Como o maravilhoso Brasil de 82 contribuiu para a lenda Paolo Rossi
O genial Telê errou ao menosprezar a competitiva, forte, tática Seleção Italiana. E Paolo Rossi. Foi avisado. Não reagiu. A Copa foi desperdiç
São Paulo, Brasil
No saudoso Jornal da Tarde, que possuía a melhor editoria de Esportes do país, sempre se discutiu a Copa de 1982.
Ou melhor, o dia 5 de julho de 1982.
Vozes como a de Sergio Baklanos, Vital Bataglia, Roberto Avallone, José Eduardo Savoia, Roberto Marinho ecoavam nos corredores do sexto andar, do prédio na marginal Tietê, em São Paulo.
Eram mais altas que o barulho ensurdecedor das centenas máquinas de escrever, que solapavam as laudas, sem dó.
Os rostos vermelhos, as veias saltadas nas gargantas e nas testas, demonstravam revolta, indignação.
O alvo era um só.
Telê Santana.
O treinador seria santificado com os dois títulos mundiais com o São Paulo.
Porque ele foi questionado, xingado, amaldiçoado pela Copa perdida na Espanha. Depois das palmas que recebeu no estádio Sarriá, na Espanha, pela imprensa do mundo todo, a ressaca da derrota da Seleção de futebol mais espetacular, depois da de 1970, ficou com a imprensa brasileira.
Naquele tempo prevaleceu a arrogância de ter o ‘melhor futebol do mundo’. A legislação atrapalhava e os principais jogadores brasileiros ficavam por aqui mesmo, travando duelos inesquecíveis.
No JT havia a reverência pelo trabalho de juntar peças sensacionais que estavam no auge, como Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Cerezo, Leandro, Éder, Oscar. Valdir Peres, Luizinho e o travado Serginho estavam abaixo.
Mas basta comparar com a Seleção de 2020. Só há Neymar acima do nível médio dos demais, o que vira uma escravidão para Tite, em relação ao bilionário infantilizado atacante do PSG.
Naquele tempo, década de 1980, não existiam assessores de imprensa. O contato com os personagens do futebol eram diretos. E as discussões destes jornalistas com Telê Santana foram históricas. A briga ia além do pragmatismo, da vontade do técnio mineiro encantar o mundo e bater de frente com a realidade.
Não.
Pela arrogância tática em relação à Seleção Italiana. Telê fez como a própria imprensa italiana, subestimou o time de Enzo Bearzot. E principalmente Paolo Rossi.
No JT havia a história que parecia lenda. Que antes do jogo, Telê Santana havia discutido com um jornalista brasileiro em relação ao atacante. E que fora aconselhado a montar uma zaga mais dura, firme com Oscar e Edinho.
Parar de endeusar Luisinho, zagueiro técnico, incapaz de faltas mais duras no Mundial. Só que tinha menos explosão muscular que Edinho. Costumava compensar com colocação. E procurava ser absolutamente limpo, sem fazer faltas, ou mesmo tocar nos atacantes adversários.
O companheiro de R7, Silvio Lancelotti, coloca de forma prática no seu blog, que nunca foi lenda.
Ele foi o personagem, o tal ‘jornalista brasileiro’ que discutiu com Telê antes do jogo, indicou que Paolo Rossi poderia decidir o jogo para a Itália.
Rossi estava até mais desacreditado que o time de Bearzot. Voltava de suspensão por envolvimento com o arranjo de resultados no Totonero, espécie de loteria esportiva italiana.
O atacante buscava a redenção do seu nome, queria voltar a ser amado pela família, ser respeitado pelo povo italiano. E a Itália, com, na época surpreendente, marcação alta, expôs a fragilidade defensiva brasileira.
Paolo Rossi se aproveitou não só da marcação ‘camarada’ de Luisinho, que deu todo o espaço ao ágil e técnico atacante.
Mas da arrogância do time brasileiro.
No primeiro gol, Cabrini cruzou entre Luisinho e Júnior.
Paolo Rossi, livre, cabeceou com vontade, sem chances para Valdir Peres.
Sócrates empataria.
Mas depois, Valdir Peres reporia a bola no peito de Leandro. Ele serviu Cerezo. O volante fez o que é proibido, básico. Deu um passe lateral, sem cuidado, no meio. Entre Luisinho e Falcão.
Surgiu Paolo Rossi, que só faltou agradecer, teria tempo. Invadiu a área e estufou as redes de Valdir Peres.
Falcão, depois de muito sacrifício, empataria o jogo, eum um gol espetacular.
O empate servia para o Brasil se classificar, seguir para a semifinal da Copa do Mundo.
Mas Telê manteve o time atacando.
E Rossi livre.
Até que houve um escanteio.
Sócrates e Oscar se atrapalharam ao tentar cortar a bola de cabeça. Ela sobrou para Tardelli, que chutou de qualquer maneira. Toda a zaga brasileira havia saído, para provocar o impedimento de Paolo Rossi. Todos menos um jogador: Júnior.
A desconcentração custou caríssimo.
A bola chegou no atacante, livre, em posição legal, marcar seu terceiro gol. O que eliminaria o excelente, espetacular, inesquecível, mas arrogante Brasil de 1982.
Telê Santana merece ser reverenciado como um dos melhores treinadores da história deste país.
Mas jamais foi perdoado nos corredores do prédio da Margina Tietê.
O rancor mútou entre ele e os jornalistas premiados do JT.
Paolo Rossi veio ao Brasil algumas vezes depois do Mundial.
Como o uruguaio Ghiggia, ‘carrasco da Copa de 1950’, sempre foi muito gentil com jornalistas brasileiros. Sabiam dos sonhos que haviam matado, a tristeza espalhada.
Ghiggia inocentava o crucificado goleiro Barbosa.
Rossi sempre foi por outro caminho.
Deixava claro que o mundo subestimou a Itália.
De maneira elegante, ele deixava claro que a Seleção de 1982 também.
O brilhante Sergio Baklanos ficaria satisfeito ao saber.
Estava certo nas eternas discussões com Telê Santana.
A arrogância tática do técnico contribuiu.
Para que o Brasil não vencesse a Copa de 1982.
Paolo Rossi, que morreu ontem, aos 64 anos virasse lenda.
E, para esse país, o Mundial da Espanha fosse resumido.
A uma fotografia em preto e branco…