Paulo José e Tarcísio Meira: mereciam ter partido ‘no palco, sob aplausos’, diz diretora Denise Saraceni
A notícia das mortes de Paulo José e Tarcísio Meira bateu especialmente fundo na diretora Denise Saraceni.
Primeiro porque os dois artistas tiveram papéis marcantes em sua carreira na TV, particularmente em dois momentos.
“Eu comecei a trabalhar junto com os dois. Eles foram revolucionários na minha vida profissional”, lembra Denise à BBC News Brasil.
Ela conta que estava começando a dirigir quando foi convidada para ser assistente de Paulo José em O Tempo e O Vento, minissérie de 1985 baseada na obra homônima de Érico Veríssimo.
“Se ele não tivesse me puxado para a equipe de direção dele quando era bem guria — era assim que ele me chamava, ‘minha guria’ —, eu teria seguido por um rumo muito diferente, dificilmente estaria onde estou”, lembra Denise, diretora artística da TV Globo e primeira mulher a comandar um núcleo na emissora.
“O Paulo tinha uma habilidade para despertar na gente um talento, tinha o dom de ser um mestre, um professor. Foi um aprendizado sensacional. Ele tinha uma cultura imensa e era um criador com cê maiúsculo.”
Na mesma minissérie, Tarcísio Meira interpretou o capitão Rodrigo Cambará, um dos principais personagens da trama, que contava a história da formação do Rio Grande do Sul.
Denise lembra que foi responsável pela direção da maioria das cenas do ator.
“De certa forma, a minha geração se encantou com a TV por causa do Tarcísio e da Glória (Menezes). Ele era um ator especial, representava como ninguém, tinha essa comunhão fácil com o outro lado da tela. Seu olho brilhava com cada trabalho. Eu aprendi com ele a ter esse encantamento”, recorda a diretora.
Aquele seria apenas a primeira obra de Denise junto com Paulo José e Tarcísio Meira. “Aonde eu ia, chamava os dois para alguma participação ou algum trabalho mais potente. Virou um pouco pé de coelho.”
Uma aula de atuação em ‘A Muralha’
A sorte aliada ao talento levou mais uma vez o trio a fazer sucesso em A Muralha, minissérie sobre os bandeirantes que foi ao ar no ano 2000 e que tinha Denise na direção e Paulo José e Tarcísio Meira no elenco.
Paulo José interpretou o padre Simão, um jesuíta convicto. Tarcísio Meira encarnou o vilão Dom Jerônimo.
“Eram dois atores consagrados, cada um deles mergulhados em seus personagens. Assistir a eles em um momento de vida mais maduro, com aquela entrega… Foi uma aula”, comenta Denise.
A diretora se recorda em especial que aquele trabalho marcou uma virada na carreira de Tarcísio Meira, que aceitou o desafio de encarnar um papel bem diferente dos galãs pelos quais ficou famoso.
“A gente deixou ele feio, estragou os dentes dele, e ele dizia ‘que bom, quero fazer algo diferente’. Ele era um ícone, quando entrava no set, parecia que estava entrando um deus, mas ele sempre era sempre muito dedicado e pedia muita ajuda, dizia ‘por favor, não me deixem fazer mal, quero fazer bem'”, lembra Denise.
A minissérie ficou marcada na memória da diretora como um “reencontro forte” dela com Paulo José e Tarcísio Meira.
“Eles estavam ao meu lado mais uma vez em um momento importante, porque a gente estava arriscando ali com uma linguagem nova, mostrando um Brasil absolutamente real. A gente não sabia se o público estava preparado para aquilo, mas fez muito sucesso”, diz Denise, que faz questão de destacar também o trabalho ao lado de Paulo José na direção da minissérie Agosto (1993), uma “obra prima” do ator-diretor.
‘Exemplos de vida’
“Eram dois seres humanos incríveis. Foi um presente que a vida me deu eles estarem sempre comigo”, diz Denise, que, além das parcerias profissionais, tinha grandes amigos em Paulo José e Tarcísio Meira.
A diretora diz que a perda de ambos, em um espaço de menos de 24 horas, é ainda mais dolorosa por ocorrer em meio à pandemia de covid-19 e a um momento em que ela considera que a cultura brasileira não é valorizada como deveria.
“São mortes que vêm em um momento muito triste do Brasil, quando a cultura é desprezada e tantos artistas perderam seus espaços no teatro e no cinema”, comenta.
“Eles são dois símbolos, dois exemplos de vida, não só para quem faz arte, mas para todo mundo. É muito triste não poder estar com eles nesse final. Mereciam uma grande celebração, serem reverenciados. Eles mereciam morrer no palco, sob os aplausos do público.”