Corte Especial do STJ mantém afastamento do governador de AL, Paulo Dantas, e reduz prazo
Por 10 votos a 2, ministros decidiram que Dantas fica fora do cargo até 31 de dezembro; decisão anterior valia por 180 dias. Medida é necessária para evitar interferências, diz relatora Laurita Vaz.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve nesta quinta-feira (13) o afastamento do governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), que disputa a reeleição em segundo turno.
Paulo Dantas é investigado por participar de um suposto esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa de Alagoas quando era deputado estadual. Na terça-feira (11), Dantas foi alvo da operação Edema, autorizada pela Justiça.
Por 10 votos a 2, os ministros confirmaram a decisão individual da ministra Laurita Vaz, relatora do inquérito que investiga o caso.
Votaram a favor, além de Laurita Vaz: Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Isabel Gallotti e Antônio Carlos Ferreira.
Dois magistrados, João Otávio de Noronha e Jorge Mussi votaram contra. O ministro Humberto Martins se declarou suspeito para julgar o caso (veja os votos mais abaixo).
A Corte Especial reúne os 15 ministros mais antigos do STJ, mas só 13 votaram nesta quinta. A presidente do tribunal, Maria Thereza Assis Moura, não votou – mas fez um discurso breve em apoio à conduta da relatora.
Por sugestão do ministro Og Fernandes, Laurita Vaz alterou seu voto e reduziu o afastamento de Dantas para durar até o fim do atual mandato, ou seja, 31 de dezembro. No formato anterior, Dantas seria afastado por 180 dias, o que poderia inclusive abarcar um eventual novo mandato. Os ministros que votaram a favor do afastamento concordaram com a mudança.
Investigação
Segundo o inquérito policial, o esquema de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa de Alagoas teria sido chefiado pelo governador
As investigações apontam que foram feitos saques em dinheiro em nome de funcionários fantasmas. Ainda de acordo com as investigações, aproximadamente R$ 54 milhões foram desviados desde 2019.
Os investigadores dizem que Paulo Dantas continuava nomeando funcionários fantasmas e se beneficiando do esquema mesmo no cargo de governador.
A mulher de Paulo Dantas, Marina Thereza Cintra Dantas, uma irmã dele e dois cunhados também são investigados por terem despesas pessoais pagas supostamente com dinheiro desviado.
Paulo Dantas assumiu o governo do estado em maio deste ano. Ele foi eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa, depois que Renan Filho, também do MDB, se afastou para concorrer ao Senado.
Paulo Dantas concorre à reeleição com apoio do ex-presidente Lula, do PT, e do senador Renan Calheiros, do MDB. Do outro lado da disputa está Rodrigo Cunha, apoiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Sem parcialidade
Antes do início do voto, Laurita Vaz rebateu acusações de “personalidades políticas” que apontaram uma suposta conduta parcial no caso. A ministra defendeu o trabalho da Polícia Federal, disse que o caso foi analisado sem pressa e que as críticas partiram de quem não teve conhecimento do caso, usando discursos vazios.
Laurita Vaz disse que foi alvo de ataques e mentiras deslavadas.
“Não é difícil constatar que tudo foi conduzido dentro da normalidade. Se tivesse me curvado à expectativa, sentado em cima dos autos, esperando as eleições, aí sim estaria agindo com viés político”, disse. A ministra ressaltou que não poderia deixar de atuar para “estancar a sangria dos cofres públicos”.
Em relação ao afastamento do governador, Laurita Vaz afirmou que a medida é extrema, drástica e com grande repercussão, o que exige fundamentação clara e elementos concretos. E que no caso específico, é absolutamente necessário o afastamento de Paulo Dantas “para obstar a atuação da organização criminosa e interferências indevidas”.
Para a ministra, as investigações mostram desdém e confiança na impunidade do grupo. “A dose do remédio deve ser proporcional ao mal que pretende conter”, afirmou.
As investigações, disse a ministra, mostram que o esquema envolveu a nomeação de 93 servidores fantasmas para cargos comissionados.
“Os salários eram sacados por operadores de esquemas. E nomeados eram pessoas humildes ou ligadas ao grupo que apenas emprestavam seus dados para a confirmação no cargo e recebiam entre R$ 200, R$ 300 ou R$ 600 em média. Os salários mensais desses servidores fantasmas eram de R$ 16 a R$ 21 mil”, disse Laurita.
Foram identificados vários saques em dinheiro, o que, segundo a ministra, foi adotado para dificultar o rastreamento.
“Diferente do clássico padrão de rachadinhas, o caso concreto revela engenhoso esquema de peculato, por meio de simulação de pessoas humildes que emprestavam apenas os nomes para cargos em confiança, mediante ínfima contribuição”, afirmou.
Patrimônio exorbitante
Em um voto de quase duas horas, nesta quinta, Laurita Vaz narrou como a investigação, que começou na Justiça de Alagoas, chegou ao STJ após surgirem os indícios contra o govenador.
Ela ressaltou que o suposto esquema se manteve mesmo depois de Dantas ter assumido a chefia do Executivo e a polícia ter apreendido cartões usados por funcionários fantasmas para sacarem valores. O grupo teria deixado de sacar o dinheiro em agências bancárias e passado a fazer retiradas em loterias.
Segundo a relatora, as investigações mostram um aumento patrimonial expressivo de Paulo Dantas e sua mulher, que compraram recentemente uma casa avaliada em R$ 8 milhões. Ela disse que o esquema custeou uma cobertura de R$ 1,6 milhão usada pelo casal como parte do pagamento da casa.
“Foi possível apurar que, em curto espaço de tempo, experimentaram aumento exuberante do padrão de vida. Nítida relação entre crimes investigados e crescimento patrimonial”, disse.
A ministra citou ainda que a Polícia Federal chegou a pedir a prisão do governador e de outros investigados – o que foi negado pelo STJ diante das medidas cautelares determinadas, que seriam suficientes para estancar a sangria e a engenharia criminosa.
A relatora disse que todas as medidas foram determinadas com base em vastas provas, como mensagens, dados de quebras de sigilos, planilhas com transferências, imagens de agências bancárias e casas lotéricas, além de relatórios de inteligência financeira.
A ministra afirmou que falta esclarecer toda a trama delituosa, especialmente sobre o destino de grande parte dos recursos que teriam sido desviados. Laurita disse que a apreensão de R$ 100 mil na casa de Paulo Dantas evidencia que o grupo estava atuando atualmente, o que reforça a necessidade das medidas.
Os votos dos ministros
Os ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Isabel Gallotti e Antônio Carlos Ferreira seguiram o voto da relatora e disseram entender que os elementos reunidos pelos investigadores demonstram a necessidade do afastamento.
“Fartos elementos veementes dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, com indícios de participação de Paulo Dantas, mesmo após assunção do cargo de governador, o que autoriza a decretação das medidas cautelares”, disse Falcão.
“Há elementos indiciários sólidos de materialidade e de autoria”, afirmou Benjamin em seu voto.
“Os fatos apontados contra ele [Dantas] são extremamente graves. Infelizmente nos últimos tempos acusações de rachadinha têm sido comuns. São fatos recentes, muito recentes, em pleno andamento nos últimos dias. Estou acompanhando o voto da ministra, inclusive quanto ao afastamento do investigado até o final deste mandato”, disse Paulo de Tarso Sanseverino.
Os ministros João Otávio de Noronha e Jorge Mussi votaram contra o afastamento de Paulo Dantas.
Noronha afirmou que a medida é gravosa e que a Justiça deve ser cautelosa ao analisar a decretação de tal procedimento em meio a uma eleição, uma vez que pode afetar o pleito em andamento. Segundo ele, há indícios da prática de rachadinha, mas não há fatos atuais que liguem o suposto esquema a atos Paulo Dantas no exercício do cargo de governador.
“Afastamento liminar de cargo, exige prova de materialidade, indícios de autoria, risco efetivo de obstrução de investigações. Por óbvio, sem negligenciar os bens jurídicos, medida dessa natureza exige cautela candidato segundo turno, risco afetar o pleito”, disse.
O ministro disse ainda que não há chance de o governador interferir nas investigações porque são conduzidas pela Polícia Federal e que não se pode afastar um chefe do executivo por mera presunção. Noronha afirmou ainda que o caso não deveria ser investigado pelo STJ porque os fatos não se referem a atos como governador.
Já o ministro Humberto Martins se declarou suspeito para julgar o caso. Ele afirmou que conhece todos os envolvidos e por isso entendeu que não deve apresentar o voto. “O juiz tem sempre que ter coragem de decidir. Declaro minha suspeição por motivos de foro íntimo”, disse Martins.