Caça às bruxas: um problema que persiste no século 21

A perseguição de mulheres acusadas de bruxaria não é coisa do passado: em países da África, essa ainda é uma triste realidade para muitas. Por isso, 10 de agosto foi declarado Dia Mundial contra a Caça às Bruxas.

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No mês passado, Akua Denteh foi espancada até a morte no distrito de Gonja Oriental, em Gana, após ser acusada de ser uma bruxa. O assassinato da mulher de 90 anos expôs mais uma vez os preconceitos arraigados contra mulheres acusadas de praticar bruxaria no país, muitas das quais são idosas.

Uma prisão em relação à morte foi feita no início de agosto, mas a questão continua chamando atenção depois de as autoridades terem sido acusadas de fazer corpo mole na apuração do caso. Ativistas de direitos humanos e feministas agora exigem mudanças na cultura de Gana, onde as crenças sobrenaturais exercem um papel importante.

O assassinato de Akua Denteh está longe de ser um caso isolado no país africano, ou mesmo no mundo em geral. Em muitos países, mulheres continuam sendo acusadas de praticar bruxaria: elas são perseguidas e até mortas em caças às bruxas organizadas especialmente na África, mas também no Sudeste Asiático e na América Latina.

Essas mulheres perseguidas encontraram agora um aliado um tanto improvável em sua luta por justiça. A sociedade missionária católica Missio, que faz parte das Pontifícias Obras Missionárias, sob a jurisdição do papa, declarou 10 de agosto como o Dia Mundial contra a Caça às Bruxas, dizendo que, em pelo menos 36 nações ao redor do mundo, pessoas continuam sendo perseguidas por esse motivo.

Embora a Igreja Católica tenha incentivado a caça às bruxas na Europa entre os séculos 15 e 18, a instituição tenta agora lançar luz sobre essa prática obscura. Parte disso talvez se deva a um senso de obrigação histórica, mas a verdadeira força motriz é o número de vítimas que a caça às bruxas faz ainda hoje, em pleno século 21.

O historiador Wolfgang Behringer, que trabalha como professor especializado no início da Era Moderna na Universidade do Sarre, na Alemanha, coloca os números em perspectiva: ao longo desses três séculos (15 ao 18), presume-se que entre 50 mil e 60 mil pessoas foram mortas devido aos chamados crimes de feitiçaria – uma contagem que chega perto do dobro da população de algumas grandes cidades alemãs na época.

Contudo, somente no século 20 mais pessoas acusadas de bruxaria foram brutalmente assassinadas do que durante os três séculos em que a caça às bruxas era praticada na Europa, afirma Behringer à DW. “Entre 1960 e 2000, cerca de 40 mil pessoas acusadas de prática de bruxaria foram assassinadas somente na Tanzânia. Embora não existam leis contra a feitiçaria na legislação do país, os tribunais das vilas frequentemente decidem que certos indivíduos devem ser mortos.”

O historiador reitera que, devido à tomada de decisão coletiva por trás desses tribunais, tais assassinatos estão longe de ser casos arbitrários e isolados. “Eu concluí, portanto, que a caça às bruxas não é um problema histórico, mas uma questão candente que ainda existe no presente”, diz Behringer.

Uma foto dos chamados médicos feiticeiros de Serra Leoa, tirada por volta do ano 1900

Um problema africano?

Na Tanzânia, as vítimas dessa caça às bruxas geralmente são pessoas com albinismo: alguns acreditam que partes do corpo de albinos podem ser usadas para extrair poções contra todos os tipos de doenças. Práticas semelhantes ocorrem na Zâmbia e em outras partes do continente.

Enquanto isso, em Gana, onde a nonagenária Akua Denteh foi espancada até a morte no mês passado, certas comunidades culpam a bruxaria pelo nascimento de crianças com necessidades especiais.

Na República Democrática do Congo, geralmente são as gerações mais jovens as associadas à feitiçaria. Os chamados “filhos da feitiçaria” são comumente rejeitados por suas famílias e abandonados à própria sorte. Entretanto, seus alegados crimes muitas vezes têm pouco a ver com bruxaria.

“Soubemos de inúmeros casos de crianças que sofreram estupro e não foram mais aceitas por suas famílias. Ou eles nascem como filhos ilegítimos fora do casamento e são forçados a viver com um pai que não os aceita mais”, conta Thérèse Mema Mapenzi, que trabalha como parceira de um projeto missionário na cidade de Bukayu, no leste da República Democrática do Congo.

A organização de Mapenzi foi inicialmente planejada para ser um abrigo para mulheres que sofreram estupros nas mãos da milícia no leste do país, onde o abuso sexual é usado como arma na guerra civil que aflige a região. Mas, com o passar dos anos, mais e mais crianças passaram a procurar o auxílio do projeto após serem rejeitadas por serem consideradas “crianças de bruxaria”.

Com a ajuda da sociedade missionária católica Missio, Mapenzi agora também ajuda esses menores de idade no enfrentamento de seus muitos traumas, enquanto tentam encontrar orfanatos e escolas para eles.

“Quando essas crianças vêm aqui, muitas vezes já foram espancadas, rotuladas de bruxas ou sofreram outros ferimentos. É doloroso só de olhar para elas”, conta Mapenzi. “Sempre ficamos chocadas ao ver essas crianças desprovidas de qualquer proteção. Como isso pode acontecer?”

Thérèse Mema Mapenzi (esq.) ajuda mulheres e meninas acusadas de serem “crianças da bruxaria”

Diálogo e mediação

Há toda uma infraestrutura social que alimenta o ódio contra esses jovens na República Democrática do Congo: muitas igrejas carismáticas atribuem doenças como a aids ou a infertilidade feminina à bruxaria, com filhos ilegítimos servindo como bodes expiatórios para problemas que não podem ser facilmente resolvidos em um dos países mais pobres do mundo. Outros motivos citados incluem mortes súbitas, ganância, ciúmes e muitos outros.

Thérèse Mema Mapenzi diz que tentar ajudar aqueles que sofrem por conta desse ódio é uma tarefa difícil, especialmente na ausência de proteção legal. “Na lei congolesa, a bruxaria não é reconhecida como uma violação da lei, porque não há evidências que você possa produzir. Infelizmente, as pessoas desenvolveram suas próprias práticas jurídicas para buscar vingança e punir aqueles que os chamam de bruxas”, explica.

Além de ajudar aqueles que fogem da perseguição, Mapenzi também busca o diálogo com as comunidades a fim de mitigar o preconceito contra acusados de bruxaria e feitiçaria.

Ela também tem como missão reunir famílias que foram um dia dilaceradas e separadas pela caça às bruxas. Atuando como mediadora, Mapenzi conversa com as pessoas e, de vez em quando, consegue promover o reencontro de familiares com mulheres e crianças que haviam sido humilhadas e condenadas ao ostracismo. Ela diz que tais esforços – quando são bem-sucedidos – levam em média de dois a três anos.

Apesar do risco de as vítimas voltarem a ser perseguidas, Mapenzi diz que o esforço vale a pena. Para ela, o fato de o dia 10 de agosto ter sido reconhecido como o Dia Mundial contra a Caça às Bruxas dá um sinal de que seu trabalho é importante e necessário.

Caçar os caçadores é tarefa perigosa

A data, celebrada pela primeira vez neste ano, marca uma nova etapa na difícil batalha travada por Mapenzi na República Democrática do Congo, afirma ela. Jörg Nowak, porta-voz da organização Missio, concorda e espera haver uma consciência crescente sobre esse problema em todo o mundo.

Como parte de seu trabalho, Nowak visitou nos últimos anos vários parceiros do projeto da Missio para ajudar a acabar com a caça às bruxas. Mas ele não estava ciente da magnitude do problema até 2017.

O primeiro caso com o qual lidou foi o assassinato de mulheres acusadas de serem bruxas em Papua Nova Guiné, nos anos 2010 – o que acabou levando Nowak a publicar um artigo sobre a situação de crise no país e a se tornar especialista da Missio em caça às bruxas.

Mas boa parte da extensa pesquisa de Nowak na Papua Nova Guiné permanece, por enquanto, em segredo no próprio país: as evidências que ele acumulou contra alguns criminosos podem arriscar a vida de parceiros da Missio que trabalham para ele.

A situação não mudou muito ao longo dos séculos, além das localidades envolvidas, quando se trata da crença oculta na bruxaria, afirma Nowak, que enfatiza: “Não existe tal coisa como feitiçaria. Mas existem acusações e estigmatização destinadas a demonizar as pessoas e desacreditá-las, a fim de obter vantagens egoístas para terceiros.”

Maxwell Suuk e Isaac Kaledzi contribuíram para este artigo.  

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Fonte dw
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