Com acirramento da Covid, senadores articulam desidratar PEC Emergencial e só aprovar volta do auxílio
Por Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) – Diante do acirramento da crise do coronavírus e do aumento das medidas de restrição de atividades adotadas por diversos governadores, a pressão pela liberação do auxílio emergencial deu uma escalada, com senadores articulando desidratar o texto da chamada PEC Emergencial e aprovar nesta semana somente o retorno do benefício, afirmaram à Reuters fontes com conhecimento das tratativas.
Senadores, que já resistiam na última semana à retirada dos mínimos constitucionais prevista na PEC, e pressionavam pelo fatiamento da proposta, agora deparam-se com um contexto de maior urgência à concessão da renda assistencial.
A chamada desvinculação de receitas de áreas como a saúde e a educação já pode ser contada como uma carta fora do baralho.
Resta saber, se o novo parecer, que deve ser apresentado na terça-feira pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), irá trazer outras medidas de ajuste fiscal, como os gatilhos para o teto de gastos ou o corte de repasses a instituições como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Senadores passaram a articular, no entanto, para que, mesmo com o retorno dos mínimos para saúde e educação, a tramitação da PEC Emergencial seja desacelerada ou o texto seja desidratado. No primeiro cenário, segundo as fontes, ela seria remetida para tramitar pelas comissões de Constituição e Justiça e/ou de Assuntos Econômicos sem ser votada diretamente pelo plenário.
No segundo, conforme as fontes, a proposta seja fatiada para se aprovar apenas o retorno do auxílio emergencial, benefício que foi encerrado pelo governo Jair Bolsonaro no final de dezembro, sem qualquer contrapartida de ordem fiscal.
O líder do Podemos, Alvaro Dias (PR), disse que esse movimento ganhou corpo nos últimos dias após governadores adotarem medidas mais drásticas de isolamento social, como fechamento de atividades comerciais.
“Vejo que cresceu muito essa tendência”, disse Alvaro Dias.
Segundo Dias, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), telefonou no final de semana com o objetivo de discutir alterações mais brandas na PEC emergencial. Contudo, ele afirmou que a bancada deverá fechar questão em torno da aprovação apenas do auxílio emergencial.
A líder Eliziane Gama (Cidadania-MA), do bloco independente do Cidadania, PDT, Rede e PSB, disse que a carta dos secretários estaduais de Saúde nesta segunda, que mostraram descompasso entre um Palácio do Planalto que vive de narrativas apenas ideológicas e as demais unidades da Federação, apontam para novas atitudes.
“Certamente, nesse cenário a tramitação da PEC Emergencial será impactada. O governo quer fazer ajuste fiscal e não combater de frente a Covid-19. E hoje o mais importante é o auxílio e medidas para o vírus não se espalhar ainda mais. Além de se exigir do governo federal arcar com partes dos custos de UTI”, disse ela.
Mais incisivo, o senador José Serra (PSDB-SP), autor de emenda que muda o texto da PEC de forma que ela trate apenas das condições para a concessão do auxílio emergencial, considerou, em nota técnica, que o parecer de Bittar traz “regras fiscais inadequadas e heterodoxas”. Também apontou a retirada dos gastos mínimos com saúde e educação, e mudanças no teto de gastos, entre outros pontos.
“Diante desse cenário caótico, entendo que o art. 3º da PEC 186 é o único dispositivo que deve ser discutido no Senado em curtíssimo prazo. A questão urgente é: como viabilizar uma ação emergencial para salvar vidas e a economia brasileira?”, defende o senador, no documento distribuído à liderança.
“Não faz o menor sentido debater novas instituições e regras fiscais, bem como dispositivos históricos do texto constitucional, em um processo deliberativo extraordinário”, argumentou, lembrando que a PEC será discutida diretamente em plenário na terça-feira, sem passar pela CCJ da Casa.
Apesar dessa articulação, ainda não está claro qual instrumento legislativo seria apresentado para se contemplar apenas o retorno do auxílio emergencial.
Uma fonte alinhada ao governo no Senado disse que houve “inabilidade” no parecer apresentado por Bittar de retirar os pisos mínimos para saúde e educação e isso “desarranjou o jogo todo”. Ou seja, agora haveria um risco real de o governo ter a PEC Emergencial totalmente desfigurada. “Não colocaram um bode na sala, colocaram um elefante”, comparou.
A assessoria de Bittar disse nesta segunda que o um novo parecer dele será apresentado na terça-feira. Segundo a assessoria, o novo texto vai contemplar a retirada da desvinculação com despesas de saúde e educação, mas não informou quais outras alterações constarão.
INVESTIGAÇÃO
As repercussões das decisões dos governadores também deve trazer mais lenha à fogueira do pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as ações do governo federal no combate à pandemia.
“A CPI da Covid é uma necessidade. O Brasil precisa dar um paradeiro na política negacionista e na incompetência do governo que são as responsáveis por sermos hoje o único país em que a doença avança, enquanto no restante do mundo a pandemia está recuando”, disse o senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria.
Prates informou que já se articula com demais líderes para provocar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) a se pronunciar sobre o assunto. O pedido de CPI já foi entregue à Mesa do Senado.
“O Congresso não pode ficar calado diante da irresponsabilidade de Bolsonaro sob o risco de também ser responsável pela morte de tantos brasileiros”, acrescentou o líder da Minoria.
Contudo, há senadores aliados de Pacheco que acreditam que, por ora, a criação da CPI não deverá avançar, segundo duas fontes. Uma delas considera que a decisão sobre se criar a CPI será o divisor de águas sobre de qual lado o presidente do Senado está, se alinhado ao governo ou em sintonia com as demandas da população.