600 milhões. Para onde vai o dinheiro da Fórmula 1?
Com o fim da exibição da corrida pela Globo, acaba um dos maiores pacotes de marketing da mídia brasileira. Desafio é decidir o que fazer com essa verba
Sou um admirador absoluto de Ayrton Senna. A forma como ele entrava nas curvas e aproveitava cada espaço que dava é uma inspiração para a forma como conduzo minha vida e meus negócios. Por causa dele, sou fã de Fórmula 1. Não à toa eu, como muitos brasileiros, fiquei surpreso ao saber do fim da transmissão da F1 pela Globo. A emissora começou a transmitir o Grande Prêmio de Fórmula 1 em 1981. Depois de 40 anos com sua audiência acordando aos domingos ao som dos pneus na pista durante a temporada do GP, a corrida não será mais transmitida pelo canal.
Mais que lamentar o fim de uma era, a grande pergunta que eu faço nesse momento é: a partir de janeiro de 2021, para onde vão os cerca de R$ 600 milhões que eram alocados em publicidade no pacote da F1? Afinal, uma das principais formas de se anunciar até hoje na TV acaba de evaporar. Agora, só resta o futebol, que ocupa o lugar de maior pacote de mídia brasileiro.
A saída da F1 da Globo é um chacoalhão no mercado. Leva, ou deveria levar, à reflexão não apenas sobre como distribuir a verba desses pacotes de mídia, mas sobre como usar o dinheiro da publicidade como um todo. Alocar verba ano após ano sempre dentro de uma mesma estratégia é uma maneira bem mediana de fazer propaganda porque o panorama de mídia muda a todo momento. Quem está fazendo a mesma coisa todos os anos, está perdendo oportunidade. Diante do fim da era F1, quero trazer três pontos que todo CMO deveria usar para pautar sua decisão na hora de escolher como gastar seu dinheiro em 2021.
O primeiro é alocar o dinheiro da companhia de acordo com a atenção das pessoas. O maior erro que um executivo pode cometer é ter uma proporção do seu investimento deslocado do consumo da audiência. Se os brasileiros passam 10 horas na internet por dia e dormem, em média, 8 horas, sobram 6 horas. Logo, no mínimo 62% da verba de marketing deveria estar alocada na internet.
Olhar internet versus outras mídias é só o primeiro passo. Feito isso, é preciso direcionar para as plataformas. Se o público alvo da empresa é a geração Z, sua maior audiência estará no Youtube, TikTok e no Instagram. Se for uma geração mais velha, a aposta talvez seja no Linkedin e no Facebook. Se for adolescente, ou se há um plano de transição de geração, 90% do dinheiro deveria ser investido em influenciadores de TikTok.
Por fim, uma premissa básica para o CMO moderno é que seu orçamento não pode ser fixo nem rígido. Os formatos, as conversas e as plataformas também têm seu ciclo de vida e podem se tornar obsoletas ou irrelevantes em pouco tempo. Nada é tão permanente como gostaríamos que fosse. Ter capacidade de se adaptar é um valor fundamental.
Pague barato
O segundo ponto é sobre a atenção subvalorizada. Sou economista de formação e, por isso, quando entrei no mercado publicitário, levei comigo um dos principais conceitos que os economistas respiram: a lei da oferta e da demanda. A mídia também se comporta de acordo com essa lei – aliás, há poucas coisas no mundo que não se comportam dentro desse conceito. Lembrando, essa máxima da economia diz que se a oferta é maior que a procura, os preços diminuem; se a procura é maior que a oferta, os preços aumentam.
O objetivo de um CMO, diretor de marketing ou executivo deveria ser comprar o máximo de atenção – e aí ligamos ao primeiro ponto, que é saber onde ela está – pagando o menor preço possível. Os lugares onde ele vai comprar muita atenção pelo menor preço são onde a maioria das pessoas ainda não estão. Quando esses lugares já bombaram, é tarde demais: há um excesso de demanda para uma mesma oferta e isso infla o preço. A batalha por atenção subvalorizada, que implica em analisar onde ela está cara ou barata, é um jogo de fronteira.
A Avellar realizou uma das três primeiras lives do Brasil, com a cantora Marília Mendonça para a marca Stone, na qual batemos o recorde mundial de audiência no YouTube. O valor que a gente pagou, perto do retorno que foi auferido, foi ridiculamente baixo porque a gente estava testando uma fronteira, arriscando um novo formato. Depois de bater o recorde mundial e fazer aquele buzz todo, o próximo que foi fazer live pagou 10 vezes mais caro porque o negócio já tinha virado mainstream. Estava supervalorizado.
Para jogar esse jogo é necessário testar novas plataformas e, dentro delas, diferentes formatos (como as lives). Há ainda a fronteira dos influenciadores que, afinal, também são um canal de mídia. Os que estiverem subvalorizados provavelmente vão se precificar abaixo do que valem, e isso é uma oportunidade tremenda para quem compra mídia. Em resumo, a atenção subvalorizada será encontrada nessas três fronteiras: plataformas, formatos e influenciadores.
#RespeitaAsPessoas
Respeitar a atenção das pessoas é meu terceiro e último ponto. Vamos supor que um CMO inteligente e dedicado entendeu onde a atenção está e a comprou por uma barganha. Ao oferecer só mais uma propaganda à moda antiga, ele desrespeita a audiência conquistada e joga todo o trabalho anterior fora. O marketing moderno deve se parecer muito mais com entretenimento que com a velha propaganda porque as pessoas não aceitam mais ser interrompidas.
Elas precisam escolher deliberadamente o que o marketing oferece e, para isso, ele precisa ser tão atrativo quanto um show do Gusttavo Lima ou uma live do Coachella. As milhões de pessoas que pararam tudo na vida para ver a live da Marília Mendonça praticamente estavam dizendo: eu quero consumir uma propaganda da Stone! Essa é a ambição de qualquer marca em 2020.
Nesse panorama, já vejo grandes empresas de varejo comprando plataformas de entretenimento. Me arrisco a fazer as seguintes previsões: em cinco anos, a Amazon vai comprar a Live Nation, a maior plataforma de entretenimento do mundo, e Carrefour ou Lojas Americanas vai comprar uma propriedade brasileira como o VillaMix.
Realocar a verba de F1 está na pauta do dia. Mas tenho certeza que as marcas que vão arrebentar nos próximos cinco anos são as que vão olhar para o que tradicionalmente foram os grandes pacotes de mídia e entender como podem recriá-los na internet e fora dela, através de plataformas, com influenciadores e em novos formatos. Elas que estarão produzindo entretenimento em momentos culturais tão relevantes quanto foi a Fórmula 1 ou uma novela das 20h para as gerações passadas.
Isso não é futuro, é agora. Se o grande sonho de uma marca era estar na Globo com a F1 ou o pacote de futebol e ela está de fora, cabe a ela mesma recriar esse “pacote Globo” através das ferramentas modernas de formação de opinião.