Gretchen: ‘Nem aos 20 anos eu tinha a libido de hoje’
Gretchen, ou Maria Odete de Miranda, está há mais de 50 anos no cotidiano do brasileiro. Seja em um meme que a gente manda nos aplicativos de mensagem, ou em um hit que faz a pista de dança tremer, repetindo os mesmos passos que ela criou quando surgiu. Cantora, dançarina, empresária e agora influenciadora, a carioca de alma nordestina abriu o coração para Quem.
Nascida no interior do Rio de Janeiro e criada no interior de São Paulo, ela se encontrou como pessoa no Nordeste. Alagoana de coração, fixou residência por muitos anos em alguns estados da região e afirma sem titubear que é lá que se sente em casa. “Queria uma oportunidade para ir viver a minha raiz e tive essa oportunidade no Nordeste. O Norte e o Nordeste é onde mais consigo ser eu mesma”, refletiu aos 65 anos.
A artista ganhou destaque na época em que mulheres eram criticadas por dançar como ela dançava, ou cantar músicas como as que ela entoava, mas isso nunca a parou. “Ser a Rainha do Rebolado, a Gretchen foi o que sempre me estabilizou. Sabia que tinha um trabalho, uma carreira, uma profissão e onde me segurar”, avaliou.
No papo a seguir, você vai conhecer uma Gretchen que não tem medo das novidades da vida.
Quem: Como separar a Gretchen da Maria Odete, aos 65 anos?
Gretchen: São duas pessoas diferentes. A Gretchen é aquela que fica nos palcos. A Maria é essa que tá em casa, que faz comida, cuida da casa, da neta, da filha, do marido… A partir do momento em que desço do palco, que tiro minha roupa, já sou a Maria com minha sandalinha e meu shortinho.
Você nasceu no Rio de Janeiro, foi criada no interior de São Paulo e se estabeleceu no Nordeste. Como essa mistura te formou como pessoa?
Meu sonho era viver no nordeste e realizei. Só queria ter uma oportunidade para viver a minha raiz e tive essa chance. Só não nasci no nordeste porque minha mãe, que é baiana, não chegou a tempo de ir até lá (risos). É o lugar do mundo em que sou eu mesma. Também tenho antepassados indígenas e amo o Norte. Está muito dentro de mim.
Sua vida hoje está mais fácil do que já foi em outros momentos?
Agora cheguei no momento de estabilidade da minha vida. Não tenho mais que criar meus filhos. Hoje a minha filha caçula tem 14 anos. Os outros estão casados, com as vidas arrumadas. Hoje também sou mais autônoma financeiramente.
A maturidade traz sabedoria única. Com a cabeça de hoje, teria construído outra carreira?
Quando a gente é jovem, acha que não existe o amanhã, né? Apesar de que hoje as garotas mais novas, como Ludmilla, IZA, Anitta, elas já têm outra cabeça. São mais maduras, responsáveis, seguras e determinadas e construíram um patrimônio excelente que as torna estabilizadas. Quando elas tiverem a minha idade… Se soubesse um pouco mais, com certeza estaria bem melhor.
Você acredita que está com a vida acertada ou ainda precisa trabalhar?
Quando a gente passa dos 60 anos, trabalha para manter a mente ocupada. Para nos sentirmos úteis, importantes. Se você fica sem trabalhar, parece que a vida acabou.
Como você faz para se sentir útil e importante hoje em dia?
Principalmente estando à disposição das pessoas. Dos meus filhos, dos meus netos, dos profissionais que precisam de mim. Influenciando mulheres, cuidando de mulheres, fazendo com que elas vejam, com o meu dia a dia, que podem ser independentes. Que podem ser poderosas, determinadas. Isso é o mais importante para mim.
Você é mãe de seis filhos e já falou que hoje celebra eles estarem criados. Como é a maternidade agora?
Ser mãe é o que mais me realiza na vida. Quando olho para os meus filhos formados, casados, me sinto muito poderosa, mais do que sou (risos). Sou muito leoa com os meus filhos até hoje, sempre saio em defesa deles. E também sou muito prática e nunca tenho problemas com eles. O mais difícil sempre foi ter que deixá-los para viajar, ou levá-los muito pequenos comigo. Mas sempre dava um jeito e nunca os abandonei.
Você viveu a maternidade no auge da sua carreira. Como foi isso?
Levava eles comigo, quando podia. Eles sempre foram adaptados à minha rotina em cada momento, à rotina do casal. A mulher não pode abandonar seu relacionamento por causa de filho, você tem que saber fazer as duas coisas. Na verdade, quando um filho chega dentro de um casamento, ele tem que se adaptar ao casamento, não é a gente a ele. Se é o contrário, você vai abandonar sua vida e não vai ser feliz.
Como é sua relação com seus filhos hoje? Você é muito presente na vida deles, quer saber de tudo? Não. É de total independência. Eles me procuram para me contar que está tudo bem, ou nem também. Me ligam três, quatro vezes por semana para dizer uma novidade ou contar alguma coisa da vida que estão passando. Normalmente para mostrar meus netos. Não é uma rotina de dependência, até porque nunca os deixei serem dependentes de mim. Sempre viajei muito e podia acontecer algum imprevisto. Podia não voltar um dia. Então, eles tinham que aprender a viver sem mim e foi assim que os criei. Sempre disse que uma hora iria faltar e eles precisavam continuar a vida. Os ensinava a arrumar a cama, cuidar da casa, cuidar um do outro. Não sabia o que poderia acontecer e não é um medo de morrer, é medo de que eles não estivessem prontos para a vida. Ser mãe é isso – e não deixar eles agarrados na barra da nossa saia.
Você voltou para Europa, após uns anos no Brasil, por conta da sua filha caçula, não foi?
Sim, por conta da minha segurança e a dos meus filhos. Hoje os índices de estupro no Brasil estão alarmantes. Um dia, a minha caçula, de 14 anos, foi seguida por um homem enquanto andava na rua. Nesse dia decidi que não dava pra mais pra ficar. Não quis pagar para ver, correr esse risco com ela. A insegurança bate à porta e não dá. Não é que não tenha estupro aqui em Portugal, onde moro atualmente, mas é muito diferente o tratamento da Lei. Eles levam esses assuntos muito a sério aqui.
E como é sua rotina atualmente na Europa?
É muito tranquila. Acordo cedo e faço o café da manhã do meu marido e da minha filha. Depois, tenho o meu treino na academia, mas até a hora do almoço gravo alguma trend ou conteúdo com o Esdras [De Souza, seu marido]. Quando nós voltamos, vou cuidar do almoço, porque aqui não tenho empregada. E aí cuido da casa, vou lavar roupa, faço as minhas obrigações e vou passear com meu marido. Damos uma volta de moto, assistimos alguma coisa juntos. E a gente raramente come fora porque não gosto, cozinho sempre pra gente.
E como é sua relação com o Esdras?
Vamos fazer cinco anos de casados em janeiro. Ele é o homem que pedi quando orava para Deus, para Nossa Senhora. Pedia um marido profissional, honesto, fiel. Nunca tive um marido fiel. Queria que ele fosse grudento, que adoro. Nós somos exatamente idênticos. Essa é a única vez que estou realmente completa, porque essa coisa de paixão é uma muito passageira e amor é solidez.
Você se sente com 65 anos?
Uma dor no joelho, na lombar, às vezes. Fazer exercícios físicos depois de uma certa idade é necessário para envelhecer bem. Fortalecendo os músculos inferiores, você vai ter saúde para o resto da vida. Então, treinar, atualmente, não é por vaidade, é necessidade. Busco comer bem, dormir 8 horas por dia, treinar todos os dias.
Você é uma mulher sem medo de procedimentos estéticos. Sua percepção sobre ‘se melhorar’ hoje é a mesma de alguns anos atrás?
Mudei completamente a minha vida depois que comecei a fazer reposição hormonal e treinar. Odiava fazer academia e fazia plástica e procedimentos por não me exercitar. E hoje não pulo um dia. Levo meus elásticos em viagem e faço o que consigo. Há 10 anos, me sentia uma velha pela falta dos hormônios e isso é um tabu grande até hoje. Nem aos 20 anos eu tinha a libido de hoje, por exemplo.
Você também é uma camaleoa quando o assunto é cabelo.
Quando é verão aqui gosto do cabelo loiro porque lavo, não faço nada e ele fica lindo. Quero colocar um megahair igual ao cabelo da Paolla Oliveira, estou inspirada nela. Uso mega porque tive esse corte químico de alisamento e ficou pequeninho. Com a reposição de testosterona, não cresceu mais, e não vou deixar de repor o hormônio. A Covid-19 fez com que ele ficasse ainda mais ralo. Estou com um transplante capilar marcado para outubro, mas estou fazendo um tratamento que acho que nem vou precisar fazer a cirurgia – pelos resultados que estou tendo. E, se ficasse careca, hoje tem tantos recursos. Tenho duas laces da marca da Ludmilla e da Brunna que são maravilhosas…
Você também chegou a fazer uma micropigmentação no couro cabeludo?
Fiz uma dermopigmentação, que é um tratamento. Ele é mais profundo e ajuda a abrir o bulbo capilar. Não é só estética. Meu cabelo voltou muito depois disso.
Você se considera uma ícone feminista com tudo que viveu durante sua carreira?
Ser feminista é você lutar pelos seus direitos de mulher. É você estar à frente de um movimento onde você sabe que tem direito. Mostrar que a mulher pode tudo, que ela pode usar a roupa que quiser, ser quem ela quiser. Sem contar as profissões diversas e alcançar os lugares, até os programas de televisão e os palcos. É você poder ter a profissão que quiser e realmente ter um lugar.
Sua carreira como cantora começou há pouco mais de 50 anos e hoje você é influenciadora. Mas já influenciava lá no início, não acha?
Com certeza. Até porque fui uma mulher à frente do meu tempo. As mulheres não faziam o que eu fazia, não usavam a roupa que eu usava, nem dançavam de costas para uma câmera. Acredito que eu fui sempre à frente do meu tempo e isso inspirava outras mulheres, sim.
Você foi coroada a ‘Rainha do Rebolado’ e mantém essa coroa há muitos anos. Mas o que o título significa para você?
É a pessoa ter muito jogo de cintura para viver, porque não é fácil (risos). Rebolado para você conseguir driblar todas as coisas da vida, principalmente sendo mulher. Já foi mais difícil, mas hoje continua sendo difícil. Ainda temos o assédio de todos os tipos, a violência de gênero. A mulher é doméstica, mãe, profissional, são muitas atividades para uma pessoa só.
Você passou por momentos delicados na sua vida e superou todos. Em algum momento ser a Rainha do Rebolado foi o que te segurou firme?
Ser a Rainha do Rebolado, e o fato de ser a Gretchen, foi o que sempre me estabilizou. Sabia que tinha um trabalho, que tinha uma carreira, uma profissão e onde me segurar. Minha carreira foi meu maior filho e, por isso, que cuido com tanto carinho, com atenção, de forma especial. E, por isso, ela também se mantém de pé.
Essas viagens todas e muito trabalho resultaram em um marco único, que é a venda de 15 milhões de álbuns. O que isso representa para você hoje?
Naquela época, era realmente muito difícil. Não tinha a internet. Para divulgar um trabalho, uma música, um disco, tinha que colocar ele embaixo do braço e sair mostrando de rádio em rádio. Ou de redação em redação. Era um trabalho muito cansativo, mas todo o processo, quando você escolhe a profissão qualquer que seja, tem que se dedicar. Você tem que se entregar para aquele trabalho.
Uma coisa marcante desta carreira é que você só ficou fora do radar quando quis, nunca por esquecimento do público. Isso mexe com você?
Nenhuma vez que fiquei distante foi propositalmente. Em um momento foi por conta de uma gravidez, ou por algum outro projeto. Tudo aconteceu na minha carreira porque tinha que acontecer. E nunca deixei de ser eu mesma, porque ser artista é algo efêmero. Hoje você pode estar na fama. Amanhã, você pode não estar. É muito passageiro. Então, você tem que saber quem é para na hora que não for mais famoso, ter alguma coisa. Até porque independentemente da fama, não podemos fugir de quem somos.
Saber quem se é evita o ‘o que eu sou?’ em um momento de baixa?
Sim. Se você não planejou, não montou uma vida normal, como a que tenho no meu dia a dia, realmente vai ter problemas. Tudo aconteceu na minha carreira no momento certo. Hoje a gente tem internet, é tudo globalizado, e sou uma mulher muito jovem. Aliás, tenho que ser jovem porque minha caçula tem 14 anos. Tenho que estar superantenada. Descobri o que era pickpocket [batedor de carteira] e liguei para o meu filho, que mora na França, para ele ficar alerta, mas ele já conhecia (risos). Sei dos memes que minha filha sabe.
Uma das coisas que te manteve atual e renovou seu público foram os seis realities que você participou. O que te motivou a entrar em tantos?
Queria mostrar quem eu era, porque já conheciam o meu trabalho. Mostrar quem era Maria e não a Gretchen. Como eu sou como mãe, como amiga, como esposa e até como profissional, mas fora do palco. E isso criou um outro vínculo com o público, não há dúvida. Fico triste com a pessoa que não aproveita o tempo que está no reality para mostrar quem é. Que cria um personagem. Quando se faz isso, você não deixa o público escolher se gosta de você de verdade. Hoje as pessoas pensam mais no momento, depois, nas publicidades, no dinheiro que querem ganhar e não se apresentam.
Há 12 anos você entrou em A Fazenda e os memes que criaram vivem até hoje. Como foi importante para você esse reality?
Além de ter me mostrado como pessoa para o público, foi muito importante ter feito parte da criação de uma nova linguagem, que são os memes. Acho que isso foi importante e ser parte disso te torna atual também, me atualiza para o público.
Sobre estar atualizada para o público, você não foge de uma polêmica nas redes sociais. Mas também pede desculpas quando entende que se exaltou. Isso te aproxima dos fãs?
Com certeza! Porque sou muito verdadeira. É aquela história: tudo com muita educação. Acho que você pode falar tudo que quiser, mas com educação. Nunca deixo passar uma mentira, uma ofensa, uma mágoa com um dos meus filhos ou meu marido. Às vezes, conseguimos chegar no ponto que queremos educadamente, sem ferir ninguém. Não é preciso atacar porque já foi atacada.
E quem responde é sempre você?
Já tive uma equipe para cuidar e não gostei. Prefiro eu mesma responder e acompanhar. É um trabalho difícil, de entrar e ler os directs, as marcações, responder… Quando tinha a equipe, as respostas que davam não eram minhas e acabava tendo uma polêmica. Não era o meu jeito de pensar. E quero estar em contato direto com os meus fãs. Os atualizo da minha vida, das minhas coisas. Temos que ter essa verdade porque também influenciamos as pessoas em tantas cosias: estética, separação, procedimentos. Você tem que ser responsável por isso e gosto de estar ligada.
Você acredita que os influenciadores de hoje influenciam errado? Estamos vivendo uma onda de críticas aos que promovem os jogos de azar, por exemplo.
Não gosto. Não acho legal. Tanto é que quando aparece alguma proposta nessa parte de jogos, vou atrás para saber o que é e se é realmente idôneo. Não teria como dormir sabendo que tirei daquela pessoa o dinheiro dela comer, pagar alguma coisa do filho…
Olhando para trás, revendo sua história, qual é o sentimento que fica para você?
Olho a paisagem de onde moro, meu casamento, meus filhos casados, maduros, já decididos na vida. Há pouco estava brincando com meu neto. Olho para isso e digo assim: ‘Parabéns, Maria, você venceu. Foi maravilhoso’. E venci, eu venci.