Chore em casa, rede Globo; o povo brasileiro não é criança
Derrocada do jornalismo da emissora nasce na pretensão de querer ser babá social e moral do espectador, editando o que ele deve ver, consumir, e surrupiando e invertendo os fatos
Jornalismo é interpretação do mundo embalada na percepção do jornalista e sua leitura dos fatos. Simples assim. Expor os fatos, mostrá-los, escolher os que devem ser exibidos é editar a realidade. Não há realidade bruta. Há angulação da realidade editada pelo olhar de quem observa e edita a realidade. Isto não significa dar lição de moral sobre como o espectador deve reagir, viver, se comportar. A arte, a literatura e até o jornalismo podem ser didáticos quando humildemente expõem uma percepção da realidade, com suas ambiguidades e complexidades. Sem querer impor goela abaixo do leitor/espectador uma visão única de mundo e de como viver. “Fique em casa”, berrava o jornalismo da Globo no ano passado. Não saia. Não se movimente. Sua liberdade de ir e vir pode matar. Sua liberdade de vida pode matar. Colou para a maioria. Durante um ano, baseando-se em pretensa ciência, pessoas abdicaram de viver. Nenhum resultado satisfatório provou que isto salvou alguma vida, como prometido. Ceifou a liberdade de viver e de trabalhar. Não a dos jornalistas da Globo, que seguiram com seu trabalho essencial para eles mesmos, vivendo os riscos de viver — que eles guardaram só pra eles mesmos.
O mandamento moral jornalístico piorou mais com a guerra política contra um presidente que priorizava o trabalho e a liberdade, além do risco de viver. Duelo de percepções de vida. Um militar que mandava enfrentar os riscos numa guerra contra um vírus e uma emissora que mandava se esconder do vírus — que penetrava em transportes e periferias lotadas por eventuais “trabalhadores essenciais”, nos lares de quem ficou em casa — e foi contaminado — em casa. Países que mais mandaram ficar em casa tiveram números maiores dos que não ficaram, na maior parte dos casos. Duelo de percepção de vida. Mas a Globo acreditava que falava em nome dos fatos, da realidade, do jornalismo, da ciência. A Globo errou. Errou sobretudo em tratar a apuração da realidade com lição de moral. Lição esgotada em seu erro fatal. O que as pessoas suportam cada vez menos é uma certa mania jornalística de transformar apuração em lição de moral de como se deve comportar, agir, como se deve emocionar, viver, deixar de viver.
Apuração dos fatos virou didática da realidade para o jornalismo da Globo e em grande medida para a maior parte do jornalismo da grande mídia. Jornalistas querem ensinar o que pensar, com o que se emocionar, com quais fatos se preocupar. Escrever, pesquisar sobre a realidade é dialogar com quem lê, não impor uma realidade editada por convicção narcisista. Jornalistas da Globo e da grande mídia parecem crer que o espectador seja uma criança que deva ser levado pela mão à interpretação social, ideológica e política da realidade que ele, jornalista, aprendeu — errado — em faculdades ideologicamente doutrinadoras de comunicação ou na própria redação de jornal. A Globo errou. Erro feio. Tem errado feio não só na campanha do “fique em casa”, como nesta guerrilha ideóloga estúpida contra o governo federal. Faz ilações sobre o assassinato de Marielle Franco e o presidente, esconde manifestações populares de apoio a Jair Bolsonaro, responsabiliza ele por mortes por Covid-19 por não ter “ficado em casa”, chama de antidemocráticos atos de pessoas que se insurgem contra atos antidemocráticos do STF, endossa prisões arbitrárias de pessoas que criticam juízes tiranos, embarca num tipo de propaganda de pseudo progressismo identitário que chama indiscriminadamente pessoas de racistas, homofóbicas e machistas por serem meramente conservadoras. Fecha os olhos para a humilhação de cientistas, mulheres massacradas por corruptos notórios, inocentes que tem sigilos bancários abertos em investigação promovida por corruptos notórios pelo único objetivo de demonizar um presidente.
A Globo se transformou num órgão de militância política comportamental contra o que ela crê ser autoritário, reacionário, fascista. A Globo se transformou num juiz moral injusto que não enxerga a própria injustiça e erro. Como um ministro que compõe nosso STF atual. Recebe, por óbvio, críticas acerbas de diversas fatias da sociedade por ter trocado um jornalismo que busca triangular, apurar os fatos, dialogando com o espectador sobre a realidade, por um ativismo militante moral e social. Agora, numa campanha narcísica, chora as pitangas por se crer vítima de disseminadores de fake news. Fake news, segundo a Globo, seria tudo que não se coaduna com as teorias lançadas por ela de como se comportar e ler a realidade, a ciência, a vida, a presidência, a justiça. Fake news, segundo a Globo, é não viver e pensar como a Globo quer que você viva e pense. Agora, lançam uma campanha dizendo como jornalistas da emissora são humanos, e compartilham a intimidade dos profissionais com suas famílias. De como são mártires sociais que sofrem as pedradas de quem não comunga com sua visão de mundo. Agora, o ego, o narcisismo ferido do jornalista da Globo é a notícia. Nada mais tradutor da egolatria da rede Globo que trocou o jornalismo por um didática ególatra da moral social. A derrocada do jornalismo da Globo nasce na pretensão do jornalista que quer ser babá social e moral do espectador, editando o que ele deve ver, consumir, qual ângulo da notícia, surrupiando e invertendo os fatos, como deve se comover. Nenhum cidadão suporta ser tratado como criança. A Globo faz pior: virou uma babá vitimista ressentida com a contrariedade de quem ousa não ser tratado como criança. O povo brasileiro não é criança, rede Globo. O povo sai às ruas para trabalhar, viver, se arriscar, pensar e agir por conta própria. O povo brasileiro não vai chorar por seu narcisismo contrariado. Chore em casa, rede Globo. Não na nossa casa.