defesa dele ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que instaurou um “pedido de providências” para apurar a conduta do desembargador, na semana passada. Neste domingo, o pedido de providências foi convertido em “reclamação disciplinar”.
A decisão do ministro Humberto Martins, corregedor nacional de Justiça, lista cinco condutas do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo que teriam ferido a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da Magistratura.
Além do CNJ, Siqueira também tem a conduta investigada pelo próprio TJ-SP, conforme nota assinada pelo presidente do tribunal, Geraldo Francisco Pinheiro Franco.
Homem humilha guarda municipal que tentou multá-lo por não usar máscara em local público. Episódio ocorreu em Santos, litoral paulista: “estou aqui com um analfabeto”. Ele se identificou como “desembargador Eduardo Siqueira”. pic.twitter.com/uQSg1FZWNs
— gente de mal (@gentedemal) July 18, 2020
DEFESA FALA EM ARMAÇÃO
A defesa do desembargador afirmou ainda que, desde a entrada em vigor do decreto que obriga a utilização de máscaras, Eduardo Siqueira vem sofrendo “inúmeras abordagens ilegais e ameaçadoras” da Guarda Civil Municipal de Santos.
“Infelizmente, como mostram os vídeos editados até agora divulgados, o cidadão Eduardo passou a ser perseguido e ilegalmente filmado pela Guarda Civil Municipal de Santos e, no dia 18 de julho de 2020, acabou sendo vítima de uma verdadeira armação, pois o guarda municipal que permaneceu na viatura sabia das abordagens anteriores, especialmente a última, quando, pela primeira vez, houve uma altercação”, afirma a peça da defesa do desembargador, em referência à gravação que mostrou sua reação à abordagem.
O uso de máscara é obrigatório durante a pandemia na cidade por meio do decreto nº 8.944, de 23 de abril de 2020, assinado pelo prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Quem descumpre a medida pode ser multado em R$ 100.
Em um dos episódios, segundo o texto, o magistrado chegou a acionar a Polícia Militar, e só não foi detido pelos agentes da GM porque se identificou como desembargador, tentando justificar o motivo de ter ressaltado o cargo.
“De modo agressivo, foi ameaçado de prisão, que só não aconteceu por se identificar como desembargador. Ressalte-se, nesse ponto, que sua identificação como desembargador era extremamente relevante durante as abordagens – e não ‘carteiradas’, como se quer fazer crer”.
ACUSAÇÃO VEM APÓS PEDIDO DE DESCULPAS
A acusação do desembargador acontece 4 dias após uma nota pedindo desculpas ao guarda municipal. Na quinta-feira (23), Eduardo Siqueira disse em nota que se arrependeu de sua atitude, que teria sido provocada por “confusões normativas”.
“Realmente, no último sábado me exaltei, desmedidamente, com o guarda municipal Cícero Hilário, razão pela qual venho a público pedir desculpas (…). Minha atitude teve como pano de fundo uma profunda indignação com a série de confusões normativas que têm surgido durante a pandemia –como a edição de decretos municipais que contrariam a legislação federal– e às inúmeras abordagens ilegais e agressivas que recebi antes, que sem dúvida exaltam os ânimos”, explicou ele.
Siqueira afirma, porém, que nada “justifica os excessos ocorridos” e que está arrependido. “O guarda municipal Cícero Hilário só estava cumprindo ordens e, na abordagem, atuou de maneira irrepreensível”, diz o desembargador.