Arquivado processo contra juíza que teria condenado negro ‘em razão de sua raça’
Por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná arquivou nesta segunda-feira, 28, o processo disciplinar aberto contra a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, para apurar se ela cometeu crime de racismo ao associar um homem negro a um grupo criminoso ‘em razão de sua raça’ em uma sentença proferida em junho. Os desembargadores concluíram que não houve intenção discriminatória ou intuito ofensivo no parecer da magistrada.
No julgamento virtual, os 23 desembargadores consideraram que a sentença da juíza foi devidamente fundamentada em provas e depoimentos colhidos no curso da investigação e instrução penal e que a condenação não teve relação com o critério racial, mas com a conduta do réu.
“Em momento nenhum a cor da pele do condenado foi utilizada como elemento de convicção para a condenação ou para a conclusão de o mesmo integrar o grupo criminoso”, observou o Corregedor-Geral da Justiça José Augusto Gomes Aniceto. “Não houve discriminação. Em nenhum momento da sentença a Juíza condenou o réu pela cor da sua pele. Em nenhum momento ela aumentou a pena do réu pela cor da sua pele”, completou.
Os desembargadores avaliaram ainda que a polêmica causada pela sentença foi resultado de problemas de interpretação de texto e da descontextualização de um trecho do parecer de 115 páginas.
Em seu voto, o Corregedor-Geral observou que a menção à raça de Natan Vieira da Paz, o único negro entre os sete réus no mesmo processo, não teve relação com o ‘juízo pessoal’ da magistrada.
“Nós estamos falando de um processo em que estavam envolvidos sete réus e, dentre estes sete, apenas um na condição de negro e que agia com certa discrição”, afirmou Aniceto. “A menção à raça se deu com a única finalidade de apontar a forma de agir na divisão das tarefas do grupo criminoso e não, em hipótese alguma, como confusão ou qualquer influência na dosimetria da pena imputada a este condenado em razão da cor da sua pele”.
A decisão do Órgão Especial será submetida ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinou, no mês passado, a abertura do procedimento disciplinar contra a juíza.
Relembre o caso
A sentença ganhou visibilidade nacional depois que a advogada Thayse Pozzobon, responsável pela defesa de Natan, postou trecho do documento nas redes sociais.
“Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que se deve ser valorada negativamente”, dizia a passagem.
Diante da repercussão, além do procedimento administrativo aberto a pedido corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, a Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná oficiou o Ministério Público do Estado para apuração sobre o crime de racismo. Núcleos de Cidadania e Direitos Humanos e de Política Criminal e Execução Penal da Defensoria Pública do Paraná também convocaram uma força-tarefa para fazer a revisão técnica das sentenças condenatórias proferidas nos últimos 12 meses pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Curitiba.
Na época, a juíza divulgou uma nota negando a intenção de discriminar o réu e repudiando práticas racistas. “Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender. (…) Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas. A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas. Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo”, disse.